Dotz entra em nova fase na disputa para engajar o cliente e promove sucessão do CEO

Após desenvolver as verticais de techfin e super app e voltar ao Ebitda positivo, empresa busca acelerar a monetização dos clientes, conta Roberto Chade à Bloomberg Línea; Otávio Araujo assume o comando

Roberto Chade (à esq.), fundador e acionista controlador da Dotz, e o novo CEO da empresa, Otavio Araujo, que era o presidente de Operações (Foto: Divulgação)
02 de Maio, 2024 | 09:17 AM

Bloomberg Línea — Há cerca de três anos, a Dotz protagonizou um dos últimos IPOs da onda de dezenas de empresas que abriram a capital na bolsa brasileira entre 2020 e 2021.

A tese apresentada no prospecto da oferta restrita a investidores profissionais trazia termos que se tornaram ainda mais presentes em modelos de negócios e no racional de estratégias de empresas de serviços e consumo nos últimos anos, como ecossistema, engajamento do cliente e recorrência de uso - e que, ainda que sem esses nomes, estavam nas raízes da fundação da empresa em 2000.

Desde o IPO e sempre sob o comando do seu fundador, Roberto Chade, a empresa que opera uma plataforma de benefícios investiu para desenvolver suas verticais, de techfin e super app a loyalty. A Dotz (DOTZ3) entra agora em uma nova fase de crescimento acelerando o cross sell, o que coincide, não por acaso, com a sucessão na liderança para Otávio Araujo, então presidente de Operações.

Chade segue com assento no conselho e como acionista controlador, junto com a família, com cerca de 70% do capital (veja mais abaixo sobre a sucessão).

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O encerramento do ciclo anterior no fim de 2023 se deu com o amadurecimento de “peças” fundamentais do ecossistema que permitem a entrega da proposta de valor ao consumidor de forma mais consistente, segundo Chade. E coincidiu com a volta do Ebitda positivo - a geração de caixa operacional - no quarto trimestre após dois anos de investimentos maiores voltados para esse desenvolvimento.

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O objetivo agora é acelerar a venda cruzada para ganhar escala e monetizar a base que já conta com cerca de 50 milhões de clientes, entre ativos e os que têm potencial de se tornarem.

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“Uma coisa é monetizar no ‘mar aberto’, em que a conversão é menor; outra dentro de uma jornada em que o cliente tem potencial de engajamento maior. E e aí que entra o Dotz Parcela”, disse Chade em entrevista à Bloomberg Línea sobre o novo momento da empresa e a sua sucessão.

A referência específica é ao produto novo da vertical de serviços financeiros, no modelo BNPL (Buy Now, Pay Later), de pagamento parcelado para compras no ecossistema da Dotz.

Consolidação à vista

Na avaliação do empresário e executivo, o mercado evoluiu para um ponto em que a competição deixou de acontecer dentro das diferentes verticais - bancos digitais, loyalty, wallets, marketplaces etc. - e se tornou uma disputa mais ampla e transversal pelo aumento do engajamento do cliente.

De um lado estão os grandes bancos, ainda não engajados nessa competição mais ampla; de outro, players digitais que se descolaram dos demais em escala e alcance, que seriam Nubank (NU) e Mercado Livre (MELI). E então os demais competidores que apresentam um ou mais ativos para se diferenciar.

“Com certeza vai haver algum tipo de consolidação”, disse Chade.

Segundo ele, independentemente de como isso ocorrer, a Dotz tem alguns ativos que nenhum outro player desse mercado possui.

“Muitos oferecem serviços financeiros, e outros, o loyalty, mas ninguém os dois juntos como fazemos. Todo mundo fala em dados, mas só nós criamos uma máquina de dados de SKUs. Todos falam de ativação do cliente, mas só nós criamos uma moeda para gerar recorrência”, disse o empresário.

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Em sua visão, dada a evolução do mercado, essa consolidação deve começar em algum momento em breve.

No modelo da Dotz há três pilares: o primeiro é o do loyalty (fidelidade), que é por onde em geral o cliente entra, o que gera dados e no qual a jornada acontece - e, neste ponto, do segundo pilar, houve avanço nos últimos anos no desenvolvimento do modelo “phygital”, que combina a experiência física da compra em loja com a interação e a decisão de consumo que passam com frequência pelo digital.

“Avançamos muito com a ajuda da Ant em visão e execução”, disse Chade sobre a AntFinancial, a fintech do grupo Alibaba, sócia de longa data com cerca de 5% do capital e um assento no conselho - a gigante chinesa foi uma das investidoras que ancoraram o IPO, junto com VELT Partners, Farallon Capital, SoftBank e Fourth Sail Capital, e todos seguem como acionistas.

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O terceiro pilar é o que ele define como techfin, “e não fintech, porque não assumimos risco de crédito”. O desenvolvimento de novos produtos ganhou tração a partir da compra da fintech NoVerde em 2022. O produto que tem melhor fit com a jornada integrada é justamente o Dotz Parcela, lançado em janeiro.

“Os dados mostram que esse consumidor que faz a compra dentro da jornada ‘phygital’, usando o Dotz Parcela, tem um tíquete médio de 40% a 50% maior”, disse o executivo. “É um cliente de classe média que tem cartão de crédito, mas com limite, e esse produto faz sentido para ele.”

Outros dados da jornada mostram o aumento da receita média gerada por cliente ao longo de diferentes “safras”(cohorts), conforme avançam o grau de relacionamento com o ecossistema.

O ex-CEO e agora conselheiro da Dotz faz a ressalva de que a conta digital e os serviços financeiros relacionados nunca foram enxergados como um fim em si mesmo, a exemplo do adotado por certas fintechs, mas como um meio de “aumentar o nível de engajamento do cliente”.

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A Dotz monetiza a operação com um take rate e um percentual do que é gerado para o FIDC que serve como funding para os serviços de crédito, além do engajamento em si de clientes e dos parceiros. “No fim, somos um grande canal de distribuição que tem uma plataforma de engajamento.”

A chegada à nova fase, que foi classificada como um “ponto de inflexão” por analistas de equity research do BTG Pactual em relatório, não se deu, no entanto, sem percalços. Chade disse que a direção tomada pela empresa por ocasião do IPO foi 100% seguida, mas que em velocidade mais gradual.

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E contou que frentes de desenvolvimento tiveram que ser adiadas em razão de um ambiente desafiador que incluiu custo de capital mais elevado e os impactos da pandemia.

Processo de sucessão

O processo de sucessão vem do começo de 2023, ainda que tenha sido inicialmente pensado cinco anos antes, mas acabou postergado com a crise econômica causada pela pandemia.

“Nós estávamos esperando concluir a etapa do IPO para que a empresa estivesse pronta para um novo salto de crescimento, com o Ebitda positivo”, disse Chade. “A estratégia está dada e temos agora a missão de executá-la para alcançar os resultados.

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Araujo é sócio e está há catorze anos na Dotz, inicialmente como diretor financeiro e depois à frente de áreas como tecnologia e vendas. Há pouco mais de um ano assumiu o cargo de operações.

Segundo Chade, o objetivo é de fato se afastar do dia-a-dia da operação para “enxergar a companhia de cima”, depois de 24 anos na liderança.

A companhia nasceu em 2000 fundada por Roberto e seu irmão Alexandre, hoje na presidência do conselho, na garagem da casa de seus pais na zona sul de São Paulo.

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Na época, o objetivo era disruptar - um termo então pouco utilizado - o mercado de programas de fidelidade, então concentrados em companhias aéreas e no público de alta renda.

O conceito: entender o comportamento do cliente e alavancá-lo por meio de algum mecanismo, como uma moeda, que veio a se tornar a Dotz, justamente o nome da empresa. Ela se tornou literalmente moeda de troca em dezenas de estabelecimentos parceiros, com o racional de ampliar a renda do consumidor.

Na jornada ao longo de duas décadas, construiu um dos maiores ecossistemas do país, que incluiu marcas como Banco do Brasil, Vivo, Caixa, C6 Bank, Magazine Luiza, Renner, Carrefour, Nestlé e Coca-Cola.

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“Eu deixo de executar para atuar em três frentes: direcionar, apoiar e monitorar. A Dotz ainda é um investimento muito relevante para mim e vejo um potencial grande para destravar valor”, disse.

A empresa, que estreou com market cap de R$ 1,75 bilhão, hoje vale cerca de R$ 100 milhões na bolsa, em outro caso de tech brasileira que sofreu os efeitos da combinação do tempo que levou para entregar resultados e do aumento das taxas de juros no Brasil e no mundo.

No último mês, as ações acumulam alta de quase 40%, mas ainda estão mais de 90% abaixo do pico.

Ele disse que os riscos estão associados à execução e à velocidade com que vão alcançar os resultados, o que envolve da evolução dos produtos da empresa a questões de competição, dado que há concorrentes em cada uma das verticais que compõem o seu modelo.

Chade, por sua vez, disse que também vai se dedicar mais ao Instituto Superação, que criou há uma década com o objetivo de desenvolver valores socioemocionais em jovens de escolas públicas por meio do esporte. A entidade conta com gestão profissional e o empresário é o presidente do conselho e o mantenedor.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.