Bolsonaro anuncia que perdoará crimes de Daniel Silveira, deputado condenado pelo STF

Presidente leu minuta de decreto de concessão de graça ao parlamentar, condenado a oito anos de prisão depois de fazer uma série de ameaças ao Supremo e seus integrantes

Presidente Jair Bolsonaro concede graça ao deputado Daniel Silveira, em 21/4/2022
21 de Abril, 2022 | 07:41 PM

Bloomberg Línea — Um dia depois de o Supremo Tribunal Federal condenar, por dez votos a um, o deputado federal Daniel Silveira, o presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou que concederá a graça - uma espécie de perdão presidencial previsto na Constituição - ao parlamentar.

Durante transmissão ao vivo em sua página no Facebook nesta quinta-feira (21), o presidente leu a minuta de um decreto que, segundo ele, será publicado no Diário Oficial da União ainda hoje.

O texto lido pelo presidente diz que “a sociedade encontra-se em legítima comoção em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição que somente fez uso de sua liberdade de expressão”.

Assista ao vídeo:

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Daniel Silveira foi condenado pelo Supremo na quarta a oito anos e dez meses de prisão pelos crimes de tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da República e coação. Em diversas oportunidades, segundo a condenação, o parlamentar fez ameaças aos ministros do STF e instigou seguidores a atentar contra o tribunal e seus integrantes.

Com a condenação, o deputado fica inelegível e não poderá ser candidato nas eleições deste ano. Há dúvida sobre os efeitos da concessão da graça sobre essa parte da pena - o Código Penal apenas diz que a graça “extingue a punibilidade”.

Antes de começar a ler o decreto, Bolsonaro disse que trabalhava no texto “desde ontem”, assim que ficou sabendo da condenação do deputado.

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De acordo com um ministro do Supremo, que pediu para não ser identificado por se tratar de assunto que ele pode vir a ser chamado a julgar, a graça só terá efeitos sobre a liberdade do deputado. Ele continuará, portanto, inelegível e sem mandato.

A interpretação do ministro se baseia na súmula (resumo do entendimento definido a partir de um conjunto de decisões sobre o mesmo tema) 631 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “o indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais”.

O advogado criminalista e professor de Direito Penal Fernando Augusto Fernandes disse à Bloomberg Línea que o decreto ainda pode ser revogado pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo ele, “atos administrativos devem ser pautados pela impessoalidade”, o que não foi o caso da graça concedida a Daniel Silveira, afirma.

“O STF pode examinar o desvio de finalidade de um decreto de indulto ocorrido imediatamente após uma decisão sequer publicada cuja a motivação é desconstitui-la pelo Executivo. A graça ainda é afetada pela pessoalidade, já que direcionada a um réu, e contra a separação dos poderes. Há evidente desvio de finalidade possível de análise imediata ex ofício [de ofício, sem pedido prévio]”, disse.

Uma hora depois de ler o decreto de graça, o presidente Jair Bolsonaro fez outra live, agora no YouTube, para ler os documentos que usou para justificar a concessão da graça.

O presidente citou uma decisão do Supremo de 2019 que autorizou mudanças na concessão do indulto presidencial. Naquela ocasião, o tribunal decidiu que a concessão do indulto “deve ser entendido como juízo de conveniência e oportunidade do Presidente da República, que poderá, entre as hipóteses legais e moralmente admissíveis, escolher aquela que entender como a melhor”.

O caso julgado pelo tribunal foi um indulto concedido em dezembro de 2018 pelo então presidente Michel Temer. O decreto havia reduzido as exigências mínimas de cumprimento de pena para concessão do benefício e o STF, seguindo voto do ministro Alexandre de Moraes, chancelou o decreto.

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Na live no YouTube, Bolsonaro voltou a falar que a graça concedida ao deputado Daniel Silveira era uma medida de defesa da liberdade de expressão e que “a sociedade encontra-se em legítima comoção”.

“Mais importante do que o Daniel Silveira é o que isso traz em seu bojo para todos nós, 215 milhões de habitantes”, disse. “O decreto é constitucional e será cumprido.”

*Notícia atualizada às 19h10 do dia 21 de abril de 2022 para acrescentar a fala de um ministro do STF e a declaração do advogado Fernando Fernandes. E às 19h39 para acrescentar novas declarações do presidente Jair Bolsonaro.

Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.