Nvidia: como a empresa símbolo da IA pretende crescer mais no Brasil e em LatAm

Em entrevista à Bloomberg Línea, Marcio Aguiar, diretor da divisão para empresas na região, diz que força vai além da tecnologia e deriva também da estratégia de ecossistema

Nvidia
04 de Setembro, 2023 | 05:05 AM

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Bloomberg Línea — A Nvidia (NVDA) superou as expectativas de Wall Street em 28% no mais aguardado dos resultados trimestrais, com aumento de 88% na receita em relação ao mesmo período de 2022, totalizando US$ 13,51 bilhões. O segmento de data centers da fabricante de chips, que consolida as vendas dos semicondutores voltados para o treinamento e a inferência em aplicações de Inteligência Artificial (AI), já é quatro vezes maior que o de games, e teve receitas de US$ 10,32 bilhões, alta de 171% na base anual.

O diretor da divisão Enterprise da Nvidia para América Latina, Marcio Aguiar, revelou em entrevista à Bloomberg Línea que o crescimento acelerado se deve por razões que vão além da tecnologia para chips utilizados na nova onda crescente de IA (mas que, é claro, é o principal fator).

Deve ser creditado também a uma estratégia comercial que passa pela parceria com grandes empresas até startups que amplificam a demanda e pela “evangelização” do mercado com milhares de desenvolvedores e até com potenciais e futuros empreendedores que, hoje, ainda são adolescentes.

É uma combinação de produto e serviços que é aplicada também no Brasil e na América Latina. Segundo o executivo, a região representa cerca de 8% do faturamento global da Nvidia na divisão de Enterprise, sendo a maior parte no Brasil. Com o último trimestre como referência, isso equivaleria a cerca de US$ 800 milhões.

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E são números ainda aquém do potencial da região, segundo fez questão de frisar o executivo. O principal desafio para o crescimento na América Latina, de acordo com Aguiar, “é a burocracia por parte dos diversos governos na aquisição de equipamentos de inovação tecnológica”, como servidores que demandam uma infraestrutura para atender a demanda computacional de inteligência artificial.

O processo de compras é feito por meio de licitações públicas, o que não é um problema por si só, mas, sim, pelo tempo que leva para a tomada de decisão de aquisição dos equipamentos. “As grandes nações do mundo já começam o ano com uma verba estimada, um orçamento já dedicado para a inovação tecnológica, e isso ainda não vemos nos países aqui da nossa região”, exemplificou.

A maioria das vendas da Nvidia no Brasil é feita por parceiros provedores de soluções em nuvem, como Amazon (AMZN), Microsoft (MSFT) e Google (GOOG). “Existe uma corrida entre as gigantes desse mercado de tecnologia em adotar as técnicas de IA generativa, que vem transformando todas as indústrias”, disse Aguiar.

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“O Brasil tem sido um player muito importante em relação a essa demanda. Isso é um trabalho que também nós fazemos em outra ponta: trabalhamos com grandes corporações que hoje buscam desenvolver seus próprios conceitos de inovação, usando técnicas de inteligência artificial.”

O executivo da Nvidia, que responde diretamente para a matriz em Santa Clara, no Vale do Silício, na Califórnia, apontou outros fatores que impedem um crescimento maior no Brasil.

Há desafios na implementação dos chamados grandes modelos de linguagem natural (LLM, em inglês) devido à carência de mão-de-obra qualificada e infraestrutura adequada no país, de acordo com ele. Falta maior acesso de pesquisadores a infraestruturas adequadas de hardware. Os LLMs têm a capacidade de transformar linguagens de programação em novas informações.

Demanda ‘difícil de ser medida’

“Temos muitos pedidos de compras já alinhados e estamos sem capacidade plena porque hoje as grandes empresas nesse espaço estão finalmente enxergando o movimento que nós fizemos há uns dois anos”, disse Aguiar. Foi uma referência ao movimento de “investir em empresas de data centers ‘de menor porte’ à época, ensinando a elas a montar seus data centers com milhões de servidores”.

As grandes empresas estão começando a comprar ou fazer parceria com data centers para poder suprir a demanda do cliente final. Por isso, há uma corrida pelos chips, segundo Aguiar.

O executivo disse que as vendas da Nvidia também são influenciadas pela competição entre grandes nações como Estados Unidos, China, Japão e Inglaterra.

Richard Camargo, analista da Empiricus Research, disse que a Nvidia tem sido a maior beneficiária do movimento de competição por chips e que até ajudou a “jogar combustível na fogueira” quando recentemente anunciou um investimento de US$ 50 milhões na startup de biotecnologia Recursion.

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Essa empresa vai utilizar praticamente todo o capital para adquirir GPUs H100 da própria Nvidia e desenvolver seus modelos de inteligência artificial, segundo o analista.

A linha GPUs H100 “é um enorme sucesso comercial” e a demanda é muito difícil de ser medida, com “relatos da indústria que indicam que, diante da escassez e da incerteza com relação à velocidade com que as aplicações chegarão ao mercado, os clientes estão formando estoque”, segundo Camargo.

Ecossistema alimenta a demanda

No Brasil, a Nvidia tem visto uma demanda das grandes empresas para utilizar técnicas de software que limitem que certas informações sejam expostas nas nuvens públicas.

“Muitas empresas hoje já começam a ficar um pouco preocupadas e buscam criar o seu próprio ChatGPT, para que seus dados não sejam utilizados como um dado público, que é o acontece quando vão para nuvens públicas”, disse o líder da empresa na América Latina em alusão à solução da OpenAI.

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“Só que isso requer também uma carga de trabalho em termos de investimento em infraestrutura e em novos talentos”, lembrou Aguiar. “Temos visto cada vez mais as ‘top’ empresas brasileiras, que têm muita verba para investir em tecnologia, mais fortes para adotar novos conceitos computacionais.”

“Temos um ecossistema de quase 200 mil desenvolvedores que sabem usar a nossa tecnologia no Brasil, e são 4 milhões que têm acesso às nossas tecnologias no mundo. Muitos deles estão sendo absorvidos pela indústria. Para nós é excelente, porque nos leva a entrar em mais e mais empresas”.

Quando questionado sobre os planos de expansão e crescimento da Nvidia na América Latina, Aguiar enfatizou a capacitação e o engajamento do ecossistema de parceiros e mencionou programas de educação e aceleração de startups que estão sendo implementados pela empresa.

Hoje há cerca de 390 startups no Brasil que trabalham com técnicas de inteligência artificial e que estão no ecossistema da Nvidia. No mundo todo, são mais de 14.000 startups, e o executivo explica que a Nvidia orienta a como usar as plataformas de software e hardware.

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Consequentemente, “essas startups hoje estão muito mais próximas dos clientes corporativos e estão sendo adquiridas. Com isso, levam a Nvidia para dentro daquela organização”.

“Quando vamos falar com um cliente e ele não tem um grupo interno de desenvolvimento, fazemos a ponte com startups que poderiam ajudar a desenvolver”, disse.

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“Converso com meninos de 15, 16 anos que estão com a placa da Nvidia voltada para games e ela é compatível com o nosso software. Acho fantástico quando eles fazem perguntas. Estou na empresa há 13 anos e há várias situações em que um indivíduo que era um estudante e estava aprendendo hoje tem uma empresa e fala ‘naquela época você me mostrou isso e hoje estou implementando aqui’.”

Essa estratégia, segundo Aguiar, vem da postura do próprio fundador e CEO da Nvidia, Jensen Huang, que diz que a empresa precisa seguir com uma “mentalidade de startup” para ser mais ágil e mais assertiva, “porque temos um compromisso muito grande com todo esse ecossistema que criamos”.

Contratações no México e no Brasil

Aguiar conversou com a Bloomberg Línea por teleconferência enquanto estava no México, participando de um evento da Dell (DELL).

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O executivo destacou a presença considerada significativa da Nvidia no país e a parceria com empresas de software e fabricantes para capacitar o ecossistema local.

“Tive reuniões com grandes empresas de software. Muitas que desenvolvem software estão atendendo uma demanda muito grande, principalmente de companhias voltadas à área de manufatura, em especial a indústria automotiva, que tem que se adaptar a novos designs de seus carros (veja mais abaixo).

Ele acrescentou que muitas dessas empresas que desenvolvem software têm uma interação com a Nvidia para que possam aprender a desenvolver em cima das plataformas da companhia no chamado “omniverso”, uma mistura de inteligência artificial com realidade aumentada.

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“Isso permite que essas empresas possam fazer uma simulação da fábrica que vai ser ainda construída e, com isso, diminuir muito custos e aumentar a sua produtividade.”

Segundo Aguiar, a empresa tem grandes consultorias como parceiras no Brasil. “Isso nos permite ser muito ágeis internamente dentro da nossa própria operação e chegar a muitos novos parceiros.”

A Nvidia, que costuma trabalhar com uma operação mais enxuta, em outubro começará a contratar mais pessoas para o México e Brasil.

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Aguiar ressaltou que o foco é a capacitação e o recrutamento de novos parceiros que tenham conhecimento para oferecer serviço. Segundo ele, “para essas técnicas de TI é preciso um time que saiba desenvolver a plataforma, e não simplesmente um parceiro para vender rápido o hardware”.

“Quando vendemos é uma consequência da demanda computacional daquela determinada aplicação ou de aplicações que o cliente usa”, explicou.

IA por voz e veículos autônomos

Entre as principais tendências de tecnologia no momento, Aguiar disse acreditar que a IA por voz “vai mudar todos os conceitos que temos agora”.

“As empresas estão adotando as técnicas de processo de grande modelos de linguagem natural, mas depois vem a questão de tradução, de texto, de vídeo para texto, enfim, isso tudo requer muito mais poder computacional”, afirmou.

“Estamos esbarrando em novos desafios para que o processamento de dados possa consumir menos energia. Nem todas as nações têm uma eficiência energética para poder realmente prover esse tipo de infraestrutura para o seu ecossistema”, disse Aguiar.

Outra tendência de tecnologia, para ele, são os veículos autônomos e todo o ecossistema por onde os veículos vão circular.

A Nvidia possui uma suíte de produtos de hardware e software para automação de veículos autônomos. Um de seus principais clientes é a Mercedes Benz. O segmento automotivo, com a venda de sensores e semicondutores para veículos, porém, foi o único destaque “negativo” da Nvidia no último trimestre, com vendas de US$ 253 milhões, uma queda de 15% na comparação anual.

Clube do trilhão

A empresa líder do mercado de semicondutores de IA anunciou um programa de recompra de ações no valor de US$ 25 bilhões, uma medida em geral tomada quando a liderança da empresa entende que suas ações estão subvalorizadas.

Neste ano, as ações da Nvidia subiram cerca de 240%, atingiram patamar recorde e alçaram o valor de mercado da companhia para US$ 1,2 trilhão - apenas a sexta companhia no “grupo do trilhão” atualmente, atrás de Apple, Microsoft, Saudi Aramco, Alphabet (a holding do Google) e Amazon.

Matheus Popst, sócio da gestora Arbor Capital, destacou que a expectativa do mercado para o resultado trimestral já era considerada elevada. “O guidance [para o trimestre atual] veio em US$ 16 bilhões, enquanto o consenso era de US$ 12,5 bilhões. Há um ano, o consenso era de US$ 9 bilhões”, lembrou o gestor à Bloomberg Línea.

“A expansão de margem e receita veio muito mais rápido do que eles puderam contratar e investir no negócio. A conversa no buy-side era a de que, se a Nvidia tivesse [um guidance] acima de US$ 12,5 bilhões, seria provavelmente algo como US$ 14 bilhões. Um guidance de US$ 16 bilhões foi uma surpresa”, disse.

Segundo o analista da Empiricus, Richard Camargo, a performance do segmento de data centers trouxe alavancagem operacional para a empresa, com uma margem bruta que aumentou 26 pontos percentuais na comparação anual e 5,5 pontos percentuais versus o primeiro trimestre.

- Matéria corrigida às 8h40 com a informação de que os 8% da fatia da América Latina da Nvidia se referem à divisão de Enterprise, e não às receitas totais da companhia.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups