Por que cada vez mais fintechs estão comprando bancos na América Latina

Brasileira Creditas, mexicana Credijusto e argentina Ualá adquiriram licenças bancárias para adicionar formas de captação de recursos

Carlos Aso, CEO de Andbank (à esquerda) e Sergio Furio, CEO de Creditas
21 de Julho, 2022 | 07:22 PM

Bloomberg Línea — Não é novidade que os bancos brasileiros estão comprando fintechs. Mas a recíproca também é verdadeira. Fintechs estão comprando bancos na América Latina.

As fintechs, startups que usam tecnologia para o setor financeiro, não são bancos, embora o nome da fintech mais famosa da América Latina, o Nubank (NU), possa erroneamente sugerir que a empresa seja um banco.

O Nubank não possui licença bancária. No Brasil, a empresa funciona como uma instituição de pagamento e uma instituição financeira. Isso significa que ela não consegue captar recursos da mesma forma que bancos, mas principalmente por meio da emissão de títulos. Mas há fintechs que buscam se tornar, de fato, bancos, para agregar e oferecer diferentes tipos de financiamento.

Apostar na compra de bancos tradicionais ajuda as startups latinas a acelerar a aquisição de clientes e acessar licenças que lhes permitem operar outros serviços além daqueles que possuem como fintech.

PUBLICIDADE

Tudo começou quando a fintech mexicana Credijusto adquiriu o banco Finterra no ano passado, por quase US$ 50 milhões.

“Comprar um banco regulamentado no México foi uma conquista muito importante para nós, pois nos dá muitas ferramentas para apoiar nossos clientes, oferecer um serviço bancário e também serviços de crédito”, disse David Poritz, co-CEO e fundador da Credijusto, em entrevista à Bloomberg Línea.

Em junho completou um ano que a autoridade mexicana, a Comissão Nacional de Bancos e Valores Mobiliários (CNBV), autorizou a aquisição. Em maio, a Credijusto mudou de nome para Covalto.

PUBLICIDADE

Como banco, a startup agora oferece serviços de crédito, serviços bancários e produtos que ajudam as empresas a gerenciar seus próprios negócios para também fornecer outros serviços financeiros para companhias maiores, e não apenas para PMEs, como no início.

Depois foi a vez do unicórnio argentino Ualá. A resposta da Argentina ao Nubank já conta com duas transações. A Ualá comprou o Wilobank na Argentina (já aprovada pelo banco central do país) e a ABC Capital no México (pendente de aprovação da CNBV).

E, há algumas semanas, o movimento chegou ao Brasil: o unicórnio brasileiro Creditas comprou a licença bancária do Andbank no país.

As fintechs estão começando a ganhar força comprando instituições tradicionais, não apenas bancos, mas também corretoras. A mexicana Flink adquiriu a Vifaru Casa de Bolsa em maio para dobrar seu número de investidores.

Por que fintechs compram bancos?

“Nos Estados Unidos e na Europa, há mais de cinco anos, fintechs já solicitavam licenças bancárias e também compravam bancos”, diz Poritz. E essa tendência chega à América Latina à medida que o ecossistema fintech se fortalece.

No caso da Covalto, o principal motivo da compra da Finterra, segundo Poritz, foi a necessidade de oferecer crédito a mais pessoas.

Allan Apoj Pascal e David Poritz, cofundadores na Credijusto (Covalto)dfd

“Se queremos escalar, ter um custo de financiamento muito mais baixo e uma base de financiamento muito mais diversificada é fundamental”, acrescenta Poritz.

PUBLICIDADE

Ele afirma que essa transação era necessária “especialmente neste momento em que há muito pouca liquidez no mercado no México, porque os bancos não estão mais emprestando para fintechs e é literalmente para esses momentos que temos uma base de depósitos”.

Andrés Rodríguez Ledermann, Wealth Manager da Ualá, diz que o neobank precisava de uma licença de depósito e corretagem para desenvolver pagamentos, assistência de crédito e investimentos. “No final das contas, quando você tem que fazer empréstimos com capital próprio, o custo do financiamento é mais caro e você acaba transferindo isso para o usuário final de alguma forma”, disse ele à Bloomberg Línea.

Sem uma licença bancária, Rodríguez diz que os bancos digitais não podem competir adequadamente com instituições que podem captar depósitos e intermediar esse dinheiro como um banco.

“Estávamos cada vez maiores, tínhamos mais transações, mas tínhamos a possibilidade de ser mais eficientes, principalmente nas verticais de negócios mais importantes, ou seja, meios de pagamento e empréstimos”.

PUBLICIDADE

Depois de mais de um ano pendente de licença bancária na Argentina, a Ualá obteve a aprovação para ter o controle do Wilobank. E agora a empresa espera obter a aprovação do órgão antitruste mexicano para a transação com a ABC Capital.

O início de uma tendência na América Latina

Alfredo Castellanos, sócio-gerente da Glisco Partners, considera que as fintechs provavelmente continuarão comprando bancos.

“As fintechs estão acelerando o processo para conseguir captar recursos. Quem tem capital, quem tem caixa, vai poder continuar comprando bancos”, diz.

Rodríguez, da Ualá, considera que são poucas as fintechs que têm tamanho para poder realizar esse tipo de transação e precisam de rodadas de investimento “que possam de alguma forma dar aos reguladores a confiança de que não haverá problemas de capital e que poderão ter atividade bancária normal.”

PUBLICIDADE

Poritz complementa que há vários benefícios em ter um banco, mas também significa gerenciar um relacionamento muito próximo com o regulador. Para ele, ter um banco e diversificar as captações dá à empresa a certeza não só de sobreviver, mas também de crescer nestes tempos de incerteza econômica que se vive.

No primeiro aniversário da Covalto, Poritz compartilha que a empresa está implementando novas tecnologias e novos sistemas. “Estamos crescendo o banco muito rápido. Já estamos captando depósitos e acho que temos um plano muito robusto”, afirma.

PUBLICIDADE

O plano é crescer a uma taxa de 100% ao ano “para se tornar um grande player do setor bancário”.

Rodríguez, da Ualá, considera que “as licenças bancárias são importantes para que o produto seja melhor, mais profundo e tenha melhores custos e, portanto, melhor preço para o usuário”.

Há algumas semanas, o unicórnio fintech brasileiro Creditas adquiriu a licença do Andbank no Brasil por R$ 500 milhões. Sergio Furio, CEO da Creditas, disse à Bloomberg Línea que, com a transação, eles não estão se tornando um banco, mas, sim, agregando novas fontes de financiamento. “Teremos um banco e esse banco complementará nossas fontes de financiamento e depósitos para sermos mais eficiente no financiamento, aumentarmos as margens e reduzirmos o custo para o cliente.”

PUBLICIDADE

A Creditas, avaliada em US$ 4,8 bilhões, já possui uma licença SCD (Sociedade de Crédito Direto) no Brasil, mas agora está adicionando uma licença bancária para expandir a captação de depósitos para empréstimos com garantia.

Mesmo com a Creditas como proprietária, o Andbank continuará com sua operação de private banking e gestão de ativos como entidade independente.

O lado do banco

Em entrevista à Bloomberg Línea, Carlos Foz, CEO do Andbank no Brasil, disse que o único ponto que mudou com a aquisição da Creditas é que agora eles possuem uma licença que o banco não usava.

PUBLICIDADE

“Nosso foco, a gestão de patrimônio de private banking, que é nosso negócio no mundo, continua existindo no Brasil. O Brasil continua estratégico para o Andbank. Os investimentos seguem sendo feitos e, por exemplo, estamos recebendo um importante aporte de capital”, disse Foz.

“Hoje, como instituição financeira, temos duas licenças. Em um negócio de private banking eu não preciso de licença bancária. Eu não sou um banco de crédito. Não sou um banco comercial. Não é nosso negócio”.

Foz diz que Furio tem uma relação próxima com Carlos Aso, CEO global do Andbank, que tinha uma licença bancária que não usava - e daí a decisão de vendê-la para a Creditas. Agora, o Andbank tem uma participação acionária em uma das maiores fintechs do Brasil e usará a Creditas para produtos de crédito. Sergio Furio tem a opção de se tornar sócio do Andbank, mas ainda não a exerceu.

PUBLICIDADE

Corretoras

A Flink adquiriu a Vifaru Casa de Bolsa em maio por US$ 25 milhões, disse seu CEO e cofundador, Sergio Jiménez Amozurrutia, à Bloomberg Línea.

A aquisição ainda está em processo de autorização pelo regulador mexicano. A Flink é a primeira startup a adquirir uma corretora no México. No Brasil, o Nubank comprou a Easynvest em setembro de 2020.

A integração da Vifaru à plataforma do Flink permite que a empresa ofereça investimentos, aproximando-se dos negócios de um banco tradicional.

Jiménez diz que os usuários agora podem investir na Bolsa de Valores de Nova York por meio do aplicativo da fintech.

- Com assistência de Isabela Fleischmann.

Leia também:

Entenda por que a Amazon vai pagar US$ 3,9 bi por uma empresa de saúde

Yanin Alfaro (BR)

Jornalista com experiência em startups e tecnologia