Lula e Milei ampliam rivalidade com modelos econômicos distintos na América Latina

Presidente argentino busca reduzir despesas públicas, vender empresas e cortar regulações, enquanto brasileiro pressiona ministros para aumentar gastos e revitalizar estatais

Massa suma apoyo de Lula para enfrentar a Milei
Por Manuela Tobias e Simone Iglesias
31 de Março, 2024 | 09:18 AM

Bloomberg — Há poucos presidentes no mundo hoje com modelos econômicos tão radicalmente diferentes quanto Javier Milei, da Argentina, e Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil.

Milei está desesperado para reduzir os gastos públicos, vender empresas estatais e cortar regulamentações. Enquanto isso, Lula pressiona seus assessores para aumentar os gastos, revitalizar as empresas estatais para impulsionar a política industrial e fortalecer as regulamentações para proteger os trabalhadores e o meio ambiente.

O fato de os dois homens liderarem países vizinhos — potências rivais de commodities, parceiros comerciais de longa data, aliados e, é claro, inimigos mortais no campo de futebol — torna o choque ideológico ainda mais evidente.

As tensões têm se inflamado repetidamente. Milei tem o hábito de chamar Lula de “comunista”. Lula, por sua vez, coloca Milei em um grupo de nacionalistas “primitivos”. Os principais diplomatas são então enviados para resolver as coisas.

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Mas a enorme divisão permanece clara no grupo bastante distinto que cada líder atrai.

O ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro, o húngaro Viktor Orbán e o empresário Elon Musk já apoiaram Milei, enquanto Lula recebeu o francês Emmanuel Macron na Amazônia e em Brasília na semana que passou, depois de ter se reunido mais de uma vez tanto com Joe Biden quanto com Olaf Scholz, da Alemanha, desde sua reeleição em 2022. Ele também conta com o apoio de Xi Jinping, da China.

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Assim, a questão que paira sobre seus países e o mundo em desenvolvimento é: qual administração e qual visão econômica se mostrará mais bem-sucedida?

Os dois líderes, é claro, herdaram economias muito diferentes. O Brasil cresceu acima das expectativas no ano passado, com inflação abaixo de 5%. Enquanto a Argentina está se encaminhando para mais uma recessão com inflação de 276%.

Isso torna difícil emitir um julgamento. E ainda em uma região que viu o poder oscilar drasticamente da esquerda para a direita e de volta para a esquerda ao longo da última década, o resultado será analisado por insiders do governo, analistas e especialmente investidores nervosos que aguardam para ver se as reformas drásticas de Milei podem tornar a Argentina uma opção mais atraente do que o Brasil.

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Visão externa

Estados Unidos e China também estão observando de perto, dado que ambas as nações sul-americanas podem desempenhar papéis crescentes em sua competição intensificada por alimentos, recursos energéticos e domínio econômico nos próximos anos.

“Javier Milei tem o potencial de se mostrar como um líder latino-americano alinhado com uma visão nova e mais conservadora da direita, que foi cristalizada em seu discurso no Fórum Econômico Mundial”, disse Juan Cruz Diaz, diretor-gerente do Grupo Cefeidas, consultoria de risco político.

“Lula já esteve lá, você o conhece. Ele pode não estar 100% alinhado com algumas visões de investidores, mas eles não veem uma situação em que encontrem alguma instabilidade ou falta de sustentabilidade.”

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No fim de 2022, investidores globais tinham grandes expectativas em relação à Lula, o esquerdista que liderou o Brasil durante a fase de crescimento nos anos 2000 e que estava pronto para adotar uma plataforma pragmática ao assumir o cargo. Mas mesmo em meio a um desempenho econômico melhor do que o esperado no ano passado, eles começaram a se desiludir com a maior nação da América Latina.

Uma insurreição tumultuada ligada à direita que perdeu a eleição e que buscava reverter a vitória de Lula em janeiro de 2023 alimentou temores de instabilidade política e foi seguida por um escândalo contábil que levou uma gigante do varejo do país - a Americanas - a uma espiral descendente.

Depois, a batalha de Lula com o banco central sobre as altas taxas de juros foi a gota d’água que levou parte dos investidores a buscar refúgio na Índia, que cresce mais rapidamente, e no México, campeão do nearshoring.

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A Argentina dificilmente era uma opção durante grande parte do ano passado, já que a inflação anual disparou para a casa de três dígitos e aumentou a pressão sobre uma economia já combalida. Mas as promessas de “terapia de choque” de austeridade e reformas profundas de Milei chamaram a atenção dos investidores, especialmente depois que ele obteve uma vitória inesperada. As ações dispararam quando ele venceu as eleições de novembro.

Não é todo mundo que está se lançando na Argentina ainda.

Lula recuou em sua batalha com o banco central do Brasil desde então e, embora tenha buscado gastar mais, ele também apoiou em grande parte os esforços do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para fortalecer as finanças públicas do país e eliminar seu déficit fiscal primário — um impulso que os mercados aplaudiram.

“Em teoria, os investidores estão mais confortáveis com o modelo de Milei porque é mais fiscalmente conservador e deve ajudar a reduzir a inflação mais rapidamente”, disse Katrina Butt, economista sênior da América Latina na AllianceBernstein, em Nova York. “Mas Lula provou ser bem-sucedido e evitou buscar políticas de extrema-esquerda.”

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Milei também enfrentou problemas no Congresso argentino, em que sua coalizão está em minoria. Seu decreto amplo para desregulamentar a economia está em risco depois que o Senado o rejeitou no início de março, enquanto ele teve que suavizar seu pacote de reformas abrangente na tentativa de acalmar parlamentares opositores e governadores hostis.

Isso deixou muitos investidores cautelosos em abraçar totalmente Milei - especialmente quando comparado a Lula, que continua sendo uma mercadoria conhecida, mesmo que seus recentes esforços para gastar mais e usar empresas controladas pelo estado para acelerar o crescimento econômico inspirem ceticismo.

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Para ser claro, as trocas de farpas entre Lula e Milei tiveram pouco impacto prático nas relações econômicas entre seus países.

Brasil e Argentina continuam sendo os maiores parceiros comerciais um do outro na América Latina, e suas economias estão profundamente interligadas. A turbulência política dificilmente é uma dinâmica nova para as duas nações, cujos líderes raramente estiveram alinhados ideologicamente neste século.

O que diz a Bloomberg Economics:

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“Na última década, Argentina e Brasil foram — com mais frequência do que não — liderados por políticos de espectro ideológico oposto: esse foi o caso com Macri-Dilma, Fernández-Bolsonaro e agora Milei-Lula. Essa assincronia importa menos do que pode parecer à primeira vista. Independentemente de suas diferenças ideológicas, nenhum líder pode romper os laços com o outro: o Brasil é o principal mercado de destino para as exportações argentinas, e a Argentina é o terceiro maior mercado para as vendas externas do Brasil e o destino de 40% das exportações da indústria automotiva brasileira.

Ao mesmo tempo, mesmo quando os governos estão em sintonia, nenhum país pode ir além em ajudar: O governo brasileiro endividado geralmente não empresta grandes quantias para outros países, e a Argentina com falta de dinheiro, independentemente de quão liberal seu presidente sentado possa ser, não abrirá completamente os mercados para os produtos brasileiros. Isso torna o relacionamento econômico de ambos os países muito mais sensível aos seus ciclos econômicos e às flutuações cambiais do que às mudanças nos ventos políticos.”

  • Adriana Dupita, economista do Brasil e Argentina, Bloomberg Economics.

É na competição por investimentos estrangeiros e alianças políticas que o papel de Milei e Lula será crucial. Até agora, a Casa Branca buscou manter ambas as nações na órbita dos EUA.

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Mesmo quando Lula contrariou a posição dos EUA na guerra da Rússia na Ucrânia e buscou fortalecer os laços com a China, ele se encontrou com Biden duas vezes, garantindo uma contribuição prometida para o fundo de proteção da floresta amazônica do Brasil e uma parceria conjunta para reforçar as proteções trabalhistas.

O secretário de Estado, Antony Blinken, enquanto isso, visitou ambos os países no mês passado e citou especificamente o apoio de Milei à Ucrânia e Israel em seus conflitos atuais como uma fonte primária de acordo entre os dois governos.

“O governo de Lula ainda não se comprometeu totalmente a desempenhar o papel que os Estados Unidos pedem a ele, abrindo a chance para a Argentina se destacar em vez disso”, disse Alejandro Diaz, diretor-executivo da Câmara de Comércio Americana na Argentina. “A indicação proativa de Milei de que seus dois aliados geopolíticos serão os Estados Unidos e Israel claramente o coloca nesse caminho.”

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Lula e Milei nunca se encontraram. O brasileiro não foi à posse presidencial do argentino - ele apoiou nas eleições o candidato derrotado, Sergio Massa. Nesse ritmo, seus caminhos só se cruzarão — inevitavelmente — na cúpula de chefes de estado do G20, no Rio de Janeiro, onde Lula terá a vantagem de ser o anfitrião.

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