Gilmar Mendes: ‘Um dos legados de Bolsonaro foi devolver Moro para o nada’

Exclusivo: Decano do Supremo diz que não vê risco à democracia e defende decisões contra a Lava Jato no STF: “Quem anulou trabalho foi quem fez mal feito.”

"Quem anulou o trabalho foi quem fez mal feito."
22 de Março, 2022 | 12:24 PM

Decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes não acredita que haja risco de contestação do resultado das eleições deste ano porque, segundo ele, o país construiu um modelo estável de eleições livres, transparentes e historicamente com alternância de poder.

Na entrevista exclusiva à Bloomberg Línea, o ministro narrou um encontro que teve com Jair Bolsonaro, onde ouviu do presidente um lamento por ter nomeado o ex-juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça.

“Um dia ele me disse: ‘Olha, cometemos muitos erros e entre eles está ter nomeado Sergio Moro. Se tivéssemos um ano de experiência antes, talvez não tivéssemos feito isso’”, disse o presidente, segundo o relato do ministro.

“Eu disse: ‘Não, presidente. Entre os seus legados está ter nomeado Sergio Moro ministro da Justiça e depois tê-lo devolvido para o nada’.” Moro, na verdade, pediu demissão do Ministério da Justiça em abril de 2020, acusando o presidente de tentar interferir politicamente na Polícia Federal.

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Gilmar Mendes completa em junho 20 anos como ministro do STF. Ele foi nomeado por Fernando Henrique Cardoso, depois de ter sido uma peça-chave do governo tucano, como advogado-geral da União, no enfrentamento do apagão de 2001. Coube a Gilmar ingressar com Ação Declaratória de Constitucionalidade, que evitou a concretização da ameaça de grande quantidade de ações contra a Medida Provisória que lidou com a crise energética.

Felizmente, esses personagens não têm tido muito sucesso na política. Fazem um mandato e depois já não conseguem mais

Durante a operação Satiagraha, em 2008, quando concedeu dois habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas, criticou a PF por realizar “operações espetaculosas” – algo que voltou à ordem do dia com a Lava Jato. Naquela época, o delegado Protógenes Queiroz, que conduziu as investigações, foi eleito deputado na eleição seguinte – o que se repetiria no futuro com outros agentes do Estado, que após terem alcançado projeção em investigações e processos, disputando eleições.

“Felizmente, esses personagens não têm tido muito sucesso na política. Fazem um mandato e depois já não conseguem mais, como o delegado Protógenes, o juiz Witzel, do Rio de Janeiro, que sequer conseguiu completar o primeiro mandato”, afirma.

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Entre seus votos mais célebres estão: o dado a favor da demarcação contínua das terras da reserva indígena Raposa Serra do Sol, assim como a maioria do plenário, contra a revisão da Lei da Anistia e a favor da revisão da Lei de Imprensa de 1967, a favor da união civil entre pessoas do mesmo sexo e contra a Lei da Ficha Limpa.

A acidez dirigida a Moro, hoje pré-candidato a presidente pelo Podemos, é parte do estilo confrontador do decano. Crítico da Lava Jato – sobretudo, dos métodos expostos na chamada Vaza Jato, onde as conversas do então juiz Moro com o chefe da força-tarefa da Procuradoria Deltan Dallagnol foram interceptadas ilegalmente por um hacker –, Gilmar Mendes diz que a operação deixou “um legado de como não fazer determinadas coisas.”

E sobre as nulidades decretadas pelo STF na Lava Jato, como a que reabilitou o ex-presidente Lula para o jogo eleitoral, Gilmar é categórico: “Quem anulou trabalho foi quem fez mal feito.”

A seguir, os principais pontos da entrevista concedida à Bloomberg Línea.

Bloomberg Línea: Na semana passada, o presidente do PL esteve com o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, e com o ministro Alexandre de Moraes. Na conversa, pelo que se noticiou, ele garantiu que o resultado das urnas seria seguido, que o partido se comprometia a respeitar o resultado das eleições. O que isso diz do atual estado da nossa democracia?

Gilmar Mendes: Não vou fazer comentários sobre isso, porque não conheço esse tipo de comentário ou de declaração. Mas eu acho que se trata apenas da declaração do óbvio. Temos tido desde 1988 eleições regulares e com alternância de poder, vários partidos. A população tem feito esse teste de pessoas de diferentes partidos e tem-se cumprido esse ritual. Os próprios militares certamente tiveram suas reservas em relação, por exemplo, à chapa Tancredo/Sarney. Sobretudo porque ao fim e ao cabo resultou na eleição consolidada de Sarney. Então, naquele momento, havia aquelas discussões sobre defecção e tal, e o máximo que se permitiu foi um gesto do presidente Figueiredo de dizer que não faria a transposição da faixa, e saiu do Palácio pelos fundos. Uma situação, portanto, apenas folclórica hoje. Acho que não há nenhuma dúvida de que as eleições cumprirão seus rituais, de que o sistema de urna eletrônica é confiável e quem ganhar as eleições vai ser empossado.

BL: O presidente da República costuma criticar o sistema e dizer que ele não é confiável.

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GM: Não vou fazer comentários sobre declarações do presidente da República. Mas, em geral, esses modelos muito calcados no populismo engendram determinados moinhos de vento para contra eles combater. E acho que, nesse sentido, a urna eletrônica virou o bode expiatório. Num dado momento aparecem esses gênios da garrafa dizendo que aqui ou acolá houve sinais de que pode haver fraude, quando a gente sabe que o Brasil instalou o sistema eletrônico - e este sistema eletrônico - exatamente para combater as fraudes que havia no modelo anterior. Então eu acho que todos estão certos disso. O próprio presidente Bolsonaro disputou em eleições antes da eleição presidencial e ganhou-as todas, eleições parlamentares, e seus filhos. Ele elegeu uma bancada que é bastante singular. Se olharmos esses deputados do PSL, são eleições implausíveis. E não estou dizendo que eles não ganharam a eleição. Eles ganharam uma eleição singular, em que o puxador de voto era o Bolsonaro. O próprio Hélio Negão tinha sido candidato a vereador na Baixada Fluminense e tinha tido 500 votos. Eu vou dizer que a eleição do Hélio Negão foi fraudada? Não. Foi o espelho daquilo que estava nas urnas.

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BL: O sr. vê risco de acontecer aqui no Brasil o que aconteceu nos EUA, com a invasão do Capitólio, em janeiro do ano passado?

GM: Não vislumbro essa possibilidade, não. Acho que há maturidade suficiente. Sempre haverá descontentes. Em qualquer eleição há frustração. Vimos lá atrás, em 2014, a expectativa que se tinha em relação à possível derrota da presidente Dilma, que não ocorreu. Já ouvi do presidente da República afirmações segundo as quais o Aécio teria ganhado a eleição e, portanto, foi alvo de fraude. E quando a gente percebe é que o Aécio perdeu as eleições em Minas Gerais. O candidato do Aécio perdeu a eleição em Minas. Ao perder a eleição em Minas Gerais, ele perdeu a eleição nacional.

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BL: O presidente falou isso pessoalmente para o sr?

Sim, ele fez esse comentário. E aí depois disse “ah, eu ganhei no primeiro turno!” Não, não ganhou no primeiro turno. Se a gente for olhar o histórico das eleições, e eu estava no TSE [em 2018], só o Fernando Henrique ganhou as duas eleições em primeiro turno. Os demais, todos passaram por segundo turno. Lula, no auge da popularidade, passou pelo segundo turno. Faz parte.

Precisamos continuar ativos no combate à corrupção. Mas tenho a impressão que as ações espetaculares que se fazem em nome do combate à corrupção, ou em nome do combate à criminalidade em geral, têm que ser reduzidas a determinados termos. Isso acaba por comprometer a própria seriedade da investigação

BL: Hoje, tantos anos depois, estamos em ano eleitoral de novo e a corrupção já não é mais a preocupação principal do eleitor. Qual o legado da Operação Lava Jato?

GM: Certamente, nós temos um número razoável de legados e de aprendizados em relação a essa temática. A Lava Jato também não foi a primeira e nem a última operação de combate à corrupção. Vimos, lamentavelmente, o episódio recente da pandemia, todos esses desvios e episódios relacionados à compra de respiradores e tudo mais, associados à corrupção. Portanto, precisamos continuar ativos no combate à corrupção. Mas tenho a impressão que as ações espetaculares que se fazem em nome do combate à corrupção, ou em nome do combate à criminalidade em geral, têm que ser reduzidas a determinados termos. Isso acaba por comprometer a própria seriedade da investigação. E acaba não levando a bons resultados.

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Todos nós acompanhamos aquele episódio que levou ao suicídio do reitor da UFSC, Cancellier. Ora, episódio lamentável. E ali se faziam imputações a ele de que ele estaria obstruindo as investigações. De que teria desviado R$ 80 milhões, quando ele sequer era reitor à época dos fatos. E aí vem toda uma necessidade de justificar perante a opinião pública a ação espetacular. Eles falavam de R$ 80 milhões de desvios, mas o programa de EAD que estava sendo investigado era de R$ 80 milhões. O orçamento global era de R$ 80 milhões. Então todas essas entrevistas que procuradores e delegados fazem, isso hoje nem encontra abrigo na Lei de Abuso de Autoridade, ela cobra que isso não se faça.

Acho que temos que melhorar bastante a área de investigação. A própria Lava Jato nos deixa um legado de como não fazer determinadas coisas. A chamada Vaza Jato mostrava um diálogo intenso entre o juiz e os procuradores. Recentemente, o ex-juiz e ex-ministro Moro, declarou que ele chefiou a operação Lava Jato. Portanto, ele era o chefe dos procuradores, era o chefe dos delegados, era o chefe da Receita Federal. Aparece um personagem que tem sido muito esquecido nos últimos tempos, mas que mostra o tamanho do desvio que se praticou, chamado Roberto Leonel. Era o chefe da Receita em Curitiba e prestava serviços à Lava Jato, inclusive fazendo investigações clandestinas no âmbito da Receita. Aparece isso na Vaza Jato.

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Então você vê que aqui há um aprendizado de como não se fazer, e acho que isso envolve o Judiciário. Fizemos e temos ainda esse juiz do Rio de Janeiro, da 7a Vara, o juiz Bretas, que hoje é cantado em prosa e verso como um juiz bastante peculiar. Inclusive nas suas vinculações com dado advogado de nome Nithalmar. Não sei por que a Justiça demora tanto para discutir essa temática.

Tivemos a chamada Moro do Pantanal, a juíza Selma, que se elegeu em Mato Grosso, e naquele momento ela já recebia recursos do seu suplente para fazer a campanha e já era orientada por um marqueteiro. Enquanto juíza! Recebeu mais de R$ 900 mil na sua conta pessoal, enquanto juíza. E o marqueteiro a orientava a selecionar os processos do Pedro Canário, do Gilmar e tal, porque aquilo a projetaria ainda mais nas eleições. Ela conseguiu se eleger e depois foi cassada pelo TRE, pelos seus colegas do Mato Grosso. Essa decisão foi confirmada no TSE com uma única divergência, do ministro Fachin. Esta senhora integrava o Podemos, esse partido que lançou o Moro.

Quem anulou trabalho foi quem fez mal feito! Por isso é preciso ter cuidado. Os delegados têm que ter cuidado, os promotores e os juízes têm que ter cuidado. Isso tudo recomenda cuidado

Então veja as distorções que perpetramos ao longo do tempo. Tudo isso é um aprendizado e um legado, mas basicamente nos ensina como não fazer. Todas essas nulidades que acabam por ser verificadas têm consequências. E aí se diz “ah, o tribunal agora anulou todo um trabalho”. Quem anulou trabalho foi quem fez mal feito! Por isso é preciso ter cuidado. Os delegados têm que ter cuidado, os promotores e os juízes têm que ter cuidado. Isso tudo recomenda cuidado.

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Claro que vivemos aquele período de grande espetaculosidade, tínhamos um procurador-geral que não primava pelo cuidado, pela responsabilidade, o procurador-geral Janot. Ele mesmo declarou que a partir das três horas da tarde normalmente já estava embriagado, portanto… Vocês vivem na imprensa divulgando a ideia de “se beber, não dirija”, isto vale para carros e vale para órgãos. Quer dizer, isso é um aprendizado de como não fazer, de como não escolher determinados personagens e como devemos ter cautelas nessa atividade que é fundamental. Muitas vezes, você tem linhas investigativas, pressupostos, hipóteses de trabalho que não se confirmam e o normal é a polícia dizer “olha, essa investigação não resultou positiva”. Mas isso é cumprir os ditames do Estado de Direito. E não torturar os fatos ou torturar as pessoas para obter uma delação falsa. O próprio Congresso vem fazendo corrigendas na legislação. Agora, claro, tem que se continuar a combater o crime, tem que se continuar combatendo a corrupção, claro.

BL: Como controlar isso?

GM: Acho que a Lei de Abuso de Autoridade, depois de mais de dez anos de sua formulação inicial, já dá algum instrumento. Certamente, haverá meios e modos de buscar algum tipo de responsabilidade. Acho que a viagem do Moro, sai de Curitiba, se torna ministro da Justiça, depois é demitido do governo Bolsonaro e volta pra essa confusão, para essa barafunda em que ele se meteu – vai prestar serviço para um empresa americana que é beneficiária das suas próprias decisões –, depois decide ser candidato, já é uma pena em si mesmo.

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Já disse isso até ao presidente Bolsonaro. Um dia ele me disse: “Olha, cometemos muitos erros e entre eles está ter nomeado Sergio Moro. Se tivéssemos um ano de experiência antes, talvez não tivéssemos feito isso”. Eu disse: “Não, presidente. Entre os seus legados está ter nomeado Sergio Moro ministro da Justiça e depois tê-lo devolvido para o nada”.

BL: O sr vê necessidade de algum tipo de reforma no modelo do MP? Lembro que o próprio ministro Sepúlveda Pertence, considerado o pai desse modelo de atuação com ampla independência do MP, parafraseou o general Golbery do Couto e Silva e disse que tinha criado “um monstro” [referindo-se ao Serviço Nacional de Informações, do regime militar] e que não dava mais para voltar atrás. O sr vê necessidade de reforma nisso?

GM: Tenho a impressão de que isso é inevitável. Isso vai ter que ser discutido. A lista tríplice é uma construção idealizada a partir de um modelo existente para os ministérios públicos estaduais, isso está na Constituição. Mas o próprio constituinte de 88 não quis criar a lista tríplice. Se quisesse, teria colocado no texto constitucional. Deixou a escolha entre os membros do Ministério Público da União. Portanto, os procuradores da República, os procuradores do Trabalho e até os procuradores do DF. O PT, que era muito vinculado ao MP, contou com o MP até como braço jurídico para atacar o governo Fernando Henrique Cardoso, entendeu que era razoável seguir a coisa da lista, além do tempero sindical que nisso havia. Mas é claro, qualquer leitor razoável de cena política sabe quem seria eleito numa lista tríplice: normalmente, presidentes de associação, ex-presidentes de associação, isso é que seriam os elegíveis. É natural. E foi o que acabou por ocorrer.

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BL: Em ano eleitoral, costuma haver operações da PF tendo como alvo pré-candidatos. É só coincidência?

GM: Acho que não, e o desejável é que não seja assim. Mas é claro que, havendo motivos e razões plausíveis, certamente também não há impedimento por parte da polícia de tomar medidas e fazer as ações. Agora, claro, há meios e modos de fazê-lo. Recentemente, tivemos aquele episódio que atingiu o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes, em que se determinou uma busca e apreensão que o atingia relativa a fatos de dez anos atrás. Então, já dá para ver o contrassenso disso. Acho que juízes e tribunais têm que tomar bastante cautela em relação a esse tipo de temática. Do contrário, vamos ter campanhas sendo definidas e eleições sendo definidas a partir desse tipo de impulso, e isso não é bom.

BL: Recentemente dados de uma delação envolvendo o ex-governador Geraldo Alckmin [cuja investigação foi arquivada pela Justiça por falta de provas] vieram a público. Qual a sua visão?

GM: Delação é uma prática relativamente recente, a legislação sistematizou isso no governo Dilma. E já vimos que, a despeito de ter dado algum tipo de resultado, em geral elas estão hoje muito esvaziadas de seu significado por conta da própria baixa credibilidade de alguns delatores, da condução parcial da própria delação, talvez da falta de independência do delator. Se discute muito até no Congresso medidas como a de evitar que o investigado preso delate. Havia aquela combinação que se viu muito em Curitiba de “delate que nós o liberamos, porque temos tudo isso combinado com o juiz”. Isso aparece na Vaza Jato e se tornou uma prática. De modo que hoje todos recebem com muita cautela a revelação contida nas delações. Que não deveriam sequer ser reveladas, não devia haver vazamento. Mas essa prática se tornou também muito comum.

BL: O entendimento do Supremo é de que a delação é instrumento de defesa, então impedir que o preso delate seria restringir a defesa dele. O que deve ser feito?

GM: Não se trata de suprimir a delação. Acho que até em alguns crimes, como o próprio crime de corrupção, torna isso inevitável. É um instrumento muito útil, mas a gente viu também muitos abusos. Tanto é que temos muitos pedidos de cancelamento ou de anulação das delações feitas pelo próprio Ministério Público. É o caso da JBS, o pedido de cancelamento, o caso do Delcídio do Amaral e tantos outros, Sergio Machado. São pedidos que estão até pendentes ainda de apreciação por parte do relator, em alguns casos. Portanto, o próprio Ministério Público fez esse tipo de avaliação, ou a própria Polícia Federal, e se chega à conclusão de que da delação não resultou nada positivo para as eventuais investigações.

BL: O sr falava, na época da operação Satiagraha [em 2008, que tinha como alvo o banqueiro Daniel Dantas], que havia um conúbio entre o MP e o Judiciário para atacar alvos supostamente escolhidos com antecedência. Na Lava Jato, o sr afirma, isso teria acontecido de novo. O que se conclui disso?

GM: Certamente, está havendo um aprendizado. Acho que hoje o próprio CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] está tentando fazer um trabalho de controle. Vi declarações do antigo chefe da PF, Maiurino, nesse sentido, de melhoria da qualidade das investigações e da necessidade de a polícia ser mais técnica, ser científica e não se deixar levar por hipóteses sensacionalistas que depois não se confirmam.

Acho que tem que haver medidas legislativas. Esse episódio do delegado que participa de uma grande operação e em seguida ser candidato a deputado federal [Protógenes Queiroz], as próprias candidaturas hoje do Moro e do Dallagnol indicam que, de fato havia, por trás um intuito político e político-partidário. Não preciso descer a detalhes, mas a tal fundação Dallagnol, que teria R$ 2 bilhões ou 3 bilhões da Petrobras para fazer campanhas de combate à corrupção, estaria derramando hoje dinheiro nas campanhas eleitorais desses candidatos. Muito provavelmente, foi pensado para isso. E, naquele momento, a procuradora-geral, Dra Raquel Dodge, veio ao Supremo pedir que a fundação fosse suspensa. E graças a essa ação, e que teve deferimento do ministro Alexandre de Moraes, houve um controle. Mas veja, a Petrobras tinha entregue a eles alguma coisa como R$ 3 bilhões, que seriam usados em campanhas eleitorais. Certamente, era esse o objetivo se formos acompanhar a trajetória dos personagens. Acho que tudo isso nos ensina e está ensinando o sistema político que esse modelo precisa ser revisto. Que a instituição Ministério Público precisa ter sua independência, obviamente, mas ela não pode ser uma instituição em que o sujeito usa as funções e os poderes que tem, e que são dados em confiança, para depois se autopromover fazendo carreira política.

Felizmente, esses personagens não têm tido muito sucesso na política. Fazem um mandato e depois já não conseguem mais, como aconteceu com o delegado Protógenes ou com o juiz Witzel, do Rio de Janeiro, que sequer conseguiu completar o primeiro mandato. Enfim, acho que vamos, certamente na próxima legislatura, ter oportunidade de rediscutir esse modelo, e acho que há um caldo de cultura para isso.

BL: A Ficha Limpa nessa equação toda contribuiu para limpar a política? Que balanço o sr. faz da lei?

GM: Teria que pegar os dados efetivos, eu infelizmente não disponho deles. Acho que a intenção é boa, mas não é uma lei - e nós mesmos estamos discutindo a aplicação - não é uma lei bem feita. É uma lei que tem problemas na aplicação e precisamos discutir inclusive o seu aperfeiçoamento. Mas é razoável que autores de determinados crimes, condenados, fiquem com a sua elegibilidade suspensa por um prazo também razoável, que não seja também o correspondente a uma cassação de mandato.

Já havia de alguma forma na legislação para dados crimes, e isso foi alargado. Então me parece que é razoável. Agora, também a gente não pode ficar aceitando que isso vai produzir efeitos miríficos. No passado, se disse que era uma lei de iniciativa popular e isso não pode ser discutido e tudo mais. Isso obviamente não se justifica. Não é porque é uma lei de iniciativa popular que não tem problemas. E é preciso que haja a devida metrificação. A tarefa de combate aos desvios, à criminalidade, é uma tarefa complexa que não se resume a um movimento.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.