Como a líder mundial em rolhas para vinho busca garantir que não falte cortiça

Empresa portuguesa Corticeira Amorim, de 150 anos, está financiando um programa de irrigação para acelerar o processo de colheita nas árvores

Estoques de rolhas da fabricante Corticeira Amorim em Portugal
Por Henrique Almeida
22 de Julho, 2023 | 02:34 PM

Bloomberg — Há mais de 150 anos, a Corticeira Amorim prospera comprando casca extraída de sobreiros em Portugal e transformando em rolhas. A empresa produz anualmente bilhões de lacres para garrafas de vinho e champanhe globalmente.

Com as vendas anuais batendo recorde, o desafio agora para a maior fabricante de rolhas do mundo é garantir oferta suficiente para atender à crescente demanda fora da indústria de bebidas.

“Atualmente, não há escassez de oferta no mercado, mas precisamos começar a produzir mais da matéria-prima para responder a uma maior demanda no futuro”, disse o CEO da empresa, António Amorim, em entrevista no mês passado.

Hoje, o material leve e esponjoso é encontrado em diversos produtos, desde roupas até isolamento usado em carros e trens de alta velocidade. Até mesmo em ônibus espaciais. A cortiça é mais sustentável do que a madeira, pois é colhida de árvores que não precisam ser cortadas.

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O único fator que impede a expansão do mercado da cortiça é que leva décadas para crescer e regenerar. Isso é algo que Amorim espera mudar.

A empresa busca encurtar o tempo da primeira colheita, de 25 anos, para cerca de 10 anos através da rega gota a gota. É uma prática que vem sendo utilizada há anos para acelerar a safra de diversas culturas como a oliveira, mas raramente é aplicada em cortiça porque estas árvores são predominantes em regiões portuguesas e mediterrâneas, onde há secas recorrentes e verões longos e secos.

A cortiça também não é cultivada em um campo, mas em floresta, que muitos agricultores normalmente não irrigariam.

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Até pouco tempo atrás, a Corticeira Amorim não era proprietária de florestas de sobreiros. Em 2018, a empresa com sede em Mozelos, em Portugal, começou a comprar terras para desenvolver plantações de sobreiros irrigadas, com até oito vezes mais árvores por hectare do que o normal.

Portugal, que produz cerca de 50% da oferta mundial de cortiça, viu a dimensão destas florestas diminuir 3,6% entre 1995 e 2015, de acordo com os últimos dados disponíveis compilados pelo inventário florestal nacional do governo.

Para alguns agricultores, não vale a pena plantar sobreiros devido ao longo período de espera para produzir o suficiente. Uma árvore recém-plantada requer pelo menos 25 anos antes que um produtor possa remover a casca externa do tronco com as próprias mãos.

A casca demora nove anos para se regenerar e outros nove para produzir cortiça suficientemente boa para as rolhas, que representam a maior parte das vendas da Corticeira Amorim.

O período de espera de décadas levou os agricultores a investir em culturas como oliveiras ou vinhas, que geram ganhos financeiros mais rápidos.

“Hoje, quando as pessoas pensam em plantar um sobreiro, acreditam que o fazem para os netos”, disse Amorim, cujo bisavô fundou a empresa em Mozelos, em 1870. “Precisamos mostrar que é possível plantar sobreiros também para a nossa geração.”

Árvore de sobreiro na Herdade do Rio Friodfd

Gotejamento

Amorim disse que a ideia de acelerar o processo de colheita surgiu há mais de uma década, quando um amigo da família em uma pequena cidade no centro de Portugal decidiu testar a irrigação por gotejamento em sobreiros.

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Francisco Almeida Garrett plantou dois hectares de sobreiros na sua propriedade em Avis, vila do centro de Portugal, em 2003, recorrendo a um processo de rega semelhante ao que utilizava nas suas oliveiras.

“Oito anos depois, reparei que algumas destas árvores estavam prontas para serem colhidas, em vez dos habituais 25 anos”, disse Almeida Garrett, que desde então plantou mais 40 hectares de sobreiros irrigados. “Foi incrível.”

Em 2010, Amorim, amigo de longa data da família de Almeida Garrett, visitou a propriedade para ver pessoalmente os resultados da sua experiência, que abriu caminho para um novo capítulo na estratégia de crescimento da Corticeira Amorim. À época, as rolhas de cortiça voltavam a ganhar mercado dos vedantes artificiais depois de a Corticeira Amorim ter descoberto uma forma de eliminar o chamado “gosto de rolha” — um contaminante que poderia tornar intragável o melhor vinho.

Hoje, as rolhas de cortiça são utilizadas em cerca de 13 bilhões de garrafas de vinho de um total de 20,5 bilhões produzidas todos os anos. As restantes são vedadas com tampas de rosca, plástico e outros tipos de rolhas. A Corticeira Amorim vende anualmente cerca de 6,1 bilhões de rolhas de cortiça.

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“Eu disse ao Francisco: ‘Você mudou a minha vida’”, afirma Amorim. “Assim que vi o que ele fez, decidi que não poderíamos simplesmente ficar parados sem fazer nada.”

Amorim rapidamente contatou a Universidade de Évora, no sul de Portugal, e ajudou a financiar um programa de pesquisa que poderia verificar as descobertas de Garrett. Em pouco tempo, os dois hectares de sobreiros irrigados da Fazenda Conqueiro, mais ou menos do tamanho de dois campos de futebol, se transformaram em um laboratório a céu aberto.

Três tipos diferentes de técnicas de irrigação por gotejamento foram usados em centenas de árvores equipadas com sensores para monitorar seu crescimento e uso de água enquanto drones sobrevoavam para rastrear seu desenvolvimento. Um grupo controle de árvores não irrigadas também foi avaliado para comparar o progresso.

“Provamos que a rega gota a gota reduz para cerca de metade o tempo de espera até à primeira colheita”, afirma Nuno de Almeida Ribeiro, professor da Universidade de Évora que lidera o projeto de investigação Regacork, hoje apoiado por várias propriedades e empresas agrícolas parceiras de Amorim. “Nem todo mundo será capaz de fazer isso, pois é preciso acesso a água e energia e um solo adequado para cultivar essas árvores.”

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Essa não é uma tarefa fácil para a maioria dos produtores de cortiça em Portugal, onde a maior concentração de florestas de sobreiro está no sul de Alentejo e na região do Algarve – uma vasta área de planícies onduladas e colinas com invernos amenos e verões quentes e secos. O sistema radicular profundo do sobreiro permite-lhe extrair água do subsolo e enfrentar bem a seca.

Ana Cristina Coelho, professora da Universidade do Algarve, em Portugal, que tem feito pesquisas sobre o declínio das florestas de sobreiros, estima que apenas uma porcentagem muito pequena de proprietários poderá fazer a rega gota a gota.

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“Este tipo de rega só é possível em zonas próximas de rios, lagos ou barragens, onde há abundância de água e onde não se compete por abastecimentos de água que possam ser utilizados para beber ou outras culturas alimentares importantes”, disse.

Ainda assim, Amorim estima que se forem plantados 50 mil hectares destes novos sobreiros -- apenas 7% de um total de 730 mil hectares em Portugal -- o país poderá aumentar a sua produção em até 40%.A Corticeira Amorim adquiriu recentemente a Herdade de Rio Frio, uma enorme propriedade florestal perto de Lisboa. É aí, numa área com cerca de 5.200 hectares coberta de sobreiros ao lado de duas grandes barragens e canais artificiais utilizados para transportar água do rio Tejo para irrigação que a Amorim desenvolve uma parte central do seu chamado programa de intervenção florestal.

“Atualmente, temos cerca de 50 árvores por hectare. Mas há espaço para plantar muito mais na mesma área”, disse Nuno Oliveira, responsável pelas propriedades florestais da Corticeira Amorim, enquanto caminhava entre vários sobreiros na Herdade de Rio Frio.

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A empresa vai usar irrigação por gotejamento em plantações de sobreiros recém-plantadas até a primeira colheita em cerca de 10 anos. Depois que as árvores são colhidas, a irrigação por gotejamento pode parar e o ciclo regular de nove anos de crescimento e colheita pode continuar.

Plano

A Corticeira Amorim pretende plantar até 400 sobreiros por hectare, em vez dos habituais 50, e usar plantas clonadas de árvores consideradas mais fortes e de melhor qualidade para aumentar a taxa de sucesso, disse.

Plantar sobreiros mais próximos uns dos outros fará com que as árvores cresçam mais uniformemente para cima, disse Oliveira, engenheiro florestal. Isso facilitará o uso da tecnologia para agilizar a retirada da casca das árvores, que hoje é extraída manualmente, com um único instrumento -- o machado -- e aplicando técnicas que são transmitidas há séculos nas comunidades e famílias.

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“Estamos mudando a forma como o setor da cortiça funciona,” disse Oliveira.

Se funcionar, Amorim espera que outros proprietários de terras sigam seu exemplo e invistam em sistemas de irrigação para novas plantações de sobreiros com mais árvores. Um incentivo extra para eles, disse Amorim, é que essas árvores eliminam naturalmente carbono e podem ser usadas para oferecer créditos que ajudarão os proprietários de terras a pagar por seus investimentos.

Atualmente, a Corticeira Amorim está focada no produto final. A empresa registrou uma receita recorde de 1 bilhão de euros (US$ 1,11 bilhão) em 2022 e espera que a demanda por cortiça continue a aumentar nos próximos anos, à medida que os consumidores optam por produtos mais sustentáveis.

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“Minha esperança é que outros se inspirem no que estamos fazendo”, disse Amorim. “Tudo o que queremos é ter mais cortiça para continuar a crescer no futuro.”

--Com colaboração de João Lima.

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