O debate mudou, alerta banco suíço: é sobre recessão moderada ou severa

Samy Chaar, economista-chefe do Lombard Odier, diz à Bloomberg Línea que os próximos três meses serão fundamentais para evitar aperto mais agressivo do Fed

Sede do banco suíço Lombard Odier em Genebra: cerca de US$ 370 bilhões em ativos sob gestão no mundo, incluindo o Brasil
12 de Julho, 2022 | 07:08 AM

Bloomberg Línea — A inflação continua a ser o principal tema de conversas entre grandes investidores e a preocupar o mercado diante do aperto monetário ao redor do mundo. Mas, se antes a discussão era sobre a hipótese de um soft landing nos Estados Unidos, ou seja, da desaceleração da inflação sem contrair a economia, agora ganha força o argumento de que não será possível escapar de uma recessão.

Para Samy Chaar, economista-chefe do banco suíço Lombard Odier Group, o mercado já trabalha com o cenário de uma recessão moderada, embutindo essa perspectiva nos preços dos ativos. O nível elevado de incertezas, contudo, não impede uma piora desse cenário, o que pode levar a economia americana a uma contração mais severa, disse em entrevista à Bloomberg Línea.

“O debate mudou. Alguns meses atrás, falávamos em dois cenários: um soft landing ou uma recessão. Hoje, o debate é sobre uma recessão moderada ou uma contração severa da economia”, disse.

Com sede em Genebra, na Suíça, o Lombard Odier tem cerca de 360 bilhões de francos suíços (cerca de US$ 370 bilhões) em ativos sob gestão. A instituição financeira é especializada na gestão de patrimônio e de ativos e oferece serviços bancários privados e tecnologia para bancos.

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Chaar aponta que os próximos meses serão decisivos para a definição da magnitude do aperto monetário promovido pelo banco central americano, o que, por tabela, terá impactos sobre os preços dos ativos. “Os preços precisam cair nos próximos três meses para evitarmos o pior dos cenários. O Federal Reserve está aumentando os juros em uma velocidade bem rápida.”

Confira a seguir os principais destaques da entrevista, feita via videoconferência.

Como o senhor avalia o cenário de alta inflação e juros no mundo? Uma recessão faz parte do cenário básico do Lombard?

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É bem claro que estamos em um cenário no qual a inflação e as políticas agressivas de bancos centrais têm atuado como ventos contrários. Não consigo imaginar os mercados se comportando relativamente bem quando não se sabe quão alta será a taxa de juros.

Todo mundo espera que a inflação recue em algum momento. O grande desafio, contudo, é que os preços precisam cair nos próximos três meses para evitarmos o pior dos cenários. O Federal Reserve está aumentando os juros em uma velocidade bem rápida e tem ditado o rumo dos mercados financeiros. O Banco Central Europeu também deve subir as taxas.

A questão é que, mesmo se a inflação ceder nos próximos meses, pode ser tarde demais. Se não conseguirmos ver uma melhora nos dados até setembro, o Fed vai subir os juros novamente em 75 pontos base. E aí teremos praticamente um mês até o próximo encontro [em novembro] – o que significa que não haverá muitos relatórios no período. Com isso, mesmo se os dados mostrarem uma melhora na inflação em outubro, dificilmente o Fed vai querer basear sua decisão em um único dado.

Dito isso, teremos apenas duas, três divulgações para esperançosamente vermos uma melhora e o Fed poder fazer um ajuste de menor magnitude [de 25 ou 50 pontos base] em setembro.

Com uma melhora da inflação e da cadeia de suprimentos, o Fed deve elevar os juros para 3,5% - levando a uma recessão moderada. Mas, se não houver uma melhora em nenhuma das condições e o Fed subir os juros para 5%, teremos uma contração mais severa da economia.

Samy Chaar, economista-chefe do Lombard Odier: alocação de ativos leva em conta também o risco de uma contração severadfd

Então uma recessão é dada como certa?

O debate mudou. Alguns meses atrás, falávamos em dois cenários: um soft landing [pouso suave] ou uma recessão. Hoje, o debate é sobre uma recessão moderada ou uma contração severa da economia.

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Já vemos que não vamos conseguir evitar uma recessão moderada – que seria uma taxa de desemprego indo para 4,5% nos EUA, com taxa de default entre 4,5% e 5% –, que é o que está sendo precificado hoje pelos mercados. O problema é que, se o Fed subir os juros para 5%, teremos uma contração severa: a taxa de desemprego e a de default indo para 10%, o que ainda não está no preço dos ativos.

Esses são os dois cenários que vejo. O cenário básico é que vamos ver apenas uma recessão moderada, com o Fed amenizando o aperto em setembro e com os juros chegando a 3,5% no primeiro trimestre de 2023. Mas há riscos significativos de uma piora desse cenário.

Podemos ver novas quedas nos mercados?

Com certeza o mercado ainda não embutiu no preço uma contração mais severa. Se o Fed subir os juros para 5% e não conseguir conter a inflação, sim, podemos ver novos estragos. Esse não é o nosso cenário básico, mas ainda há muita incerteza. Por isso, precisamos ver o comportamento dos relatórios econômicos [vendas no varejo, consumo, inflação, relatório de emprego e de salários], que precisam ir na direção correta para evitarmos uma piora no cenário.

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É momento de manter uma alocação defensiva? Quais oportunidades vocês têm aproveitado após o forte selloff?

Acredito que seja hora de ficar relativamente cauteloso ou assimétrico. Ainda estamos posicionados no mercado, porque acreditamos que o Fed vai subir os juros para 3,5% – e não para 5%. Mas, por causa da grande incerteza, montamos algumas posições em derivativos, como put [uma “trava de baixa”] e put spread [também chamada de “trava de alta”], que nos permitem ficar posicionados, mas limitando a volatilidade.

Incluímos ativos que podem ter uma boa performance caso o Fed faça um aperto mais agressivo e tenhamos uma contração maior. É o caso de dólar, commodities e ativos de qualidade. E temos uma cesta de ativos que podem ter bom desempenho no caso de uma recessão moderada, que é a nossa expectativa, como ações de valor.

A principal oportunidade que vemos hoje e que não é 100% dependente desses dois cenários, contudo, são as ações chinesas, por três motivos:

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1) A China está reabrindo sua economia. Claro que podemos ter novos lockdowns, não tem como saber, mas agora é um bom momento, com a economia reaquecendo;

2) A autoridade monetária por lá está muito mais expansiva – o que é uma rara exceção. O planeta inteiro, incluindo o Brasil, está com uma política de aperto monetário em curso, enquanto a China está adicionando estímulos à economia;

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3) O desconto. As ações chinesas têm tido uma performance baixa desde o começo do ano, sendo negociadas a um desconto de 50% em relação às demais ações de países emergentes. Por isso, vendemos as ações de mercados emergentes e compramos papéis chineses.

Além de ações chinesas, quais as demais apostas hoje?

Para nós, a convicção hoje está mais em relação ao estilo do que em regiões e setores específicos. Nesse contexto em que não sabemos qual será o estrago do Fed, queremos comprar ativos de qualidade. O que isso significa? Empresas com fortes balanços, fluxos de caixa visíveis e, também, que tenham a habilidade de repassar o aumento dos preços para o consumidor.

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A segunda coisa que tentamos fazer neste ambiente é valorizar ações de valor em detrimento das de crescimento. Ainda temos pressões sobre os juros, de modo que ações ligadas ao setor de energia, por exemplo, são algo de que gostamos.

E a terceira é continuar investindo no tema de sustentabilidade. Queremos selecionar empresas que se saiam melhor em um ambiente de transição energética e de mudanças climáticas. Muitos dos nossos esforços estão sendo feitos de forma a encontrar boas empresas nesse grupo também.

Diante da grande incerteza, vocês têm incluído hedge (proteção) na carteira?

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Compramos commodities de forma direta, não via ações. É uma cesta ampla e a ideia é que, se houver outro choque na cadeia de suprimentos e continuarmos vendo tensões entre Rússia e Ucrânia, pelo menos teremos um hedge. E, se as commodities não performarem bem, teremos um desempenho melhor no restante do portfólio.

Essa é uma forma de construirmos um portfólio robusto em que temos ativos que são dedicados para caso de as coisas saírem erradas. A maior parte da alocação, contudo, está focada em nosso cenário principal, de uma recessão moderada. Mas não podemos ignorar o fato de que o nível de incerteza está muito alto.

Qual a sua avaliação sobre o mercado brasileiro?

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Não estamos totalmente otimistas com a Bolsa brasileira, mas com o real. Isso porque o Banco Central aumentou bastante as taxas de juros e vemos um bom carrego. O segundo motivo é que vemos o Brasil bem posicionado no ciclo de commodities; vemos o país como um dos ganhadores nesse choque das matérias-primas. Estamos neutros em ações brasileiras, mas comprados em títulos de renda fixa no Brasil em real.

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.