Da distribuição aos preços: a estratégia da C&A para enfrentar rivais asiáticas

CEO Paulo Correa diz em entrevista à Bloomberg Línea como a rede varejista tem reduzido despesas operacionais e elevado a margem; ações sobem 190% neste ano

Paulo Correa, CEO da C&A no Brasil: empresa tem conseguido aproveitar a demanda em datas comemorativas
16 de Agosto, 2023 | 04:45 AM

Bloomberg Línea — O mercado de varejo de moda tem sido desafiador para players estabelecidos no Brasil. Além da concorrência com plataformas asiáticas com importações a baixo custo como Shein, Shopee e AliExpress, a economia ainda ensaia uma retomada, enquanto o outono/inverno com temperaturas amenas tem levado ao encalhe de parte dos estoques das coleções para o frio em alguns casos.

Companhias como Grupo Soma (SOMA3) e Guararapes (GUAR3), dona da Riachuelo, citaram nos balanços do segundo trimestre que as temperaturas mais elevadas foram um fator desfavorável que pesou nas vendas de casacos, jaquetas e outras peças para a estação. Outras redes, como a Marisa (AMAR3), enfrentam dificuldades financeiras em razão de endividamento elevado.

Nesse ambiente, a C&A Brasil (CEAB3) conseguiu se destacar na safra de balanços. A empresa apresentou leve aumento (0,7%) das vendas de acordo com o critério SSS (same stores sales, vendas em lojas abertas há pelo menos um ano) e elevou a margem em 0,50 ponto, bem como reduziu despesas operacionais. Analistas da XP avaliaram em relatório que a performance da C&A no trimestre foi melhor que a de seus pares.

As ações da companhia têm refletido a melhora operacional e registram uma forte recuperação em 2023. Até o pregão desta terça-feira (15), o papel acumula alta de 187% neste ano depois de uma queda de 62% em 2022. Em comparação, as ações da Guararapes têm alta de cerca de 10% no mesmo período, e as do Grupo Soma acumulam queda de 11%. As da Marisa caem 34%.

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Em entrevista à Bloomberg Línea, o CEO da C&A Brasil, Paulo Correa, apontou práticas como a precificação dinâmica de produtos e a distribuição de peças no modelo push and pull (ao longo da cadeia e com o uso da marca como força de atração dos consumidores) como os principais trunfos da companhia para enfrentar adversidades como as temperaturas irregulares do inverno.

“Nosso modelo de distribuição é mais assertivo. Nosso sistema de automação de CD [centro de distribuição] permite uma reposição rápida de produtos, de acordo com a demanda. Se na loja de Belém está vendendo mais uma peça do tamanho P, e na de São Paulo, mais do tamanho G, vamos repor os estoques com peças com maior probabilidade de serem vendidas”, disse o executivo.

O uso de tecnologia no sistema de distribuição vai além do tamanho e também vale para modelos e cores. Com informações em tempo real sobre as vendas e os gostos dos consumidores, a C&A ajusta as encomendas à indústria a fim de ter em estoque as peças mais desejadas nas lojas.

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Os investimentos na distribuição e na digitalização das operações foram reforçados desde o IPO (oferta inicial de ações) da companhia em outubro de 2019, quando levantou R$ 814 milhões em uma oferta que movimentou mais de R$ 1,6 bilhão.

“Em 2022, a dinâmica do inverno foi diferente: tivemos muito frio começando em maio, o que facilitou a venda da coleção a preço cheio. Neste ano, o inverno veio mais tarde e foi mais ameno. Não se repetiu o benefício do ano passado”, comparou o executivo.

Mesmo com o clima desfavorável, a varejista tem se destacado, segundo analistas, pela performance comercial e a gestão de seu caixa.

“Vimos uma mudança de comportamento no varejo: os consumidores estão mais preocupados com ofertas. Estamos mais conectados em atender essas expectativas. Tivemos muito êxito no Dia das Mães e dos Namorados, como vamos repetir no Dia dos Pais”, disse o CEO em entrevista na última sexta-feira (11).

No canal digital, a C&A também tem evitado o aumento de custo de aquisição de cliente com a oferta de frete grátis e prefere estimular o consumidor a comprar pelo aplicativo, com a retirada do produto na loja. “Registramos um aumento de 20% das vendas pelo app”, afirmou o CEO.

A redução da taxa Selic em meio ponto percentual no começo de agosto, para 13,25% ao ano, com a expectativa do começo de um ciclo de cortes, é um movimento considerado ainda insuficiente para causar um impacto positivo nas vendas deste ano. Na avaliação de Correa, há uma defasagem de pelo menos seis meses para que decisões de política monetária cheguem ao consumidor.

“Espero mais para 2024 esse impacto positivo da redução dos juros″, disse Correa, que expressou, no entanto, otimismo com o desempenho das vendas do final do ano.

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Por outro lado, a inadimplência do consumidor ainda é um limitador para apostas em um aumento do consumo acima do esperado. A C&A, por exemplo, tem parceria com a Bradescard, emissora de cartões de crédito do Bradesco (BBDC4) e tem adotado cautela na hora de conceder cartões a seus clientes. “O nível de inadimplência dos grandes bancos ainda está alto”, disse o CEO da varejista.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.