Governo Lula trabalha na contramão do Banco Central, diz Schwartsman

Economista e ex-diretor do BC diz em entrevista à Bloomberg Línea que elevar a meta de inflação, como defendeu o presidente, pode levar o BC a subir os juros

'Se o déficit primário ficar na casa abaixo de 2% do PIB, é para soltar rojão', avaliou o ex-diretor do BC
02 de Fevereiro, 2023 | 04:35 AM

Bloomberg Línea — As primeiras medidas do governo Lula para melhorar o resultado das contas públicas devem ter efeito limitado e não vão ser capazes de reduzir o déficit primário em 2023. Esta é a visão de Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, que está pessimista em relação à política econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para o economista que hoje atua como consultor, as projeções de receitas e redução de despesas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentadas no pacote econômico de janeiro, são irreais. Ele cita como exemplo a expectativa de arrecadação de R$ 70 bilhões com medidas para reduzir os litígios no Carf e dar incentivos para a denúncia espontânea de questões tributárias.

Segundo cálculos de Schwartsman, todos os programas de refinanciamento de dívidas tributárias (Refis) realizados no Brasil nas últimas décadas somam uma receita de R$ 60 bilhões em valores ajustados, e os mais bem-sucedidos levantaram R$ 12 bilhões. Para ele, esses números dão a dimensão do exagero das projeções do governo e da dificuldade de alcançá-las.

“Se o déficit primário ficar na casa abaixo de 2% do PIB, é para soltar rojão, porque quer dizer que eles [da equipe econômica] fizeram muito”, disse Schwartsman em entrevista à Bloomberg Línea.

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O economista avalia que a situação preocupante das contas públicas poderia ter sido contornada com uma expansão fiscal menor ou até com um ajuste de despesas. No entanto o governo Lula escolheu seguir “o caminho de menor resistência”, na visão dele, com o aumento das despesas em R$ 170 bilhões fora do teto de gastos, previstos na PEC da Transição aprovada no fim de 2022.

Schwartsman ressaltou que a expansão fiscal vai na contramão do trabalho do Banco Central para reduzir a inflação, o que sinaliza que a agenda econômica do governo é “claramente” uma agenda de esquerda.

“A inflação subjacente está rodando na casa dos 9% nos últimos 12 meses. É muito alta. O Banco Central ainda está fazendo força para desacelerar a economia. E o governo está atuando exatamente no sentido inverso”, disse o economista, que foi diretor de Assuntos Internacionais do BC entre 2003 e 2006, na gestão de Henrique Meirelles.

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“Isso tem como consequência juro mais alto, inflação mais alta, o que dificulta o trabalho do Banco Central.”

Novo arcabouço fiscal

Sobre a expectativa em torno de uma nova âncora fiscal, que o ministro Fernando Haddad promete apresentar no fim de abril, Schwartsman diz que é um exagero acreditar que a nova regra, seja qual for, irá permitir um equilíbrio das contas públicas no médio e longo prazo de forma sustentada.

Ele lembra que nas últimas décadas as regras fiscais foram atropeladas, ignoradas ou modificadas pelo governo e o Congresso quando necessário. Ele cita como exemplo as metas de resultado primário, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos.

“Por que agora a gente vai fazer a coisa certa?”, questiona Schwartsman. “Já está mais do que provado que, se tem uma regra fiscal qualquer de um lado e os interesses políticos do governo de plantão do outro, quem leva a vantagem é o interesse político do governo de plantão. Sempre que se precisou gastar mais, se mudou a lei para fazer isso. Sempre.”

Schwartsman diz que os primeiros sinais do novo governo na economia mostram que era equivocada a ideia de que Lula seria pragmático e faria uma gestão mais responsável do que as administrações anteriores do PT, por ter formado uma coalizão que inclui o apoio da ministra Simone Tebet e do vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin.

“Achar que seria a agenda da Simone Tebet [que iria prevalecer] agora porque a Simone se juntou ao governo é coisa de quem está em outro mundo. Não é assim que funciona. Não é o sócio minoritário da coalizão que vai dar o tom da política econômica”, diz.

Meta de inflação

Outro sinal ruim do governo Lula, na visão do ex-diretor do Banco Central, é a crítica feita pelo presidente à meta de inflação, que estaria muito baixa na avaliação dele.

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O ex-diretor do BC afirmou que elevar a meta de inflação tornaria a tarefa da autoridade monetária de combater a inflação “ainda mais difícil”. E que não é razoável acreditar que é possível aumentar a meta sem que haja uma reação no mercado e um aumento das expectativas de inflação. Com isso, as próprias leituras do IPCA atual podem subir, forçando o BC a subir ainda mais os juros.

“Mudar a meta de inflação agora não só passaria a mensagem errada, como provavelmente teria como efeito uma aceleração da inflação ao longo do horizonte relevante do Banco Central, o que o forçaria a subir o juro”, disse Schwartsman.

Lula afirmou em entrevista à GloboNews em 18 janeiro que a meta atual de 3,25%, com margem de tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo, estaria muito baixa e pressionaria o Banco Central a elevar os juros demasiadamente. O presidente sugeriu que a meta fosse de 4,5%, como em seus governos anteriores.

“Você estabeleceu uma meta de inflação de 3,7%. Quando faz isso, é preciso arrochar mais a economia para atingir aquele 3,7%. Por que precisava fazer 3,7%? Por que não faz 4,5%, como fizemos? A economia brasileira precisa voltar a crescer”, afirmou Lula na entrevista.

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Em junho, o Conselho Monetário Nacional (CMN), que tem participação de Haddad como ministro da Fazenda, de Roberto Campos Neto como presidente do Banco Central e de Simone Tebet como ministra do Planejamento, se reúne para definir a meta de inflação de 2026. Até 2025, as metas já estão definidas.

“O Banco Central quando reage ao aumento da inflação esperada, não reage com o aumento igual. Ele tem que reagir um pouco a mais. Tem que elevar a taxa real de juro para trazer a inflação para baixo. Tem que fazer um pouco mais de força. O resultado é o oposto ao que se imaginava”, afirmou Schwartsman.

Em sua decisão de 1º de fevereiro, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, ressaltou que as expectativas de inflação “têm mostrado deterioração em prazos mais longos”, o que exige mais atenção da política monetária, e reforçou seu compromisso de convergência dos preços para a meta.

“O Comitê avalia que tal conjuntura eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse cenário, o Copom reafirma que conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas”, afirmou o comunicado do BC.

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Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.