El Niño mais forte é novo risco ao agro brasileiro e ao crescimento da economia

Alterações no clima provocadas pelo fenômeno climático têm prejudicado a colheita e o plantio de arroz, soja, trigo, leguminosas e frutas, com pressão sobre os preços de alimentos

Plantação de soja
Por Barbara Nascimento - Dayanne Sousa e Maria Eloisa Capurro
18 de Janeiro, 2024 | 12:02 PM

Bloomberg — O Brasil enfrenta uma ameaça vinda do clima que tem complicado os esforços de combate à inflação e de impulso à economia.

As preocupações com os efeitos do El Niño para a agricultura, responsável por um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) do país, têm causado revisões nas estimativas para a atividade em 2024, um ano depois de uma safra robusta ter impulsionado um crescimento mais forte do que o esperado.

O impacto nos preços dos alimentos também são uma preocupação para os economistas, cautelosos com o que uma aceleração representaria para o ciclo de corte de juros do Banco Central.

A combinação de uma economia em desaceleração e aumento dos custos dos alimentos acarretaria riscos políticos para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que terminou 2023 declarando ter cumprido as promessas de campanha de preços mais baixos para os brasileiros.

PUBLICIDADE

“O El Niño está pior que o esperado”, disse Adriano Valladão, economista do Santander Brasil (SANB11). “Esperamos números piores para a inflação de janeiro por conta do El Niño, impactando os produtos mais voláteis de alimentação.”

Dados globais sugerem que, até o momento, é improvável que o fenômeno climático tenha a mesma gravidade do evento que atingiu a Ásia, a Austrália e as Américas entre 2014 e 2016. Mas o aquecimento das águas no leste do Oceano Pacífico já teve um impacto na economia global, contribuindo para problemas da Índia até a África e provocando o aumento dos preços do arroz, do café e de outros produtos.

Agora, sinais de alerta começam a aparecer no Brasil. A inflação medida pelo IPCA acelerou mais do que o esperado em dezembro, segundo dados do IBGE divulgados no dia 11 deste mês, impulsionada pelo aumento dos custos de alimentos e bebidas.

PUBLICIDADE

Itens básicos como batata, feijão, arroz e frutas ficaram mais caros em meio a altas temperaturas e fortes chuvas.

O custo da alimentação em casa – onde os efeitos são mais pronunciados – aumentou 1,34%, muito mais rapidamente do que o aumento de 0,75% do mês anterior.

Inflação mais elevadadfd

Se o El Niño se mostrar tão severo quanto da última vez, isso poderia adicionar 0,8 ponto percentual à inflação acumulada para 2023 e 2024, de acordo com pesquisa com economistas feita pelo Banco Central antes do Copom de dezembro.

O fenômeno climático fez com que o BC aumentasse as suas estimativas de inflação, disse Diogo Guillen, diretor de política econômica da autoridade monetária, durante um evento virtual organizado pelo JPMorgan no último dia 10. Mas “não é algo que muda tudo”, adicionou.

Preços para cima, previsões para baixo

Na América do Sul, Peru e Colômbia são os que enfrentam os maiores riscos vindos do El Niño, por potenciais impactos nas hidrelétricas, na agricultura e na pesca, disse William Jackson, economista-chefe para mercados emergentes da Capital Economics.

A Argentina, por outro lado, poderá se beneficiar do fenômeno com alívio nos efeitos das secas recordes que devastaram a economia local.

“Em termos de riscos, o Brasil está em algum lugar no meio”, disse Jackson.

PUBLICIDADE
El Niño afeta a produtividade agrícola brasileiradfd

O El Niño impulsionou a agricultura em algumas partes do Brasil. Mas causou fortes chuvas e secas em outras regiões importantes, com impacto em colheitas que são vitais para a economia do país.

Tempestades extremas no sul do país causaram inundações que atrasaram o plantio deste ano no Rio Grande do Sul, o principal estado produtor de arroz do país.

Como resultado, os preços do arroz dispararam e os custos para o consumidor saltaram quase 6% só em dezembro, segundo o IBGE.

“O custo da colheita deste ano aumentou significativamente devido aos desafios climáticos”, disse Alexandre Velho, agricultor e presidente da Federarroz.

PUBLICIDADE

Os preços de tubérculos e leguminosas, como batata, também subiram 8,1% no mês passado, em função das fracas colheitas na região Sul. Apenas o custo da batata aumentou 19% em dezembro.

A produção deverá ficar mais cara nos próximos meses, disse Margarete Boteon, professora de economia da Universidade de São Paulo.

O tempo chuvoso também prejudicou as colheitas de trigo e deverá resultar num aumento dos preços da farinha, de acordo com a Abitrigo.

Enquanto isso, os regiões agrícolas do norte e centro do Brasil receberam menos chuva do que o esperado, já que os efeitos do El Niño se combinaram com interrupções no fluxo normal das monções (ventos que mudam de direção e alteram as chuvas), segundo o presidente da World Weather, Drew Lerner.

PUBLICIDADE

Algumas partes do país ainda enfrentavam escassez de precipitação no início de janeiro, quando tipicamente as chuvas são generalizadas.

Isso prejudicou as previsões para a soja, o principal produto agrícola de exportação do Brasil. Os produtores de Mato Grosso, maior reduto da soja, relataram a necessidade de replantar 4% da área, resultando em custos mais elevados, segundo o instituto de economia rural do estado.

PUBLICIDADE

Como resultado, não se espera que os preços das oleaginosas aumentem, mas muitos agricultores acreditam que enfrentarão perdas financeiras, disse o analista da XP Leonardo Alencar. Empresas como a SLC Agrícola (SLCE3), inclusive, já revisaram estimativa de área plantada para baixo em razão do El Niño.

Embora os meteorologistas considerem que o impacto na América do Sul começa a enfraquecer, as consequências econômicas ainda estão por vir.

As safras interrompidas e os problemas na produção fizeram com que o Itaú (ITUB4) revisasse sua previsão de PIB agrícola de 2024 para 0,7%, bem abaixo da estimativa anterior de 2,5%.

PUBLICIDADE

“Em um cenário extremo”, disse Natalia Cotarelli, economista do Itaú, “poderíamos ter um PIB agro negativo esse ano”.

Mesmo que o El Niño continue relativamente ameno, não se espera que o setor agrícola cresça em 2024, segundo Felippe Serigati, pesquisador do centro de estudos do agronegócio da Fundação Getulio Vargas.

Riscos crescentes

Até o momento, os efeitos têm sido relativamente moderados sobre a América Latina, disse Jackson, da Capital Economics.

PUBLICIDADE

Embora o fenômeno tenha feito com que o banco central da Colômbia permanecesse cauteloso durante meses, à medida que os seus principais pares sul-americanos cortavam as taxas de juros, a autoridade monetária conseguiu realizar o primeiro corte nas taxas em três anos em dezembro.

Na Ásia, pelo contrário, o aumento da inflação forçou muitas autoridades monetárias a adiar os ciclos de flexibilização que tinham planeado lançar no segundo semestre de 2023.

Ainda assim, o El Niño enfatiza o risco crescente de condições meteorológicas extremas para os países cujas economias dependem da agricultura, especialmente com grandes eventos climáticos - como inundações e secas inesperadas - mais frequentes.

PUBLICIDADE

Isso provavelmente tornará o clima um fator ainda mais importante para a inflação e o desempenho econômico.

“Os riscos de longo prazo decorrentes do clima deverão fazer com que fenômenos climáticos severos se tornem mais frequentes e provavelmente isso vai levar a uma inflação mais elevada e mais volátil”, disse Jackson.

-- Com a colaboração de Clarice Couto, Oscar Medina, Jonathan Gilbert e Andrea Jaramillo.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Preço do café é pressionado por queda das exportações do Vietnã e aumento de estoques

Preço do gado volta a subir na Austrália com a recuperação dos pastos após chuvas