Governo Lula terá que compensar aumento de despesas com impostos, avalia Genoa

Igor Velecico, economista-chefe e sócio da gestora Genoa Capital, diz à Bloomberg Línea que incertezas fiscais estão levando a aperto não trivial das condições financeiras

Presidente eleito Lula: equipe negocia aumento de gastos para bancar o pagamento do Bolsa Família, novo nome do Auxílio Brasil
(Andressa Anholete/Bloomberg)
07 de Dezembro, 2022 | 07:55 AM

Bloomberg Línea — O aumento de despesas fora do teto de gastos previsto na PEC da Transição, da ordem de pelo menos R$ 145 bilhões, irá exigir do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) uma compensação na mesma medida para manter as contas públicas em equilíbrio e evitar que a dívida pública ingresse em uma trajetória de alta excessiva. A avaliação é de Igor Velecico, economista-chefe e sócio da Genoa Capital, gestora com R$ 13 bilhões em ativos sob gestão, em entrevista à Bloomberg Línea.

Para Velecico, será necessário ampliar a arrecadação por meio de aumento da carga tributária ou redução de benefícios fiscais (ou ambos) para financiar a expansão das despesas. Se o governo Lula decidir não fazer isso, a consequência será a manutenção ou o agravamento do cenário atual. “A incerteza a respeito do tamanho do waiver e das compensações está gerando um aperto de condições financeiras que não é trivial.”

“A discussão principal é que um waiver [mecanismo para permitir os gastos extraordinários] exageradamente grande demanda um ajuste proporcional dos impostos que pode levar a uma agenda difícil de ser implementada nos próximos anos. E o Brasil poderia persistir com mais déficit durante mais tempo”, disse o economista.

Diante do maior risco fiscal, recentemente a gestora zerou a posição levemente comprada em real contra o dólar e reduziu a aposta em ações brasileiras em sua estratégia multimercado, segundo a Bloomberg News.

PUBLICIDADE

Velecico afirmou que mudou sua projeção para a Selic em razão das incertezas fiscais. Agora, ele avalia que o Banco Central terá que manter os juros elevados por mais tempo e prevê que a taxa básica de juros deve encerrar o ano que vem em 12,25% ao ano. Atualmente está em 13,75%.

Nesse cenário, a atividade econômica deve ser prejudicada, com uma possível desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) maior do que a esperada, além de ser um ambiente mais difícil para a política monetária do Banco Central.

“Diante dessa incerteza fiscal, aumenta a chance de as expectativas de médio prazo do Focus continuarem desancorando”, afirmou o economista.

PUBLICIDADE

Leia a seguir os principais trechos da entrevista, editada para fins de clareza:

Bloomberg Línea: As discussões da PEC da Transição giram em torno de uma despesa que varia de R$ 70 bilhões a R$ 200 bilhões fora do teto de gastos [a PEC que deve ser votada nesta quarta prevê R$ 145 bilhões fora do teto só para o Bolsa Família, valor definido após a entrevista]. Qual é o impacto dessas propostas para as contas públicas e a trajetória da dívida?

Igor Velecico: O governo tem todo o direito de pleitear mais gastos, e um waiver maior, para atender demandas da sociedade ou demandas do próprio governo. Retirar o Auxílio Brasil do teto de gastos, no fundo, abre R$ 175 bilhões de espaço fiscal. A conta exata é um pouco acima disso. É um pleito legítimo, mas é um número alto.

Sem nenhuma compensação, ele [o governo] vai levar o déficit público para a casa dos 2% do PIB. Seria preciso aumentar a arrecadação alguma coisa na ordem de 2% a 3% do PIB para trazer a economia de volta para um patamar em que a dívida para de crescer e para trazer a Selic para o patamar de juro neutro. Ou seja, é preciso arranjar de R$ 200 bilhões a R$ 300 bilhões de impostos, com aumento de carga tributária para financiar isso.

Essa conta precisa ser fechada. A dúvida do mercado é pelo fato de que será preciso arranjar uma compensação muito maior do outro lado. Nós sabemos que o Brasil tem dificuldades em aumentar imposto e diminuir subsídios. Não é à toa que esses subsídios existem e estão aí há tanto tempo. Veja o caso da Zona Franca, do próprio Simples, do MEI. Tem uma série de dificuldades de fazer ajustes. O caminho mais seguro era não ir na linha de um waiver tão grande. Isso gera estresse no mercado.

O nosso base case [cenário base] é que o Congresso deve diminuir o montante desse waiver por diversas razões. E o governo, ao ver o waiver diminuído para alguma coisa perto de R$ 100 bilhões ou R$ 150 bilhões, se daria por satisfeito e atendido em seus pedidos essenciais.

A discussão principal é que um waiver exageradamente grande demanda um ajuste proporcional dos impostos que pode levar a uma agenda difícil de ser implementada nos próximos anos. E o Brasil poderia persistir com mais déficit durante mais tempo.

PUBLICIDADE

Qual seria o tamanho adequado do waiver?

O tamanho importa menos. O que precisa é de uma compensação. Um waiver na casa de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões vai demandar alguma coisa como 1% de aumento de carga tributária para o país estabilizar o cenário de dívida/PIB. O que mais ou menos fizer de waiver, o governo vai ter que aumentar um pouco mais ou menos de carga tributária. Porque o país está indo para déficits.

“O caminho mais seguro era não ir na linha de um waiver tão grande. Isso gera estresse no mercado.”

Igor Velecico, Genoa

Em que sentido?

Nós tivemos uma surpresa de arrecadação em 2021 e 2022. Essa surpresa, na visão da casa, é até mais perene do que temporária. Ela se deve a inúmeros fatores. Mas tem um quê de cíclico, temporário, que vai fazer com que a arrecadação sobre o PIB diminua um pouco. Seja porque preço de commodities cai ou mesmo por causa do próprio ciclo econômico.

PUBLICIDADE

Não é uma situação em que as receitas vão continuar surpreendendo para cima. Vai precisar arranjar compensação, e compensação é via aumento de carga tributária mesmo. Ou uma ampliação de base por meio de uma reforma tributária.

Alerta para consequências de o governo eventualmente decidir não compensar o aumento de gastos que está propondodfd

Chegaram a fazer algum cálculo sobre o impacto dessas medidas para a trajetória da dívida?

O que vamos precisar fazer é trazer justamente o déficit para um superávit de alguma coisa próxima a 2% do PIB. Neste ano de 2022, o país vai ter um superávit razoável. Alguma coisa próxima de 1,2% do PIB. As contas de 2022 foram bem. Mas nós sabemos que diversas medidas foram tomadas na metade de 2022 vão deixar um número negativo para 2023. A própria projeção oficial do governo é a de um déficit na casa de 0,5% do PIB. Aqui na Genoa, trabalhamos com um déficit de 1,3% do PIB.

Se o pedido do waiver do governo for ainda maior, vamos para um déficit além desses 1,3%. Para trazer o déficit de 1,3% para os 2% de superávit não basta só ter crescimento econômico. Precisa de medidas compensatórias. Estamos falando aí de, por enquanto, 1% de aumento de impostos. Se o waiver for maior, aumenta a necessidade de compensação. É um ajuste razoável da arrecadação. Não é pequeno.

PUBLICIDADE

O que levam em conta para essa projeção de 1,3% de déficit?

Nós levamos em consideração que o tamanho do waiver vai ser em torno de R$ 150 bilhões. Vão estar atendidos o aumento de R$ 200 do Auxílio Brasil. Ou seja, o governo consegue manter o pagamento de R$ 600. Inclui também o orçamento de R$ 150 por criança. E aumentam os gastos discricionários para atender aquela série de programas de merenda, farmácia popular e aumento de investimentos públicos.

PUBLICIDADE

Não é exatamente o mesmo montante dos R$ 175 bilhões. Mas também abaixo do montante que se tinha anteriormente, de R$ 198 bilhões, se incluir investimentos, e de R$ 220 bilhões se não fizer a revisão da inflação, que norteia os gastos em 2023.

Qual é a projeção para a arrecadação?

Nós temos uma arrecadação que fica de lado em 2022. Ela sai de 19,7% do PIB para 19,1%. E basicamente o que está acontecendo aqui é uma diminuição do pagamento de dividendos [das estatais]. O preço do petróleo não vai vigorar tão alto quanto vigorou em 2022, levando em conta o preço médio em reais. Isso deve gerar menos arrecadação. Essa é a parte transitória da arrecadação alta em 2022. Os preços do petróleo ajudaram as contas públicas inequivocamente. Só que essa é a parte mais cíclica. Isso vai tirar mais ou menos 0,5 ponto de PIB de arrecadação.

PUBLICIDADE

Como o cenário fiscal afeta a atividade econômica?

A incerteza a respeito do tamanho do waiver e das compensações está gerando um aperto de condições financeiras que não é trivial. O mercado trabalhava com cortes de juros já a partir do segundo trimestre do ano. Existia uma discussão inclusive de antecipar esses cortes para o primeiro trimestre. Porque a inflação estava caindo, a atividade estava desacelerando, até mais rápido do que algumas pessoas imaginavam, e o câmbio estava encostando nos R$ 5.

O que se viu mais recentemente com essa discussão toda foi o aumento da incerteza. O câmbio depreciou. Isso vai jogar para cima as projeções do Banco Central. E a curva de juros subiu bastante. Tirou todas as quedas nos próximos meses e inclusive colocou altas. Isso representa um aperto de condições financeiras que não é irrelevante.

PUBLICIDADE

O crescimento da economia é prejudicado?

Provavelmente veremos uma desaceleração da economia um pouco maior do que nós estávamos imaginando nesta virada de ano. Nós já achávamos que teria PIB negativo no primeiro e no segundo trimestre do ano que vem. Provavelmente vai ser alguma coisa ainda mais baixa.

Óbvio que, daqui a pouco, essa insegurança fiscal toda se dissipa. Vai ter apresentação das compensações e aí o mercado vai conseguir fazer a conta de qual vai ser a trajetória dos déficits e, portanto, o prêmio de risco que vai precisar ser embutido na curva de juros.

PUBLICIDADE

Ou vamos para esse cenário de cauda em que nada é financiado, e aí podemos ir para um cenário mais extremo. Viver sob essa incerteza que estamos vivendo agora não faz muito sentido. A curva de juros está toda plana, próximo dos 14% olhando bem para frente. Não parece que é um equilíbrio estável.

“Selic poderia cair alguma coisa como 350 pontos e agora vai cair 200 pontos ou alguma coisa em torno disso.”

Igor Velecico, Genoa Capital

O que projetam para a atividade e para a Selic nesse cenário?

Para a atividade, nós prevemos um ligeiro crescimento para o ano que vem, de 0,5%. Tem um pouco de safra agrícola que puxa bastante o PIB. A agricultura deve crescer mais de 10%. Só isso já dá 0,5 ponto de PIB. E o PIB, excluindo o agro, deve ficar estável.

Para a Selic, antes dessa discussão fiscal, tínhamos um cenário de que os juros cairiam mais do que o mercado acreditava. Nós prevíamos uma Selic indo para 10%. O Focus estava próximo de 11%. Logo depois da sinalização de um waiver maior, fizemos uma revisão para cima, para cerca de 11,25%. Estamos em compasso de aguardo para esperar a definição se vai aumentar de fato para os R$ 175 bilhões. Se for pior do que estamos esperando, provavelmente vamos reajustar isso para cima novamente [a projeção foi revista após a entrevista e subiu para 12,25%].

É uma Selic que podia cair alguma coisa como 350 pontos [3,50 pontos porcentuais] e agora vai cair 200 pontos ou alguma coisa em torno disso.

É um cenário que ficou pior para o Banco Central. Diante dessa incerteza fiscal, aumenta a chance de as expectativas de médio prazo do Focus continuarem desancorando. Pelo menos esse foi o movimento que vimos no mercado, nas inflações implícitas. Quase todas abriram e estão desancoradas. Sabemos que essa é uma medida mais nervosa, mas elas desancoraram. Esse é o fato objetivo.

Estão prevendo que o BC agora só vai conseguir baixar os juros mais para frente?

Sim. Por enquanto, estamos com projeção de quedas a partir do terceiro trimestre. Todo mundo tinha uma discussão de segundo trimestre, podendo antecipar. Agora é o terceiro trimestre, podendo postergar.

-- Atualizada às 10h32 para incluir a nova projeção da Genoa para a Selic em 2023, agora em 12,25% e não mais 11,25%.

Leia também

Combo com ministro e PEC ‘indesejáveis’ levaria dólar a R$ 6, diz Opportunity

AZ Quest: Bolsa está de graça, mas pode sair cara em caso de ‘trem fantasma fiscal’

Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.