Como Jack Ma e o Alibaba perderam US$ 850 bi em confronto com governo chinês

Fim das investigações contra o Ant Group sinaliza uma trégua depois de três anos de repressão contra a empresa tech mais proeminente do país, que perdeu negócios e riqueza

Jack Ma, co-fundador do Alibaba e do Ant Group, na conferência Viva Technology (Foto: Marlene Awaad/Bloomberg)
Por Lulu Yilun - Jane Zhang
09 de Julho, 2023 | 04:31 PM

Bloomberg — À medida que o conflito de Jack Ma com o governo chinês chega ao fim depois de quase três anos, fica claro o quanto o conflito custou para suas empresas, o Ant Group e o Alibaba Group Holding.

As autoridades chinesas disseram na sexta-feira (7) que encerrariam uma investigação sobre o Ant Group, com a empresa de tecnologia financeira pagando uma multa de quase US$ 1 bilhão. A investigação começou depois que Ma criticou a regulamentação do setor financeiro de Pequim em 2020, o que forçou a fintech a desistir em cima da hora do que teria sido a maior oferta pública inicial (IPO) da história.

Os custos vão muito além da última multa. A repressão contribuiu para a erosão da confiança no setor privado na China, e hoje o país enfrenta uma fraqueza crescente em todas as áreas, desde os gastos do consumidor até o mercado imobiliário, as exportações e os investimentos em infraestrutura.

A Ant teve que reformular seu modelo de negócios, afastando-se de setores considerados sensíveis pelo governo e diminuindo a concorrência com os bancos estatais. Seu valuation, previsto para cerca de US$ 315 bilhões após o IPO (se bem-sucedido), caiu para cerca de US$ 78,5 bilhões.

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Nesta sábado (8), a Ant propôs recomprar até 7,6% das ações em um esforço para oferecer uma chance de cortar participações de investidores enredados por uma repressão regulatória de anos na potência da fintech.

O Alibaba avalia se deve oferecer algumas de suas ações da Ant para a recompra, disse a empresa neste domingo (9) em um comunicado à bolsa.

O Alibaba não se saiu melhor.

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A administração do presidente da China, Xi Jinping, mirou no pioneiro do comércio eletrônico em uma repressão às principais plataformas da internet, e o Alibaba disse no início deste ano que se dividiria em seis grandes empresas.

O valor de mercado do Alibaba é de US$ 234 bilhões, mesmo após uma alta de 8% nas ações na sexta com o fim da investigação sobre a Ant. Isso representa uma distância de cerca de US$ 620 bilhões de seu pico em 2020.

Com a perda de valor de cerca de US$ 230 bilhões do Ant Group, isso leva ao total de US$ 850 bilhões em riqueza eliminada, ainda que o contexto tenha incluído a alta global dos juros que afetou em particular o valor de mercado das grandes empresas de tecnologia de alto crescimento.

“As empresas fizeram seus mea-culpas e as punições acabaram – pelo menos por essa série de questões”, disse Kendra Schaefer, sócia da consultoria Trivium China, com sede em Pequim.

A reestruturação prevista para o Alibaba, que deve levar ao spinoff e ao consequente IPO de seis de suas principais divisõesdfd

O império de Jack Ma, com sede em Hangzhou, estava no centro de um ataque do Partido Comunista que atingiu amplas áreas do setor privado, desde imóveis e educação online até jogos e caronas.

Xi recalibrou a economia do país para enfatizar a “prosperidade comum” e o apoio à classe média. As reformas eliminaram mais de US$ 1 trilhão em valor das ações chinesas, com capitalistas de risco e investidores institucionais pagando um preço pelos valores do partido.

Embora as medidas mais recentes da China possam sinalizar um abrandamento da repressão, as prioridades políticas de garantir a estabilidade social e a segurança nacional permanecem inalteradas.

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“Você tem que cuidar dos funcionários e da sociedade, e depois cuidar dos seus investidores”, disse Schaefer. “Essa é realmente a mensagem agora.”

A perda de valor das propriedades de Ma de mais de US$ 850 bilhões é um sinal de como será difícil reconquistar a confiança dos investidores internacionais. Não apenas os lucros corporativos ficaram sob pressão com a desaceleração do crescimento econômico mas as prioridades nacionais mudaram de maneiras fundamentais.

Os problemas econômicos da China agora se multiplicam e pressionam Xi para reconstruir o apoio no setor privado. Em um cenário negativo – com queda imobiliária mais acentuada, ritmo lento de reformas e dissociação EUA-China mais dramática –, a Bloomberg Economics vê o crescimento econômico da China desacelerando para 3% até 2030.

Juntamente com a Ant, o Banco Popular da China cobrou multas de outros bancos e da Tencent Holdings. Ant e Tencent divulgaram suas próprias declarações após as multas, sugerindo que concluíram em grande parte as reformas necessárias de acordo com os regulamentos do país.

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“As autoridades claramente têm lutado para determinar exatamente como desejam que seja o espaço da tecnologia financeira e o papel das grandes empresas de tecnologia nele”, disse Martin Chorzempa, membro do Peterson Institute for International Economics.

“É por isso que demorou tanto para determinar que eles estão chegando à linha de chegada do plano de retificação com a empresa de tecnologia financeira mais importante da China.”

Críticas públicas ao governo da China

A queda de Jack Ma em desgraça começou em outubro de 2020, quando o empresário de longa data subiu ao palco em Xangai no Bund Summit para se dirigir a investidores e funcionários do governo. Com a Ant pronta para abrir o capital em um IPO de grande sucesso, Ma fez uma análise de 20 minutos do que chamou de regulamentos anacrônicos que sufocariam a inovação no país.

Poucos dias depois, as autoridades convocaram Ma para a Comissão Reguladora de Valores Mobiliários da China e explicaram que haviam encontrado uma série de deficiências nos negócios da Ant, que vão desde empréstimos ao consumidor e gestão de patrimônio até pagamentos online. O IPO, que poderia levantar US$ 35 bilhões e ser o maior de todos os tempos, teria de ser cancelado.

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Desde então, a gigante fintech foi atingida por obstáculos regulatórios adicionais e forçada a se comportar mais como um banco tradicional.

A lucratividade da Ant caiu à medida que a empresa reestruturou seus negócios para atender às demandas dos reguladores da China e mudou seu foco da expansão para a conformidade regulatória. Seu lucro líquido caiu de um crescimento de dois dígitos no início de 2021 para quatro trimestres consecutivos de declínio ano a ano em 2022. No início de 2023, Ma disse que abriria mão do controle da Ant, embora detenha cerca de 6,2% dos direitos de voto com base nos cálculos da Bloomberg.

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Mais e mais restrições à atuação

Houve uma infinidade de contratempos que Ant enfrentou no auge da repressão tecnológica desse período. Em abril de 2021, as autoridades chinesas exigiram que a Ant se transformasse em uma holding financeira, mas até hoje a empresa não conseguiu obter uma licença.

A Ant também foi forçada a abrir seu aplicativo de pagamentos para concorrentes e suas práticas de empréstimo foram significativamente restringidas.

A empresa foi proibida de conduzir manobras que conduzissem os usuários a empréstimos e outros serviços mais lucrativos, e sua capacidade de emprestar foi limitada pelas novas regras. Os empréstimos ao consumidor feitos em conjunto com os bancos - anteriormente um importante motor de crescimento - foram separados de suas marcas Jiebei e Huabei.

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A Ant detém uma participação de 50% no negócio de empréstimos ao consumidor, criado em 2021 como parte de sua reformulação, que tem capacidade para emitir cerca de 400 bilhões a 500 bilhões de yuans em empréstimos, com base nos cálculos da Bloomberg.

Os ativos sob gestão do fundo Ant’s Yu’ebao - que já foi o maior do mundo - caíram cerca de 36%, para 759 bilhões de yuans (US$ 111 bilhões) em setembro em relação a dois anos atrás.

Até certo ponto, os números da Ant refletiram o crescimento estagnado do setor de internet mais amplo da China, atingido pelas restrições prolongadas e rigorosas da Covid e pelo escrutínio mais rigoroso. Em meio às crescentes incertezas econômicas e regulatórias, o Alibaba também diminuiu e se tornou uma sombra do que era antes.

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Outrora a empresa mais valiosa da Ásia, o principal negócio de e-commerce doméstico do Alibaba foi prejudicado por uma investigação antitruste e, finalmente, por uma multa recorde de US$ 2,8 bilhões em 2021. Ele é ainda mais prejudicado pela concorrência cada vez mais acirrada com rivais como JD.com e PDD Holdings, e perdeu participação de mercado na nuvem para rivais estatais.

Depois que o Alibaba registrou seu terceiro trimestre consecutivo de crescimento de receita de um dígito, a maior empresa de comércio eletrônico da China iniciou uma remodelação histórica de gestão em junho. Trouxe de volta os “tenentes” de longa data de Ma, Joe Tsai e Eddie Wu, para administrar o império apenas alguns meses depois que a empresa anunciou um plano para dividir em seis unidades principais. A dupla tem a esperança de recuperar uma empresa que luta para se recuperar desde a repressão de Pequim.

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