Quem está fazendo a Bolsa brasileira cair? Não são os investidores estrangeiros

Investidores institucionais, principalmente assets, começam a migrar para renda fixa; fundos de pensão se preparam para ajustes em carteiras

B3 registra saldo positivo de investimento estrangeiro, o que limita o movimento de correção negativa, enquanto investidores institucionais aceleram retirada de recursos da renda variável
24 de Agosto, 2021 | 09:40 AM

São Paulo — Um dos principais indicadores da saúde do mercado acionário do Brasil, o saldo de investimento estrangeiro, vai muito bem, obrigado. Nos vinte primeiros dias do mês, as compras de ações feitas pelo principal tipo de investidor da Bolsa ainda superam as vendas, um sinal de confiança na valorização futura dos papéis. O saldo está positivo em R$ 7,5 bilhões, de acordo com dados divulgados pela B3.

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Esse número é a diferença entre o total de compras (R$ 270,125 bilhões) e o de vendas (R$ 262,577 bilhões). O peso das transações dos estrangeiros no bolo total corresponde a 24,34% das compras e 23,66% das vendas no período entre os dias 1º e 20, segundo a operadora da bolsa brasileira. O levantamento tem uma defasagem de dois dias úteis.

Contexto

Agora, se os estrangeiros continuam comprando mais do que vendendo, o que explica o Ibovespa se distanciar de sua máxima histórica, de 130.776 pontos, cravada no último dia 7 de junho? Ontem, o principal índice do mercado acionário nacional fechou a 117.471 pontos, aproximando-se de sua mínima do ano, de 110.035 pontos, alcançada no dia 26 de fevereiro.

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A queda da Bolsa nas últimas semanas tem relação com a retirada de recursos de outro tipo de investidor, principalmente os institucionais, que são fundos de pensão, seguradoras e gestoras de recursos (assets). Nos 20 primeiros dias do mês, os investidores institucionais mais venderam do que compraram ações, resultado em um saldo negativo de R$ 9,5 bilhões.

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A participação dos institucionais nas vendas de papéis equivale a 13,59%, enquanto as compras representam 14,45% do total. É o segundo grupo de maior peso nas negociações da Bolsa, perdendo apenas para os estrangeiros.

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Esse movimento de saída de recursos por parte dos institucionais era esperado, à medida que as apostas em renda fixa, consideradas mais seguras, começam a ficar mais atrativas com o ciclo de elevação da taxa básica de juros (Selic), que está em 5,25% ao ano, acompanhando a disparada dos preços apurada pelos índices de inflação.

Agosto também melhorou o fluxo de negócios. A média diária mensal está em R$ 34,9 bilhões, acima da média diária anual (R$ 34,3 bilhões). Em número de transações, a melhora também se repete: média diária mensal de 4,2 milhões ante 3,9 milhões na média diária anual, de acordo com a B3. Esses dois indicadores refletem essa realocação de recursos nas carteiras, adaptando-se para o novo cenário macroeconômico (alta de juros, maior volatilidade, migração para renda fixa).

Assets e fundos de pensão

A redução de exposição à renda variável indica ser mais acelerada entre as gestoras de recursos do que entre os fundos de pensão. A Vivest, fundo de pensão das empresas paulistas de eletricidade principalmente, ainda avalia o cenário para eventuais ajustes de posição. O andamento das reformas estruturais, como a proposta de mudanças tributárias, no Congresso, é uma das variáveis mais monitoradas, pois tem potencial de aumentar ou diminuir o risco fiscal do Brasil.

Estamos no momento de transição de cenário, observando se os parâmetros que estimularam um certo otimismo permanecem ou se estamos indo para um outro cenário de maior dúvida sobre a dinâmica fiscal. Não temos certeza absoluta de que o conjunto de parâmetros está totalmente abandonado”, disse Jorge Simino, diretor de investimentos da Vivest, à Bloomberg Línea.

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Nas mesas de operações, o debate sobre os planos do governo federal de aumentar as despesas com a proximidade do ano eleitoral ainda motiva o tom de cautela.

“A expansão do Bolsa Família sem recursos gera um piora sistemática na trajetória de dívida. As reformas tributária e administrativa perderam ímpeto e força na tramitação, destacando que hoje as mesmas não são mais optativas e sim obrigatórias”, comentou Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.

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Onda de IPOs

Apesar do recuo do Ibovespa neste mês (-3,55%) e no acumulado do ano (-1,30%), o lançamento de ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) segue forte no mercado, atraindo a presença de investidores estrangeiros.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) registra, neste mês, nove pedidos de registro de ofertas iniciais. O número é superior ao de julho (5). A venda de papéis novos de empresas menores é uma das características da nova janela de abertura de capitais, com destaque para companhias do Espírito Santo e do interior de São Paulo.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.