Americanas: entenda os próximos passos da recuperação judicial

Empresa com dívida de R$ 43 bilhões (ou mais) terá que chegar a acordo com maioria dos credores sobre plano de reestruturação para conseguir sobrevivência

Rombo nas contas da Americanas: empresa varejista terá que elaborar plano de recuperação nas próximas semanas
19 de Janeiro, 2023 | 08:35 PM

Bloomberg Línea — A aprovação do pedido de recuperação judicial da Americanas (AMER3) marca o início de uma nova fase na crise em que o tradicional grupo varejista mergulhou desde o anúncio de “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões em seus últimos balanços.

As ações da companhia desabaram 42,53% nesta quinta-feira (19), negociadas a R$ 1 no fechamento no pregão da B3, após o protocolo do pedido de recuperação judicial (RJ) na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, sede de sua administração.

O foco agora de investidores, detentores de títulos da Americanas e credores é acompanhar os próximos passos no processo de RJ. Com o pedido sancionado pela Justiça, a companhia obtém um período de 180 dias em que as obrigações de dívida ficam suspensas. O prazo é prorrogável por uma vez.

Outro ponto de atenção é a apresentação do plano de RJ. A companhia tem 60 dias para propor a primeira versão de um plano de reestruturação, com as principais medidas a serem tomadas para o rebalanceamento de sua estrutura de capital, que geralmente foca em três pilares: gestão de passivos, injeção de capital e venda de ativos. Esse prazo também pode ser prorrogado uma vez.

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O plano de reestruturação precisa ser aprovado pela maioria dos credores, em número absoluto de votantes e nos valores totais da dívida. A companhia tem 150 dias para convocar uma assembleia de credores para aprovar o plano. Quanto à gestão dos passivos, o processo de RJ pode incluir negociação de dívidas (descontos ou alongamento de prazo) e conversão de dívida em ações.

Serão necessários entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões para o reequilíbrio das operações da Americanas, segundo estimativa da XP que consta de relatório enviado a clientes.

A primeira proposta dos acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, era de socorrer a companhia com injeção de R$ 6 bilhões, segundo a Bloomberg News.

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Outra maneira de levantar recursos é por meio da venda de ativos. “Acreditamos que o Hortifruti Natural da Terra, o Grupo Uni.co (Puket e Imaginarium) e a joint venture Vem Conveniência podem ser potenciais candidatos”, listou a XP no seu relatório.

O que acontece na B3

O processo de RJ da Americanas causará a exclusão das ações da companhia de 14 índices de mercado da B3 a partir desta sexta (20).

“De acordo com a metodologia da B3, companhias em RJ não são elegíveis para fazer parte de nenhum índice”, apontou a XP.

Em janeiro, as ações da Americanas já acumulam desvalorização próxima de 90%. Em 12 meses, o tombo chega a 96%.

“Quando o papel deixa de fazer parte do índice, afeta vários fundos no mundo inteiro que replicam o índice Ibovespa. Isso significa que quando a ação da Americanas deixa de fazer parte do índice, o fundo tem que vender esse papel. Com vários fundos vendendo ao mesmo tempo, há uma pressão vendedora que faz o papel cair ainda mais”, disse Ricardo Brasil, fundador da Gava Investimentos.

Com a recuperação judicial, Americanas deixa de fazer parte dos índices da B3, mas isso não significa que deixa de ser listada em bolsa. “Quem quiser comprar ou vender consegue tranquilamente durante a RJ. A Oi, por exemplo, ficou um ou dois anos em RJ e era negociada normalmente”, disse Brasil.

Atualmente, a B3 lista 18 companhias em recuperação judicial: Atmasa, Bardella, Eternit, Flex, Hotéis Othon, IGB, João Fortes, Lupatech, MMX, Paranapanema, Refinaria de Petróleo Manguinhos, Pomifrutas, Renova, Rossi Residencial, Rodovias do Tietê, Saraiva Livrarias, Tecnosolo e Teka. Em recuperação extrajudicial (fora da Justiça) estão Le Lis Blanc, Nutriplant e Têxtil Renaux.

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Investigações na CVM

Além do processo de RJ, a companhia já se tornou alvo de cinco processos na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que investigam indícios de práticas uso de informação privilegiada para operar no mercado (insider trading), maquiagem de balanço e manipulação do mercado.

O rombo contábil calculado em R$ 20 bilhões foi provocado por operações financeiras que não foram devidamente inseridas no balanço da companhia - o chamado risco sacado.

O risco sacado é descrito como uma operação disponibilizada por instituições financeiras e uma prática realizada por empresas como modalidade para antecipação de recebíveis.

Essa operação é comum no setor de varejo e funciona da seguinte forma: uma empresa recebe os produtos de seu fornecedor ou a execução dos seus serviços de forma antecipada ao pagamento. Assim, o valor e as formas de pagamento são acordados entre as partes de forma prévia.

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O fornecedor realiza a emissão de uma fatura com um prazo a ser financiado por um banco ou uma instituição financeira autorizada a oferecer essa modalidade, ou seja, o banco credor do risco sacado.

As operações de risco sacado não constavam nos balanços da companhia. Assim, não eram divulgadas ao mercado como “dívidas”, mas entravam na conta de fornecedores.

Já os juros que seriam pagos ao banco eram contabilizados de forma a reduzir a conta de fornecedores, e não como uma despesa financeira da empresa varejista.

Assim, a Americanas acumulou uma dívida bilionária com fornecedores que não era de conhecimento do mercado financeiro e dos investidores. Quando a conta veio à tona, o mercado se deu conta de que os níveis de endividamento da companhia haviam se deteriorado de forma acentuada.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.