Como a Revolut quer crescer na Argentina e as lições com o ‘revés’ do Nubank no país

Com a compra do Cetelem, banco digital mais valioso da Europa estreia no país vizinho com câmbio, crédito e transferências globais, em uma estratégia que vai muito além de produto único, diz o CEO Agustín Danza à Bloomberg Línea

Escritório em Londres da Revolut, que confirmou o seu status de fintech mais valiosa da Europa com uma venda de ações no mercado secundário (Foto: Divulgação)
01 de Julho, 2025 | 06:44 PM

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Bloomberg Línea — Se seis anos atrás o Nubank enfrentou obstáculos que o levaram a desistir da operação na Argentina meses antes do seu lançamento, a Revolut, o maior e mais valioso banco digital da Europa, agora enxerga oportunidades.

A fintech britânica confirmou a aquisição do Banco Cetelem Argentina, de propriedade do francês BNP Paribas, e chega ao país vizinho em estágio avançado de desenvolvimento: são mais de 50 milhões de usuários em todo o mundo e uma “prateleira” de produtos que vai de criptomoedas a câmbio e transferências internacionais em uma plataforma multimoedas.

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Essa é uma diferença fundamental em relação à situação do Nubank quando tentou entrar na Argentina em 2019 com o cartão de crédito como único produto. E poucas pessoas conhecem esse “tropeço” melhor do que Agustín Danza, o novo CEO da Revolut para a Argentina.

“Eu fazia parte da equipe do Nubank quando chegou à Argentina, portanto conheço essa história por dentro”, disse o executivo em entrevista à Bloomberg Línea.

“Eram situações muito diferentes de uma perspectiva macro, com projeções e modelos de negócios muito distintos.”

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Enquanto o Nubank tentou entrar como uma empresa de “produto único”, naquele momento ainda sem alcançar o estágio de lucratividade, a Revolut chega com lucro líquido global, uma oferta bancária completa e uma licença bancária desde o primeiro dia.

“Estamos entrando com uma licença bancária, que acredito ser o sinal mais forte que se pode obter de que queremos entrar e competir com absolutamente tudo o que temos”, enfatizou Danza.

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Um gigante global

O compromisso da Revolut com a Argentina é apoiado pelos números crescentes em seu balanço.

A empresa atingiu 52,5 milhões de clientes globais em 2024 (crescimento de 38% em relação ao ano anterior), com depósitos totais de US$ 38 bilhões (+66%) e receitas de US$ 4 bilhões (+72%).

O quarto ano consecutivo de lucratividade — antes dos impostos — gerou lucro líquido de US$ 1 bilhão, com uma margem superior a 25%.

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Essa força financeira se traduz em capacidade de investimento em novos mercados, como a Argentina e o Brasil, onde está presente desde 2023, sob a liderança do executivo Glauber Mota.

Segundo o Financial Times, a Revolut gastou 485 milhões de libras em salários e bônus em 2024, um aumento de 40% em relação ao ano anterior, além de distribuir 179 milhões de libras adicionais em pagamentos baseados em ações.

A empresa, com valuation de US$ 45 bilhões após sua última rodada privada de investimentos, tem alterado a sua política de remuneração, incorporando bônus em dinheiro pela primeira vez, em preparação para uma potencial oferta pública inicial na Nasdaq.

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Por outro lado, o fundador e CEO Nik Storonsky, que detém mais de 25% da empresa, segundo The Guardian, poderá receber um pagamento adicional multibilionário se conseguir elevar o valuation para além de US$ 150 bilhões.

Um acordo semelhante ao negociado por Elon Musk com a Tesla lhe concederia uma participação adicional de até 10% na empresa ao atingir determinados marcos de avaliação, segundo o jornal britânico.

Meta ’100, 100, 100′

A chegada da Revolut à Argentina vai além de seu momento político e econômico.

O princípio que serve como norte da empresa é a meta “100, 100, 100” de Storonsky: 100 países, 100 milhões de clientes e US$ 100 bilhões em receita.

“Hoje, a empresa está bem no meio desses números”, disse Danza, o que implica uma expansão global agressiva na qual a América Latina desempenha um papel relevante. São c

“A Argentina é um país superatraente”, disse o executivo. “Terceiro em PIB regional, quarto em população, com o maior PIB per capita entre os grandes países da região.”

Some-se a isso a alta penetração de smartphones, uma população jovem e a adoção precoce de tecnologias financeiras, demonstrada pelo sucesso de criptomoedas e de pagamentos digitais no país, citou.

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Potencial inexplorado

A Revolut estabelecerá sua presença física no país em Buenos Aires. A equipe de pré-lançamento terá entre 30 e 40 pessoas, com planos de expansão com base no crescimento dos negócios.

Novamente para fins ilustrativos de comparação, o Nubank chegou à Argentina com 12 funcionários.

De acordo com um relatório de 2022 do BID e da Finnovista, a Argentina contava com 312 fintechs naquele ano (6,8 per capita, a líder regional).

Players consolidados como Mercado Pago - a fintech do Mercado Livre (MELI), que anunciou recentemente seu pedido de licença bancária -, Ualá e Naranja X lideravam o ranking, com milhões de unidades.

Danza minimizou uma suposta saturação do mercado: “Os seis ou sete maiores bancos detêm 70% dos ativos. Portanto, não há uma hiper fragmentação.”

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A experiência global da Revolut em mais de 30 países lhe confere uma vantagem na compreensão de mercados complexos, segundo o executivo.

Com uma margem de lucro líquido de 26%, de acordo com seus resultados mais recentes, a empresa tem saúde financeira necessária para investir agressivamente em crescimento sem pressão imediata sobre a lucratividade.

A Revolut “recebe receitas de assinaturas, câmbio, spreads de juros de cartão de crédito e outros produtos de crédito”, explicou Danza, referindo-se às múltiplas opções de faturamento que levaram a empresa a multiplicar sua receita global nos últimos anos.

Câmbio e Transferências

O produto pioneiro da Revolut — o câmbio em múltiplas moedas na mesma plataforma — será adaptado ao marco regulatório argentino, afirmou Danza.

“A Revolut começou como uma empresa de câmbio na Europa, opera com mais de 30 moedas e permite transferências internacionais instantâneas e gratuitas”, explicou.

Um ponto-chave que pode revolucionar o mercado local: as transferências peer-to-peer entre contas Revolut em diferentes países.

“As transferências peer-to-peer internacionais, de Revolut para Revolut, na mesma moeda, são gratuitas e instantâneas, 24 horas por dia, 7 dias por semana”, disse o executivo.

Questionado sobre a possibilidade de receber dinheiro do exterior sem ter que arcar com os custos associados ao sistema SWIFT ou aos atrasos bancários tradicionais, Danza afirmou que todo o serviço estará sujeito “ao que a regulamentação nos permitir fazer”.

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Processo regulatório e perspectivas

Diferentemente do Brasil, em que começou há dois anos sem licença bancária, ou do México, onde obteve a licença em abril passado, mas ainda não operou plenamente, o lançamento na Argentina tem uma estratégia diferente.

“Temos a sorte de já nascermos com um caminho claro”, disse Danza sobre a decisão global da Revolut de “começar [na Argentina] primeiro como um banco e depois lançar”.

A meta inicial é ambiciosa, mas mensurável: estar entre os três primeiros em downloads de aplicativos financeiros em um período de 3 a 5 anos.

“É algo que a Revolut estabelece para si mesma em todos os países em que atua”, disse Danza sobre esse KPI (indicador-chave de performance) específico, que a empresa alcançou na maioria dos seus mercados.

Em relação à pressão por rentabilidade, a mensagem é clara e respaldada por números globais. “Não temos um prazo”, afirmou o CEO para a Argentina, que enfatizou que “nosso compromisso com a Argentina é de longo prazo”.

A visão transcende números imediatos: “acreditamos que a Revolut pode desempenhar um papel relevante não apenas no setor bancário mas no relacionamento entre os argentinos e os serviços financeiros em geral”.

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Francisco  Aldaya

Periodista argentino con más de 10 años de experiencia. Francisco cubrió al sector financiero latinoamericano en S&P Global Market Intelligence, y trabajó en las secciones de economía y política del Buenos Aires Herald. También ha colaborado con el Buenos Aires Times.