Sete de doze ações de ‘tech’ valem menos que no IPO; Quem são as ‘stonks’ brasileiras?

Ações novatas de startups, que alimentaram grandes expectativas de lucro para os investidores em suas estreias na B3, enfrentam correções de preços; confira quem está valendo menos que o preço de sua oferta

Neologismo em inglês para ação que perdeu valor que virou meme: oportunidade ou link?
20 de Agosto, 2021 | 07:42 AM

São Paulo — As ações novatas do setor de tecnologia enfrentam, nas últimas semanas, um movimento de correção negativa de seus preços, depois de uma safra de balanços do segundo trimestre em que os resultados financeiros apresentados foram decepcionantes, em alguns casos, colocando em xeque as avaliações sobre seus valores de mercado realizadas na época de suas ofertas públicas iniciais (IPO, na sigla em inglês).

A Bloomberg Línea conferiu o desempenho de 12 papéis das estreantes do setor nos últimos dois anos, quando começou a onda otimista com as promessas de lucros pelas startups: sete estão valendo menos do que o preço fixado no IPO, perdendo para o Ibovespa.

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Ações que prometem alta rentabilidade e acabam frustrando as expectativas dos investidores no curto prazo são apelidadas de “stonks” -neologismo em inglês com a palavra “stocks” (ações), mas com a grafia errada propositadamente para indicar algo que se imaginava certeiro, mas deu ruim. A expressão virou meme e se tornou popular no Twitter nos últimos anos.


  • Mosaico (MOSI3)

Quem: dona dos sites Zoom, Buscapé e Bondfaro. Diz ser “a maior plataforma digital de conteúdo e de vendas para comércio eletrônico no Brasil”

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IPO: R$ 19,80 foi o que o investidor pagou por seu papel na oferta inicial de ações, concluída no dia 5 de fevereiro, quando estreou na B3

Mínima: R$ 9,51 é a cotação mínima que a ação cravou nesta semana, atingindo seu menor valor desde a estreia

Máxima: R$ 45,99 é o valor máximo histórico alcançado pelo papel. Em seu 1º dia de negociação, fechou em alta de 96,97%, cotado a R$ 39

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Rentabilidade: Acumula até a quinta (19) desvalorização de 70,33% em comparação ao seu primeiro preço de fechamento (R$ 39) e de 41,56% em relação ao IPO

  • GetNinjas (NINJ3)

Quem: plataforma que conecta prestadores de serviços com clientes

IPO: R$ 20 foi o valor de sua ação na oferta inicial de ações. A startup concluiu seu IPO no dia 17 de maio

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Mínima: R$ 11,15 é a cotação mínima que NINJ3 atingiu nesta semana, o menor valor desde sua estreia no pregão.

Máxima: R$ 29 é o maior preço alcançado pelo papel. No dia de sua estreia, fechou em baixa de 3,75%, a R$ 19,25

Rentabilidade: Acumula desvalorização de 28,67% em relação ao seu primeiro preço de fechamento (R$ 19,25) e de 31,35% em relação ao IPO

  • Mobly (MBLY3)

Quem: empresa de vendas online de móveis e artigos de decoração

IPO: R$ 21 foi o que pagou o investidor no IPO, concluído em 5 de fevereiro deste ano

Mínima: R$ 11,35 é a cotação mínima de MBLY3 desde a sua estreia, registrado nesta semana

Máxima: R$ 28,33 é o valor recorde do papel, que estreou em alta de 25,7% a R$ 26,40

Rentabilidade: Acumula desvalorização de 53,3% em relação ao seu primeiro fechamento (R$ 26,40) e de 40,95% em relação ao IPO

  • Enjoei (ENJU3)

Quem: portal de comércio colaborativo por meios eletrônicos (brechó online)

IPO: R$ 10,25 foi o preço fixado para a oferta pública, em 9 de novembro de 2020

Mínima: R$ 5,50 é a cotação mínima de ENJU3 registrada desde seu início na B3

Máxima: R$ 21,74 é o valor máximo do papel, cuja primeiro fechamento foi a R$ 9,76 (-4,78%)

Rentabilidade: Acumula desvalorização de 37,4% em relação ao seu primeiro fechamento (R$ 9,76) e de 40,39% em relação ao IPO

  • Westwing (WEST3)

Quem: loja de decoração online

IPO: R$ 13 foi o valor fixado para a oferta concluída no dia 11 de fevereiro

Mínima: R$ 6,69 é o menor da história do papel, que caiu 8,46% a R$ 11,90 na estreia

Máxima: R$ 13,18 é a cotação mais elevada que a ação conseguiu atingir no pregão

Rentabilidade: Acumula desvalorização de 25,61% em relação ao seu primeiro fechamento (R$ 9,76) e de 44,15% em relação ao IPO

  • TC (TRAD3)

Quem: plataforma de conteúdo e serviços para investidores (ex-TradersClub)

IPO: R$ 9,50 foi o preço fixado em sua oferta pública

Mínima: R$ 7,27 é a nova mínima do papel desde sua estreia, em 28 de julho

Máxima: R$ 14,15 é o recorde do papel, que fechou em alta de 33,16% a R$ 12,65 na estreia

Rentabilidade: Acumula desvalorização de 38,74% em relação ao seu primeiro fechamento (R$ 12,65) e de 18,42% em relação ao IPO

  • Bemobi (BMOB3)

Quem: clube de assinatura de aplicativos, apelidada de “a Netflix dos apps e jogos”

IPO: R$ 22 foi o que a oferta pública precificou para estreia em 10 de fevereiro de 2021

Mínima: R$ 17,46 é o menor valor do papel desde que começou a ser negociado

Máxima: R$ 28,50 é o recorde de BMOB3, que fechou em queda de 2,73% a R$ 21,40 na estreia

Rentabilidade: Acumula desvalorização de 5,79% em relação ao seu primeiro fechamento (R$ 21,40) e de 8,36% em relação ao IPO


Desempenho trimestral

Entre essas ações estreantes, algumas aceleraram perdas a partir da divulgação do resultado do segundo trimestre. Este é o caso, por exemplo, da Mobly. A margem bruta da companhia caiu 2,90 ponto percentual no segundo trimestre principalmente devido à inflação de matéria-prima e ao desconto em itens devolvidos. O investimento em marketing foi menor do que o esperado no início do ano devido à demanda de mercado relativamente fraca. As perdas nas linhas de EBITDA e resultado líquido foram semelhantes às do segundo trimestre de 2019.

“Os resultados foram decepcionantes, visto que tínhamos expectativas mais altas na época do IPO. Dito isso, acreditamos que a Mobly está passando por dificuldades de curto prazo, como a demanda fraca com a reabertura do varejo físico e pressão sobre as margens devido à inflação do custo das matérias-primas. Esperamos que ambos os problemas diminuam em algum momento, embora o próximo trimestre provavelmente não traga notícias melhores”, comentou a analista Flávia Meireles, do Bradesco BBI.

Nem todas as novatas do setor de tecnologia acumularam perdas desde a estreia. É o impressionante caso da gestora de programas de cupons de desconto e cashback Méliuz, que foi precificada a R$ 10 no IPO concluído em 5 de novembro do ano passado. O papel também sofre nos últimos 30 dias, com perda de 19%, mas ainda acumula valorização de 412,68% desde sua estreia.

“Vemos Meliuz sendo negociado a 13,6 x EV/vendas 2022, em grande parte em linha com seu par de alta qualidade Locaweb, e que vemos como justificado tendo em vista a perspectiva de forte crescimento de receita. Vemos a empresa bem posicionada para acelerar o crescimento com os resultados da oferta, o que deve aumentar a proposta de valor da plataforma e abrir caminho para ganhar mais terreno na oferta de serviços financeiros”, escreveram os analistas Otavio Tanganelli e Lucca Brendim, do Bradesco BBI, após o follow-on realizado pela companhia, elevando o preço-alvo para R$ 90 e reiterando recomendação de compra.

Outras ações novatas do setor que valorizaram desde a estreia: a empresa de soluções para comércio eletrônico Infracommerce (IFCM3), que foi precificada no IPO a R$ 16 (4/5/2021), fechou, ontem, a R$ 16,57, enquanto a empresa de soluções antifraude digital ClearSale (CLSA3), que fixou o papel a R$ 25 na oferta pública (30/7/2021), encerrou a R$ 29,10.

Já a fabricante de software especializada em soluções de supply chain (cadeia de suprimentos) Neogrid (NGRD3) foi cotada a R$ 4,50 no IPO (17/12/2020) e fechou, ontem, a R$ 5,63. Por sua vez, a empresa especializada em serviços de tecnologia e hospedagem de sites Locaweb (LWSA3) também valorizou desde o IPO (6/2/2020), quando foi precificada a R$ 17,25 e estava cotada, ontem, a R$ 24,36.

Desafios do setor

Quem se arrisca a carregar uma ação do setor de tecnologia na carteira sabe que esse tipo de papel costuma apresentar elevada volatilidade, dependendo tanto do risco da empresa como do mercado. Nas últimas semanas, houve uma piora da Bolsa brasileira com o temor de uma “tempestade perfeita” se formando no horizonte de 2022, ano de eleição presidenciale de expectativa de alta dos juros nos EUA, além do aperto monetário já iniciado aqui no primeiro semestre.

O sócio da iHub Investimentos, Paulo Cunha, aponta algumas particularidades das ações do setor de tecnologia no Brasil.

  • Valuation

Definir o valor de mercado de uma empresa do setor de tecnologia é problemático no mundo inteiro.

“O valuation é difícil de mensurar. Os ativos não são reais. É complicado precificar. Chega a ser subjetivo. Por isso, os valuations saem tão esticados, estratosféricos na casa do bilhão, descolados dos múltiplos normais. Você acredita no sonho e na história contada por aquele empreendedor. Já para empresas de setores tradicionais, com décadas de resultados financeiros disponíveis e examinados pelo mercado, é mais fácil precificar”

  • Poucos analistas

Há uma escassez de analistas para a cobertura de ações de tech nas instituições financeiros do Brasil por falta de representatividade do setor na Bolsa

“Nossa Bolsa sempre foi restrita a setores tradicionais (bancos, commodities, siderurgia). Empresas de tecnologia? Para muitos brasileiros, isso só existe nos EUA, onde o setor tem sua própria Bolsa, a Nasdaq, um outro planeta, mais evoluído. Pra que ter analista no Brasil se não tínhamos essas empresas do setor listadas? Era o que se pensava antes no mercado”

  • Visão geral

É injusto afirmar que só os IPOs do setor de tecnologia estão sofrendo desvalorização de suas ações no pregão.

“O mercado como um todo sentiu a piora das expectativas, motivada por vários fatores, como a evolução da pandemia (variante Delta), os ruídos políticos e as brigas entre os Poderes em Brasília, as preocupações com os juros mais elevados e com a inflação no Brasil e no mundo. A curva de juros longos saltou, enclinou. Quem mais precisa captar recursos para seu crescimento são empresas de tecnologia. Elas sentem mais os juros elevados”

  • Início da onda

O primeiro ano da pandemia do novo coronavírus levou à euforia do mercado com esse segmento.

“O momento era favorável às ações growth, porque se acreditava que essas empresas seriam no futuro o mundo das maravilhas. O importante era mais a história contada por essas empresas do que seus números”

  • Pessoa física

“A pessoa física que entrou no oba-oba das ações de tecnologia é, em geral, cliente ou usuário daquela marca, daquela empresa, que pensa ‘vou poder ser sócio dela’. Vai na emoção. O risco é maior, pois é um setor mais incerto, tem também a particularidade de que a todo momento surge uma inovação que pode tornar aquela empresa obsoleta”

  • Impacto da desvalorização das ações

A queda acumulada pelas ações de empresas de tecnologia, se mantida a tendência baixista, pode dificultar a vida dessa companhia na hora de tomar empréstimos de recursos para financiar seus planos de expansão.

“Os analistas de crédito podem ficar mais exigentes e preocupados com o fluxo de caixa do dia a dia dessas empresas, que podem ser penalizadas em operações como follow on (ofertas subsequentes ao IPO)”.

  • Elevada volatilidade

Os papéis do setor de tecnologia são mais volatéis do que os de setores tradicionais. “São ações que costumam cair ou subir muito. O Índice Beta (medida da volatilidade) é maior”

  • Comparações

Outro entrave à avaliação das ações das empresas de tecnologia do Brasil é a existência de poucos pares locais para comparações de múltiplos, o que acaba criando dificuldades para os analistas do setor, como projetar taxas de crescimento para base de clientes e receitas futuras.

  • Histórico

Há uma diferença entre o movimento de correção negativa dos preços do setor de tecnologia agora e o estouro da bolha da internet no começo dos anos 2000

“Naquela época, só havia sonho e euforia. Muitos não acreditavam que essas empresas iriam dar lucro. Hoje, temos exemplos de que podem surpreender e serem bastante lucrativas. É só ver a história da Microsoft, do Google, do Facebook e de outras redes sociais que provaram ser viáveis”




Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.