Crise de abastecimento de cacau se transforma em oportunidade para o oeste da Bahia

Produtores da região voltaram a plantar mudas de cacau na esperança de reconquistar o mercado global; clima favorável e sistemas eficientes de irrigação podem elevar o Brasil ao terceiro lugar na produção mundial

Cacau na Bahia
Por Dayanne Sousa
16 de Maio, 2024 | 11:14 AM

Bloomberg — Com a queda na produção de cacau da África Ocidental devido ao mau tempo, envelhecimento das árvores e pragas, os produtores rurais do oeste da Bahia viram uma oportunidade.

A região quente e seca, famosa pelas famílias que construíram fortunas exportando algodão e soja, agora cultivam cacau pela primeira vez. Os pés ainda são jovens, e falta pelo menos um ano para a maioria produzir frutos, mas o potencial de ganhos é grande. Isso tem atraído produtores independentes e gigantes do agronegócio.

A Cargill fez parceria com a Schmidt Agrícola para plantar 400 hectares de cacau a uma hora da cidade de Barreiras. A chocolateria suíça Barry Callebaut planeja uma parceria de alta tecnologia para desenvolver cerca de 5.000 hectares de plantações de cacau no estado.

Famílias que já cultivam frutas ou commodities na região também estão acrescentando fileiras de cacaueiros, na esperança de reconquistar um mercado global em que produtores do sul do estado, nos arredores de Ilhéus e Itabuna, já tiveram um peso enorme.

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Se a produção no oeste da Bahia decolar, o Brasil poderá quase duplicar a safra de cacau para cerca de 400.000 toneladas até 2030, segundo a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC).

Isso colocaria o país perto do terceiro lugar no mundo em produção, atualmente ocupado pelo Equador. E alguns dizem que a previsão é conservadora demais. Moisés Schmidt, um dos irmãos por trás da Schmidt Agrícola, aposta que a safra poderá chegar a 1,8 milhão de toneladas por ano nos próximos 10 anos se os produtores continuarem a plantar em novas áreas, além das regiões cacaueiras mais tradicionais no país.

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“O Brasil já é o maior fornecedor mundial” de uma grande variedade de commodities, desde soja a suco de laranja, disse Schmidt, quando um grupo de mais de 1.000 proprietários de terras, acadêmicos e autoridades locais visitava suas terras em abril para ver as mudas. “Onde vamos ficar em relação ao cacau?”

O Brasil já esteve entre os maiores produtores mundiais do principal ingrediente do chocolate, antes de muitos cacaueiros do país adoecerem devido a um surto de vassoura de bruxa no final da década de 1980. Costa do Marfim e Gana representam hoje mais de metade da produção mundial.

Essa concentração em apenas dois países torna o abastecimento mundial mais vulnerável a riscos como mau tempo e pragas, que só se intensificam com oscilações climáticas mais extremas.

Um recente déficit de produção na África Ocidental fez com que os preços globais mais do que duplicassem este ano, elevando os preços do chocolate para o consumidor e até forçando o fechamento de algumas fábricas por conta da pressão de custos.

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Os primeiros agricultores a plantar cacau no oeste da Bahia começaram antes do último salto dos preços; agora, as fazendas vizinhas também estão interessadas. Os produtores da Bahia são em geral mais bem financiados e maiores do que os da África Ocidental, o que significa que podem obter economia de escala.

Os agricultores brasileiros também podem vender a preços de mercado, sem a interferência do governo que ocorre na Costa do Marfim e em Gana. E como as sementes não são perecíveis, os vendedores podem esperar o momento certo para fechar negócio.

Com sol o ano todo, irrigação e acesso a fertilizantes, a safra de cacau do estado pode ser acelerada, com algumas árvores dando frutos em três anos, em vez dos tradicionais cinco.

Embora um agricultor tenha descrito o clima como algo “entre o quente e o infernal”, os sistemas de irrigação da região permitem manter as plantações hidratadas mesmo nos dias mais quentes.

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“O cacau é contagioso – todos que entram, ficam”, disse Tal Bar-Dor, diretor de operações de uma fazenda na cidade de Barra. Bar-Dor, que trabalhou como engenheiro civil em Israel e na Nigéria antes de se dedicar à agricultura, acrescentou cacaueiros à fazenda de coco que administra em 2023. Ele planeja aumentar as plantações para cerca de 1.000 hectares nos próximos quatro anos, ante apenas 45 hectares atualmente.

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Os produtores de outras partes da América Latina também estão de olho no boom do cacau. Na Colômbia, o maior processador de alimentos do país, o Grupo Nutresa, investiu em um viveiro para cultivar 10 milhões de pés de cacau nos próximos cinco anos. No Equador, já um grande produtor, os agricultores ampliaram o plantio e adicionaram mais tecnologia para aumentar a produção em mais de 50% em quatro anos, rumo a 700.000 toneladas, de acordo com Ivan Ontaneda, presidente da associação de exportadores de cacau do país, a Anecacao.

“Os preços mais elevados estão definitivamente motivando os agricultores a investir”, disse ele. “A situação atual da África Ocidental é uma oportunidade para a América Latina”.

No oeste da Bahia, a fazendeira Claudia Sá se emocionou ao ver os jovens pomares de Schmidt. Décadas atrás, ela viu muitos cacaueiros de sua família no sul da Bahia sucumbirem ao fungo vassoura de bruxa; ela se lembra de ver seu pai procurando freneticamente pelos poucos pés não contaminados. Embora a praga não tenha sido erradicada, muitas fazendas aprenderam como lidar com ela e os cientistas encontraram mudas mais resistentes ao fungo.

“Estivemos muito perto de tirar o país do mapa do cacau”, disse ela durante uma visita à nova região cacaueira, a cerca de 1.000 quilômetros das suas terras. Agora, “não tem mais limites”.

--Com a colaboração de Ilena Peng.

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