É possível um litro de iogurte custar mais que uísque? Na Venezuela, sim

Fenômenos econômicos ocorridos no país tornaram a importação muito mais lucrativa, principalmente com isenção de tributos

Atualmente, valor gira em torno de US$ 10 a US$ 12 por litro
13 de Agosto, 2022 | 07:26 PM

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Bloomberg Línea — Verificar o preço de um produto duas ou três vezes tornou-se comum na Venezuela. Não é um truque: o valor da etiqueta está em dólares, mas muitas vezes é alto demais, principalmente dependendo do produto em questão.

O custo de um litro de iogurte líquido, seja ele com frutas ou natural, aumentou consideravelmente nos últimos meses e está atualmente entre US$ 10 e US$ 12, dependendo do fabricante.

“Nem em Dubai” é o comentário que se destaca nas redes sociais, pois o aumento do preço do iogurte é comparado com itens importados, como um litro de uísque, que está entre US$ 7 e US$ 11.

“O preço do leite vem aumentando substancialmente, principalmente agora que a seca está começando. Na indústria, embora haja uma ênfase em tentar manter os preços mais baixos, os custos de produção continuam subindo, e não há relação direta entre o custo de fabricação dos produtos e os salários”, disse Roger Figueroa, presidente da Câmara Venezuelana da Indústria Láctea (Cavilac), em entrevista à Bloomberg Línea.

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O preço do iogurte venezuelano (que chega a superar o preço do mesmo produto em até 1.550% em comparação com outros países da região), não é o único produto que está passando por uma distorção econômica em seus custos na Venezuela.

Esta referência foi analisada pelo economista Víctor Álvarez, que, em seu artigo mais recente, foca na diferença de custo entre o salmão norueguês defumado e a carne de porco frita nacional, sendo esta mais cara por ser afetada pelo mesmo fenômeno.

“Em vez de produzir em um país castigado pelos aumentos no custo gerados por cortes de energia, racionamento de água, escassez de gás industrial, telecomunicações deficientes, infraestrutura deteriorada e migração de talentos humanos, o negócio mais lucrativo é importar, principalmente se as importações estiverem isentas do pagamento de tarifas e impostos”, diz Álvarez em seu artigo.

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Desde 2019, o governo de Nicolás Maduro vem ampliando um benefício fiscal para importações, incluindo de leite, carne, grãos, trigo, aveia, doces e preparados de cacau, entre outros alimentos. A maior vantagem nesta equação fica para as mais de 100 mercearias da capital.

A supervalorização da moeda nacional é outro elemento considerado por especialistas, que afirmam que faz parte de uma estratégia artificial implementada pelo governo para estabilizar a taxa de câmbio, cujo valor real é projetado em mais de 20 bolívares, mais que o preço oficial atual de 5,7 bolívares por dólar, de acordo com o Banco Central da Venezuela.

E é no mercado real que as irregularidades cambiais se revelam diante de uma aceleração contínua dos preços em dólares enquanto o poder de compra dos venezuelanos em bolívares continua caindo.

Nestas condições de supervalorização da taxa de câmbio, isenção de tarifas e impostos, a promessa do governo de substituir as importações pela produção nacional para abastecer o mercado interno e a exportação é inviável”, insiste Álvarez em seu artigo, ao mesmo tempo em que faz ao Palácio Miraflores o mesmo pedido feito pelos setores produtivos: corrigir as condições de concorrência contra os produtos importados.

Obviamente, entende-se que isso implicaria uma desvalorização do bolívar para encarecer as importações, elevando a tarifa para 30% e o imposto de valor agregado para 16%, segundo cálculos do economista feitos para a elaboração de seu artigo.

O representante da Cavilac também explica que, se a atual desproporção entre o poder de compra do venezuelano e o que ele descreve como a “pulverização do bolívar” não for abordada, e se as importações continuarem favorecidas em detrimento da produção nacional, o aumento das mercadorias poderá ser ainda maior até o final do ano.

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Raylí Luján

Jornalista venezuelano. Coordenei a edição impressa de El Nuevo País e escrevi para o jornal El Nacional. Colaborei para meios digitais como Prodavinci e ganhei o prémio Roche 2021 pelo trabalho colaborativo #HuirMigrarParir, juntamente com La Vida de Nos.