Tamanho da ambição do governo vs execução nas entregas é o que preocupa, diz Neo

Em entrevista à Bloomberg Línea, Mario Schalch, sócio-fundador da Neo Investimentos, diz que incertezas relacionadas ao não cumprimento de metas monetárias e fiscais são o principal ponto de atenção no cenário

O Palácio do Planalto em Brasília
26 de Julho, 2024 | 05:26 AM

Bloomberg Línea — O aumento de “ruídos” relacionados às expectativas para as políticas monetária e fiscal, bem como metas consideradas ambiciosas do governo federal para equilibrar as contas públicas, estão entre os principais ventos contrários que têm impedido o avanço da bolsa brasileira.

Mas as oportunidades são grandes para investimento, principalmente sob a métrica de valuation, que indica que muitos papéis estão baratos. A avaliação é de Mario Schalch, sócio-fundador e gestor de multimercado da Neo Investimentos, que tem cerca de R$ 6,5 bilhões em ativos sob gestão e é uma das mais longevas assets do mercado brasileiro, com 21 anos de existência.

“O que me tira o sono hoje é o tamanho da ambição que foi colocada pelo governo em relação às entregas, tanto na parte de política monetária, meta de inflação e objetivos na parte fiscal, confrontado com a dificuldade que terão para executar isso ao longo do tempo”, afirmou Schalch em entrevista à Bloomberg Línea.

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Segundo ele, embora sejam ambições “adequadas”, a execução delas tende a ser “problemática”.

“A probabilidade de atingir as metas é muito limitada, e não sei o que vai ser feito à medida que a realidade mostrar que, da forma como as coisas estão sendo executadas, o atingimento é muito difícil”, completou.

No início da semana, os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) apontaram a necessidade de contenção de R$ 15 bilhões em verbas para levar a projeção de déficit primário do governo central em 2024 a R$ 28,8 bilhões, no limite inferior da margem de tolerância da meta de déficit zero.

Apesar de reação inicial positiva de investidores após o anúncio, houve economistas que argumentaram que o contingenciamento de gastos ficou “muito aquém” do necessário para zerar o déficit este ano.

Mario Schalch, sócio-fundador e gestor de multimercado da Neo Investimentos

Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro, por exemplo, disse à Bloomberg News que a medida é insuficiente para o ajuste fiscal em 2023 e que bloqueios adicionais devem acontecer nos próximos bimestres.

“Ruídos” à parte, contudo, e dado um menor custo de oportunidade, com esperada queda dos juros nos Estados Unidos, o fluxo de recursos tende a ser positivo para a bolsa doméstica, disse Schalch.

O Neo Multiestratégia, um dos multimercados mais longevos do mercado, acumulou retorno de 457,53% de 2007 até o fim de junho passado, acima dos 355,71% do CDI do período. Em janelas de 24 e 48 meses, tem entregado o CDI, algo que a maioria dos fundos não conseguiu diante das perdas em anos recentes.

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O experiente gestor comentou ainda sobre a mudança iminente no comando do Banco Central, oportunidades na bolsa brasileira, bem como sobre o cenário de juros e ações nos Estados Unidos. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista, editada para fins de maior clareza.

O que tira o seu sono hoje? Qual a sua maior preocupação no cenário econômico?

Em termos de cenário, o que me tira o sono é o tamanho da ambição que foi colocada pelo governo em relação às entregas, tanto na parte de política monetária, quanto na meta de inflação e nos objetivos na parte fiscal, confrontado com a dificuldade que eles vão ter para executar isso ao longo do tempo.

É uma ambição grande, adequada, mas exigente, com um desejo de execução limitado. Eu não tenho a visão de que o Brasil está na direção de uma piora estrutural. Acho que tem muito ruído, mas as metas colocadas são bastante ambiciosas e a execução disso vai ser problemática.

Nesse contexto, você espera uma revisão dessas metas?

Acho que a probabilidade de se atingir as metas é bastante limitada, e não sei o que vai ser feito à medida que a realidade mostrar que da forma como as coisas estão sendo executadas. O atingimento das metas é muito difícil.

Há no mercado preocupação com a troca no comando do BC na virada do ano. O quanto desse ruído é necessário?

É a primeira vez que temos uma mudança nesse formato de BC independente, então é natural que existam dúvidas. Mas elas acabam sendo maximizadas pelo tipo de declaração que o governo vem fazendo, no qual se critica muito o BC, sendo que ele atua em função de metas que foram estabelecidas previamente.

Acho que há muito ruído por trás disso, e o ruído é maior do que efetivamente a incerteza que isso traz. Se pensarmos que recentemente a meta de inflação de 3% foi referendada, e a maneira como ela tem que ser atingida também, então a parte estrutural está caminhando como deveria.

Mas o Brasil teve exemplos ruins no passado em relação a esse tipo de interferência e o presidente tem sido tão vocal com relação a isso que realmente gera ruído.

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Esse ruído e as preocupações fiscais têm contribuído para uma depreciação do real. Um dólar mais alto traz um risco inflacionário extra?

Sim, câmbio para cima traz um risco para a inflação. O próprio BC atualizou os seus modelos e, para cada 10% [de alta do] câmbio, falamos de aproximadamente 1% a mais de inflação em determinado período de tempo.

Portanto, sim, é uma preocupação de que isso venha bater na inflação. Se o câmbio se estabilizar nesse patamar mais alto, é de se esperar que venha a influenciar a inflação no futuro próximo.

Nos EUA, a incerteza é em relação ao início do corte de juros. Alguns membros do Fed reiteram que precisam de mais evidências para reduzir as taxas. Qual o cenário-base para os juros nos EUA?

Eu tenho uma visão mais generalista, porque acho que nem mesmo o Fed sabe quando vai cortar a taxa.

Se pensarmos apenas em termos de economia, de inflação e atividade, hoje eu tenho tranquilidade em relação ao cenário externo – e os EUA estão incluídos nisso. Isso porque os dados de atividade e emprego vêm mostrando uma dinâmica condizente com uma desaceleração da economia.

Tudo isso, somado a números de inflação que ao longo do tempo também vêm mostrando que estamos vivendo um processo de convergência para níveis mais baixos, acho que deixa a porta aberta para o Fed cortar juros.

Se vão ser um ou dois [cortes] esse ano, aí depende do nível de risco que eles vão querer tomar; realmente parece algo muito gradual.

Vocês realizaram alguma mudança recente na carteira dos multimercados?

Não, nenhuma mudança relevante. A expectativa de alta de juros no curto prazo nos atrapalha, assim como a precificação do mercado – que precifica hoje uma alta de juros importante no curto prazo. Mas muito o que estamos vendo é em função de ruído.

O ponto é: não é da característica do fundo se mexer muito em função desses movimentos de curto prazo.

O que enxergamos, de forma geral, são ativos baratos. Em termos de ações, é um senso comum que, pela métrica de valuation os papéis estão bastante baratos, porque o preço vem sofrendo, mas o resultado operacional das empresas, não – eles têm vindo em linha com o esperado, e melhor do que foi em 2022-2023 na sua grande maioria.

Diferentemente do que alguns gestores como eu viveram no passado – em que o câmbio subia, [o país] tinha dívida dolarizada e isso fazia com que [o banco central] tivesse que dar um choque de juros para atrair capital –, a realidade é completamente diferente hoje.

O câmbio está depreciado, mas não temos problema de balanço de pagamentos nem de conta corrente, então é puro ruído, em função de incerteza. Temos uma taxa de juros que traz um carregamento importante para o real.

Vemos as ações com um desempenho operacional bom das empresas, e os preços caindo – com valuation cada vez mais atrativo – , e um mercado de juros com nível de taxa de juro real de aproximadamente 6,5% na curva como um todo.

É um momento em que não é trivial buscar uma proteção ou algo do tipo, porque um hedge está bem caro – e o investidor pode perder muito dinheiro com essa estratégia.

Em Wall Street, os índices estão em níveis recorde. O que impede a bolsa brasileira de acompanhar?

O S&P 500 e o Nasdaq estão em patamares recorde, mas não à toa o que está fazendo andar bastante é a parte ligada à tecnologia. Se olharmos índices que são menos acompanhados, como o Russell 2000 [de small caps], ele está de lado no ano [nota da redação: a entrevista aconteceu antes do recente movimento de alta do índice diante de mudança nas expectativas de corte de juros nos EUA]. O que vemos no mercado acionário americano tem muito a ver com o setor de tech, que, como não temos isso aqui, não nos beneficia.

E o que não está fazendo a bolsa [brasileira] andar é uma combinação de um pouco de tudo isso.

Tem o custo de oportunidade alto, existem ruídos, incertezas, um fluxo grande de saída dos investidores de bolsa – sejam fundos de ações, multimercados, que vêm sofrendo resgates já há algum tempo e, normalmente, têm posições em bolsa –, então tem um fluxo de saída dos papéis que, na nossa visão, é relativamente constante. Então isso não deixa os papéis subirem, falta compra.

Quais seriam os principais motores para a bolsa brasileira?

Quanto menor o custo de oportunidade, mais as pessoas vão olhar para a bolsa. Na nossa visão, com o nível de valuation atual, se passarmos a ter um fluxo de compra na bolsa em vez de um fluxo maior de venda, isso significa potencial para várias ações subirem muito.

A indústria de multimercados tem sofrido nos últimos anos, com a Selic elevada e a concorrência com ativos mais conservadores com bons retornos. Como vê o cenário para esses fundos ?

Acho que depende de a indústria como um todo performar melhor; a performance não é boa em janelas recentes.

Eu não vejo tanta ligação com a taxa de juros, mas obviamente influencia. É um ativo mais ligado a risco, então com taxas altas e o mix de incerteza que existe hoje no Brasil, é compreensível que o investidor, principalmente aquele com menos apetite ao risco, não queira correr risco nenhum.

Por isso, uma diminuição das incertezas e janelas de performance melhores são condições - não sei se suficientes, mas necessárias - para que o fluxo de saída da indústria de multimercados cesse.

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.