Governo Lula recruta guru tributário para defender taxação de ultra-ricos

Francês Gabriel Zucman, considerado um protegido de Thomas Piketty, defendeu uma proposta de imposto mínimo sobre a riqueza no encontro de finanças do G20 em São Paulo

Luis Caputo, ministro de Economia da Argentina (à esquerda), cumprimenta Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, em reunião na Bienal no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, por ocasião do encontro de chefes de finanças dos países do G20 (Foto: Maira Erlich/Bloomberg)
Por Andrew Rosati e Maria Eloisa Capurro
29 de Fevereiro, 2024 | 07:45 PM

O Brasil quer que os bilionários paguem mais na luta global contra a pobreza. Para vender a ideia, recrutou um economista francês famoso por descobrir onde os ultra-ricos do mundo escondem o seu dinheiro.

Gabriel Zucman, professor assistente da Universidade da California Berkeley, defendeu uma proposta de um imposto mínimo sobre a riqueza global aos chefes financeiros reunidos em São Paulo para o encontro do G20 nesta semana.

A sua apresentação nesta quinta-feira (29) faz parte da campanha do Brasil para garantir que o evento não seja prejudicado por argumentos sobre a guerra - da Rússia contra a Ucrânia e entre Israel e Hamas - e a política das grandes potências. E que também faça progressos na abordagem de problemas como a desigualdade e as alterações climáticas.

“Há um reconhecimento crescente de que os sistemas fiscais não conseguem tributar adequadamente os super-ricos”, disse Zucman – que ajudou a senadora Elizabeth Warren a desenvolver um plano de imposto sobre a riqueza para sua campanha presidencial nos Estados Unidos em 2020 – em entrevista à Bloomberg News.

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“Há também um reconhecimento crescente de que provavelmente a melhor forma de resolver essa situação é por meio da coordenação internacional.”

Os apelos para que os mais ricos do mundo contribuam com uma parcela maior dos seus rendimentos têm crescido cada vez mais desde a crise financeira de 2008, que se seguiu a décadas em que muitos países viram a desigualdade de renda e de riqueza aumentar. Mas tem sido difícil converter o apoio popular em mudanças políticas.

Nos EUA, por exemplo, candidatos democratas como Warren e o senador Bernie Sanders, que apoiaram as ideias de Zucman, foram derrotados nas primárias – e o presidente Joe Biden não conseguiu aprovar os seus planos mais modestos para impostos de renda mais elevados no Congresso.

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Gabriel Zucman, director at the EU Tax Observatory, during the Group of 20 (G-20) finance ministers and central bank governors meeting at the Biennial Foundation in Sao Paulo, Brazil, on Thursday, Feb. 29, 2024dfd

‘Apenas o começo

É um desafio ainda maior fazê-lo globalmente. O G20 tem desenvolvido planos para novas regras globais em matéria de tributação de corporações, mas o progresso tem sido lento. Guilherme Mello, secretário de política econômica do Ministério da Fazenda do Brasil, reconhece que esta semana é apenas o começo.

“Esperamos construir um consenso em torno da necessidade de iniciar uma agenda” sobre a tributação dos super-ricos, disse ele entrevista. A participação de Zucman faz parte do esforço para dar continuidade ao debate, e suas ideias específicas não têm necessariamente o apoio do Brasil, disse Mello.

No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pede impostos mais rígidos sobre os que ganham mais para reduzir déficits orçamentários e financiar programas sociais que ajudem a diminuir a enorme disparidade de riqueza do país. Os legisladores aprovaram no ano passado novas taxas sobre fundos offshore.

Fatia da renda detida pelo 1% da população que mais ganha (em países selecionados): Brasil é o que mais concentra a riqueza  dfd

Fazer com que os bilionários paguem a sua parte é necessário para “a construção de um mundo mais justo”, disse o Ministro da Fazenda Fernando Haddad – responsável pelo convite de Zucman – na reunião esta semana.

O economista de 37 anos descreve seu plano como uma espécie de “complemento” ao imposto sobre o rendimento: uma taxa que mede o total de ativos, dado que grande parte da renda dos multimilionários provém de fontes não tributáveis.

“A noção é que a renda não está bem definida para os super-ricos, mas a riqueza está”, disse Zucman.

‘Completamente Utópico’

Um protegido de Thomas Piketty, Zucman ganhou elogios por revelar trilhões de dólares armazenados em contas offshore e usar conjuntos de dados exclusivos, como os “Panama Papers” vazados.

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Sua apresentação na quinta-feira foi baseada em um imposto mínimo global de 2% sobre os bilionários. De acordo com seu think tank, o EU Tax Observatory, essa taxa poderia arrecadar cerca de US$ 250 bilhões por ano em todo o mundo. Zucman reconhece que a proposta não é fácil e disse que o objetivo é “iniciar a conversa” sobre um processo que pode levar anos para ser implementado.

Ainda assim, ele disse estar esperançoso e apontou algumas vitórias fiscais do G20 nos últimos anos. O grupo que reúne 20 das maiores economias do mundo concordou em combater o sigilo bancário, com partilha automática de informações de contas entre instituições financeiras e autoridades fiscais.

Em 2021, endossou uma taxa mínima global de imposto sobre as sociedades de 15%, que já foi assinada por mais de 140 países.

“Foi considerada uma ideia completamente utópica”, disse Zucman. “E agora está acontecendo.”

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- Com a colaboração de Martha Beck.

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