Pacote de Haddad traz alívio, mas Faria Lima questiona estimativas

Projeções do governo para receitas com a redução dos litígios no Carf são vistas como incertas e otimistas; por outro lado, medidas reduzem parte do risco fiscal

Plano para reduzir déficit primário em 2023
13 de Janeiro, 2023 | 02:36 PM

Bloomberg Línea — O pacote de medidas econômicas apresentado pela equipe econômica na quinta-feira (12) traz alívio para as preocupações do mercado financeiro sobre a situação das contas públicas no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

No entanto economistas e analistas consultados pela Bloomberg Línea têm dúvidas sobre se a equipe econômica vai conseguir concretizar todo o aumento de receitas previsto no anúncio das medidas de modo a reduzir o déficit primário em 2023.

As medidas apresentadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pelas ministras Simone Tebet (Planejamento) e Esther Dweck (Gestão e Inovação) somam R$ 243 bilhões, entre aumento de receitas (R$ 193 bilhões) e redução de despesas (R$ 50 bilhões).

O montante ajudaria o governo a reduzir o déficit primário de 2023, previsto inicialmente em R$ 231 bilhões, e a diminutir o impacto da PEC da Transição, que elevou o limite de despesas do governo neste ano em cerca de R$ 170 bilhões.

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Haddad afirmou durante a apresentação que trabalha com uma meta de um déficit entre 0,5% e 1% do Produto Interno Bruto (PIB), uma estimativa mais equilibrada na visão do mercado. O ministro chegou a dizer que, se toda a estimativa de aumento de arrecadação for realizada, o governo poderia encerrar o ano até com um superávit de R$ 11 bilhões.

Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, a estimativa de superávit parece bastante otimista e há muitas dúvidas sobre se poderia ser concretizada. “Entre as medidas apresentadas, cerca de R$ 120 bilhões são bem factíveis, entre redução de gastos e aumento de impostos. Dessa maneira, o governo poderia apresentar um déficit entre 0,5% e 1%”, disse ela.

“As previsões relacionadas aos litígios são mais incertas, mas também serão importantes no futuro para conter surpresas negativas, como vimos com a questão dos precatórios em 2021. Nesse sentido, a reforma tributária se faz ainda mais importante para simplificar e evitar processos custosos para o governo.”

Processos no Carf

O pacote apresentado por Haddad inclui medidas para reduzir os litígios no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão que julga recursos de contribuintes sobre cobranças da Receita Federal.

O governo espera arrecadar R$ 50 bilhões com incentivos, como a redução de multas e juros, e com uma mudança que favorece o governo em caso de empate em julgamentos do Carf.

Outros R$ 20 bilhões, segundo o governo, poderiam ser arrecadados com o incentivo à denúncia espontânea de contribuintes que queiram regularizar sua situação.

Na visão de economistas da LCA Consultores, os dois itens são os mais incertos no pacote apresentado por Haddad e podem não trazer os ganhos esperados. Para a consultoria, mesmo as condições mais vantajosas podem não ser suficientes para contribuintes desistirem das disputas no Carf.

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Outra dúvida é sobre a volta de impostos sobre combustíveis (gasolina, etanol e GNV) a partir de março. O aumento da arrecadação com a cobrança de tributos, que foram zerados no meio do ano passado, vai depender se a Petrobras adotará uma nova política para reduzir a variação dos preços.

A consultoria LCA também aponta riscos para a previsão do governo de arrecadação com a apropriação de recursos do PIS/Pasep não resgatados por contribuintes, no valor de R$ 23 bilhões. Haverá um período para o saque antes que o Tesouro Nacional incorpore os recursos e é possível que o valor diminua.

“Essas medidas, quando consideramos as chances de serem eficazes, reforçam nosso cenário de que o déficit público do governo central deve ficar em torno de 0,8% do PIB neste ano”, disse a LCA, em relatório divulgado a clientes.

Para Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, o governo parece interessado em limitar o aumento projetado do déficit orçamentário em 2023, o que é positivo, mas é necessário fazer mais.

“As autoridades continuam a mostrar alguma relutância em aceitar cortes permanentes significativos na despesa corrente (incluindo isenções/subsídios fiscais mal direcionados) e a reconhecer abertamente a necessidade de alcançar um excedente fiscal primário de cerca de 2% do PIB para estabilizar a dinâmica da dívida pública”, afirmou ele, em relatório.

Dan Kawa, Chief Investment Officer (CIO) da TAG Investimentos, tem uma visão semelhante e ressaltou que muitas das medidas apresentadas terão dificuldade de execução. “Algumas medidas trarão receitas, mas o valor total parece muito superestimado. Não parece suficiente para endereçar a situação fiscal do país nem no curto nem longo prazo”, disse.

Rafael Pacheco, economista da Guide Investimentos, afirmou que o anúncio ajuda a conter o efeito fiscal da PEC de Transição e da manutenção da desoneração dos combustíveis por dois meses, mas o desafio do governo de restaurar a credibilidade da política fiscal ainda vai continuar até que se tenha em mãos a nova proposta para a substituição do teto de gastos.

“De qualquer forma, se o governo de fato conseguir alcançar essa meta, o resultado seria sim bem relevante para efeito do mercado e em especial para a política monetária. Com um superávit dessa magnitude, perto do déficit que estava previsto, torna-se mais provável o início da queda da Selic neste ano”, disse.

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Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.