Se tivesse que escolher uma reforma, seria a tributária, diz José Scheinkman

Em entrevista à Bloomberg Línea, professor da Universidade de Columbia, em Nova York, se diz preocupado com o que avalia como tomada de poder pelo Congresso

O economista brasileiro, professor na Universidade de Columbia, em Nova York, em seu escritório
10 de Novembro, 2022 | 04:21 AM

Nova York — A reforma tributária deveria ser prioridade do novo governo, dado que o sistema brasileiro atual de cobrança de impostos impede o crescimento do país. A avaliação é de José Alexandre Scheinkman, professor de Economia da Universidade de Columbia, em Nova York.

Scheinkman, respeitado como um dos maiores economistas do país e do mundo, defende o fim das regras que permitem que pessoas físicas possam declarar como pessoa jurídica, com alíquotas mais baixas apesar da renda mais elevada em muitos casos. Segundo ele, isso impede a progressividade do Imposto de Renda, em que as pessoas pagam mais conforme o aumento da renda. Outra crítica recai sobre o sistema de tributação do consumo, que também deveria ser revisto, defende.

“No mundo inteiro você tem um sistema muito simples: a empresa olha quanto comprou, quanto faturou e paga imposto sobre a diferença; a alíquota é a mesma para todo mundo. Mas, no Brasil, não”, disse Scheinkman em entrevista à Bloomberg Línea em seu escritório em Nova York.

Ele destacou a diferença de tributação entre os setores industrial e de serviços, com uma linha cada vez mais tênue entre eles. “Quando eu era mais novo, comprava um CD, que era um produto industrial. Hoje, você escuta música em um serviço de streaming que ninguém sabe de qual setor é.”

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Entre livros de economia e do mercado de capitais, posters dos filmes “De Volta para o Futuro”, o preferido do filho quando criança, além do de “Paris, Texas”, do cineasta alemão WiM Wenders, de 1984, decoram a sala do economista, pesquisador e também membro do conselho da Cosan (CSAN3).

Durante a conversa, Scheinkman, 74, comentou sobre o movimento de aperto monetário no mundo, os desafios econômicos no Brasil e sobre a sua área mais recente de pesquisa: finanças climáticas, desmatamento na Amazônia e sobre como o Brasil poderia se beneficiar se adotasse novas práticas.

“Estou trabalhando junto com um grande amigo e frequente co-autor Lars Peter Hansen, que já ganhou o prêmio Nobel [de Economia em 2013]. Estamos tentando entender o quanto da Amazônia deveria ser reflorestada. E a resposta curta é: quase toda”, disse Scheinkman, com frequência apontado em listas independentes dos Estados Unidos como potencial candidato a Nobel.

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O professor de Columbia e professor emérito da Universidade Princeton também se disse orgulhoso de alunos que teve, como o Nobel de Economia Paul Romer, o professor de Economia da Universidade de Nova York Alberto Bisin e Albert “Pete” Kyle, um dos criadores da chamada microestrutura do mercado financeiro.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista, feita em Nova York.

Bloomberg Línea: Quais os principais desafios econômicos que o Brasil não consegue superar?

José Alexandre Scheinkman: Muitos, infelizmente. O que me preocupa, além da questão ambiental, é algo que tem acontecido nos últimos 20 anos e que foi acelerado recentemente: uma espécie de tomada do poder pelo fisiologismo no Congresso e, agora, uma tomada de poder do Congresso em relação ao Executivo.

Em muitos sistemas parlamentaristas o Orçamento é completamente controlado pela Câmara. Mas há uma diferença em ter isso e ter membros individuais do Parlamento, no caso, decidindo como vão gastar o dinheiro individualmente e sem nenhum controle; nós nem sabemos como o dinheiro foi gasto.

E o próximo Congresso vai ser pior do que o atual. Esses grupos que estão no poder, os partidos que estão lá puramente por fisiologismo e para obter poder diretamente nos controles do sub Orçamento, ficaram maiores.

Temos que conseguir voltar para o Executivo a capacidade de gerir o Orçamento. Se pegar tudo o que não é despesa obrigatória, o cálculo que está entre emendas do relator, emendas de bancada, emenda de não-sei-o-quê, soma um terço. Se cortar um terço – que é pouco, considerando o enorme gasto obrigatório no Brasil –, já ajuda. Isso é uma questão crucial para qualquer presidente.

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O que mais preocupa hoje?

Temos também os velhos problemas do Brasil. Outro que acho muito sério é relacionado ao setor público, que tem um papel muito importante em todos os países do mundo. No caso brasileiro, existem bons programas, mas há outros ruins e, na média, o setor gasta muito mal o dinheiro.

Eu não conheço um país com nível de renda per capita igual ao do Brasil que tenha uma situação sanitária tão ruim quanto a nossa. Menos da metade das moradias do país está ligada às redes de esgoto.

Em países como a Colômbia, que são mais pobres, inclusive, que o Brasil, a cobertura é de cerca de 80%. Em um país como o Chile, que é um pouco mais rico do que o Brasil, é verdade, eles estão nos altos 90%. Não é que o setor público no Brasil não tenha dinheiro para fazer isso, até porque ele coleta uma parcela per capita do PIB maior que a da Colômbia.

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Na educação, o Brasil felizmente aumentou os gastos no setor, mas a qualidade do ensino, quando você olha como o Brasil está performando em relação a outros países que gastam muito menos em aluno per capita, é uma vergonha.

E não é que a gente não saiba fazer isso. As escolas do Ceará são muito melhores do que as do resto do país, considerando quanto é gasto nessas escolas e a renda das pessoas que estão nelas. Mas, no Brasil, as experiências positivas não são copiadas.

O setor público precisa ser revisto. A tal da reforma administrativa talvez faça um pouco disso, mas, de novo, nós precisamos ser mais eficientes. Não podemos ter um sistema em que um programa público é criado e seu sucesso não é medido por quanto dinheiro ele gasta.

Qual seria a reforma mais importante hoje para o Brasil?

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Se fosse para escolher uma, iria com a tributária, porque temos um sistema tributário com o qual não dá para crescer.

Primeiro, tem a questão do Imposto de Renda. A primeira coisa que tínhamos que atacar é algo que existe aqui nos Estados Unidos, que é o seguinte: não existe esse negócio de empresa para uma pessoa física ou para poucas pessoas físicas (PF) receberem o seu dinheiro e pagarem um percentual muito mais baixo [de imposto] do que na pessoa jurídica (PJ). Se eu abrisse uma José Scheinkman Consultoria, por exemplo, o lucro líquido da empresa iria para a minha pessoa física.

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No Brasil, tem essa diferença de pagamento entre a PF e a PJ quando a empresa é completamente controlada por pessoas físicas. Mudar isso já resolveria muitas das questões que envolvem a falta de uma real progressão do Imposto de Renda. Uma alternativa seria pegar todas as empresas e colocar tudo isso no guarda-chuva de pessoa física, cobrando imposto na progressividade da PF.

A segunda coisa que também é muito importante é o nosso sistema de tributação de consumo, que é o mais maluco do mundo. Uma barra de chocolate, por exemplo, será taxada de um jeito se tiver cereal, e de outro se não tiver.

No mundo inteiro você tem um sistema muito simples: a empresa olha quanto ela comprou, quanto faturou, e paga imposto sobre a diferença – mesma alíquota para todo mundo. Mas, no Brasil não, tem essa ideia de que não pode cobrar do setor de serviços o que se cobra da indústria, então temos um imposto completamente diferente para esses setores.

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O problema é que hoje ninguém sabe o que é serviço e o que é indústria. Quando eu era mais novo, comprava um CD, que era um produto industrial. Hoje, você escuta música em um serviço de streaming que ninguém sabe de qual setor é.

Em entrevista em janeiro, o senhor comentou que havia um excesso de liquidez nos mercados e que a dúvida era até quando os juros permaneceriam baixos. A conta agora chegou. Como vê o movimento de aperto monetário no mundo?

O Brasil teve uma inflação mais cedo do que o resto do mundo, mas também combatemos a inflação bastante rápido. Outros países tinham que olhar para 40 anos atrás - os Estados Unidos, por exemplo. Não acho que foi por isso que o Federal Reserve se atrasou. O Fed se atrasou por um erro de análise que é muito desculpável, porque não dá para saber o que vai acontecer – a maior parte daquilo [pressão dos preços] estava vindo do choque de oferta da pandemia.

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O Fed deveria ter agido antes?

Sim. Eu acho que eles reconhecem isso, mas o problema é que ao menos que você tenha uma máquina do tempo, não dá para voltar e resolver o problema. Não podemos exigir dos políticos ou das pessoas que estão fazendo política econômica a previsão perfeita do futuro.

Qual seria o impacto de uma recessão americana para o Brasil?

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Uma recessão seria ruim para o Brasil, pois levaria a uma queda nos preços das commodities. No curto prazo, a China segue com sua política de ‘zero covid’, reduzindo as construções e impactando os preços das commodities.

Já no longo prazo, o problema recai sobre o setor imobiliário, que teve uma bolha muito grande e hoje conta com excesso de capacidade. O país também não espera uma expansão imobiliária como a vista antes antes da pandemia de covid.

Se isso for verdade, deverá afetar o setor de construção, empresas como Vale (VALE3) e expostas às commodities.

A outra parte, de soft commodities, contudo, é menor perturbadora. Comer, todo mundo vai continuar comendo, então o preço da soja vai ser menos afetado, assim como o do milho e do açúcar.

O que o senhor tem pesquisado atualmente?

Agora estou muito interessado na Amazônia. Estou trabalhando junto com um grande amigo e frequente co-autor Lars Peter Hansen, que já ganhou o prêmio Nobel [de Economia em 2013]. Estamos tentando entender o quanto da Amazônia deveria ser reflorestada. E a resposta curta é: quase toda.

Nós não só desmatamos demais a Amazônia como uma parte está abandonada e a outra está dedicada principalmente à produção de gado de baixa produtividade. Então é algo que não nos traz nada e, ao contrário, nos custa, é uma ameaça para a agricultura do cerrado.

A Amazônia é uma região que é pobre, ela não cresce, mesmo para os padrões do Brasil, é underperform e é uma região que na verdade produz quase 50% das emissões de efeito estufa do país.

Além do desmatamento, há o impacto também da agropecuária?

Há as queimadas e muita destruição de terra e da floresta, principalmente, que continua e que acelerou muito nos últimos anos.

O Chile, por exemplo, está lançando um bônus do governo de 20 anos, no qual a taxa de juros que vai pagar vai depender da performance do país em diminuir as emissões de efeito estufa. E há um mercado para isso. Tem vários países, como o Uruguai, fazendo o mesmo.

No ano passado, na Europa, o preço médio por tonelada de carbono ficou em torno de US$ 50, na média. Neste ano, já houve meses em que chegou a US$ 100.

Se os europeus pegassem uma fração disso – e eles estão dispostos a fazer isso – e pagassem pela captura de emissões na Amazônia, obtida através de reflorestamento, e isso cessasse o desflorestamento, que também acontece naturalmente na Amazônia, seria muito mais lucrativo para o Brasil.

O Brasil está realmente jogando um recurso fora, machucando sua própria economia por uma ideia/ideologia que não é nova; os militares já tinham essa ideologia, mas hoje realmente está uma situação muito ruim.

Eu acho que o Brasil tem uma grande oportunidade no negócio do clima. O país poderia se transformar em uma grande potência verde, porque temos tudo para isso.

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.