De montadoras a varejistas: conflito no Mar Vermelho ameaça lucros corporativos

Desvios de navios causados pelos ataques de militantes Houthi afetaram o transporte de diversos produtos, aumentando custos e tensões na cadeia de suprimentos

Imagem de um contêiner sendo transportado por uma grua em um navio cargueiro
Por Farah Elbahrawy - Julien Ponthus - Michel Msika
24 de Janeiro, 2024 | 02:02 PM

Bloomberg — A crise de insegurança no Mar Vermelho tem afetados as remessas de todo tipo de produto, desde carros até energia. Para analistas, é uma questão de tempo até que o aumento dos custos e as tensões na cadeia de suprimentos apareçam nos relatórios financeiros das empresas.

Várias empresas já alertam sobre o impacto. A Tesla (TSLA), montadora de veículos elétricos, planeja uma parada de produção de duas semanas em uma fábrica na Alemanha devido a atrasos nos embarques, enquanto a sueca Volvo Car anunciou uma suspensão de três dias em sua fábrica na Bélgica.

Os varejistas britânicos Tesco, Marks & Spencer Group e Next sinalizaram o risco de preços mais altos para os consumidores.

Tudo isso porque pelo menos 2.300 navios estão fazendo longos desvios para evitar os ataques dos militantes Houthi no Mar Vermelho – uma rota que normalmente movimenta mais de 12% do comércio marítimo global.

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Os banqueiros centrais alertaram sobre um aumento da inflação que pode dificultar os cortes nas taxas de juros.

Para muitas empresas, principalmente na Europa, o caos aumentou o tempo até a entrega dos produtos, aumentando o preço do frete e os custos de seguro, e forçou analistas a repensar as estimativas de lucros das empresas para o próximo ano.

Nos últimos três meses, a previsão de consenso para os lucros das montadoras caiu 5%, segundo dados compilados pela Bloomberg.

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As transportadoras, por outro lado, podem ter o resultado inverso no curto prazo – com o aumento de 300% nos preços de contêineres em algumas rotas, as estimativas de lucros para o índice de transporte do MSCI Europe aumentaram 7% em apenas duas semanas.

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Thomas Brenier, chefe de ações da Lazard Freres Gestion, em Paris, reduziu a exposição ao setor automotivo, vendo-o como “um dos primeiros a sofrer devido à sua complexa e tensa cadeia de suprimentos”. Ele também está evitando o varejo, pois “pode sofrer com a falta de produtos para vender”.

“Se isso durar mais um ou dois meses, com certeza veremos alguns alertas sobre as projeções de lucros relacionados a isso”, afirmou Brenier.

Confira como os resultados podem ficar em vários setores:

Transporte e seguros

Os atuais custos de transporte de contêineres, se mantidos, poderão aumentar a inflação no Reino Unido e na zona do euro a partir do final de 2024 e início de 2025, segundo estimativas da Bloomberg Intelligence.

Mas os eventos impulsionam as receitas das empresas globais de transporte marítimo, como a AP Moller-Maersk e a Hapag-Lloyd na Europa, a ZIM Integrated Shipping, listada nos EUA, e a japonesa Mitsui OSK Lines.

As seguradoras também devem se beneficiar. Os prêmios de algumas rotas marítimas aumentaram em dez vezes.

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Entre as transportadoras, a Maersk tem recebido uma série de recomendações de alta. Recentemente, o Bank of America (BAC) dobrou as estimativas de lucros para 2024 da empresa dinamarquesa, enquanto o Goldman Sachs Group (GS) avalia que um aumento maciço no fluxo de caixa livre poderá permitir que ela devolva capital aos acionistas.

David Vernon, da Sanford C Bernstein, prevê um aumento nos lucros também para as empresas de logística, incluindo os agentes de carga, se as empresas que ficarem sem opções de remessa recorrerem ao frete aéreo.

“O frete aéreo é absolutamente o vencedor”, disse Vernon, citando a FedEx (FDX), a United Parcel Service (UPS) e o DHL Group como possíveis beneficiários.

Varejistas

A Next, que obtém a maior parte de seus produtos de moda e casa da Ásia, foi uma das primeiras varejistas a expressar o temor de um revés.

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A Primark, que pertence à Associated British Foods, e a H&M (H&M) estão altamente expostas aos volumes de frete marítimo, de acordo com Richard Chamberlain, analista da RBC Capital Markets, enquanto a Inditex, proprietária da Zara, se abastece principalmente em países vizinhos.

Da mesma forma, a Bryan Garnier destaca a varejista francesa de móveis Maisons du Monde como altamente vulnerável, pois 75% de suas mercadorias são provenientes da Ásia e 90% são transportadas por via marítima.

A interrupção prolongada atrairá marcas globais como Nike (NKE), Adidas e Capri Holdings, disse Bernstein.

O problema para essas empresas é que o cenário econômico pode dificultar o repasse dos custos mais altos para os consumidores.

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“As empresas podem ter que absorvê-los, prejudicando as margens de lucro”, disse Frédérique Carrier, da RBC Wealth Management.

Automóveis

Até o momento, a Tesla e a Volvo Car são as únicas montadoras que anunciaram suspensões na produção. Mas esses atrasos “podem representar um novo risco para a produção de veículos leves este ano”, de acordo com o Morgan Stanley.

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No entanto, a maioria avalia que o setor não verá uma repetição dos problemas da pandemia. “Combustível mais caro, dias extras de aluguel de espaço e taxas de envio mais altas serão negativos para os lucros e perdas das empresas, mas, colocando isso em perspectiva, os custos de transporte são cerca de 57% mais baixos do que os níveis da pandemia”, escreveu John Murphy, analista do BofA.

A crise pode até permitir que as montadoras mantenham os preços dos veículos mais altos, segundo a Bloomberg Intelligence.

Energia

O impacto sobre os preços do petróleo bruto tem sido relativamente discreto este ano, mas isso pode mudar se um conflito prolongado causar escassez de oferta.

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No entanto, os mercados de petróleo se preparam para interrupções de semanas. Menos navios-tanque estão atravessando o estreito de Bab el-Mandeb, no extremo sul do Mar Vermelho, de acordo com dados da Vortexa compilados pela Bloomberg.

O número de navios que transportam petróleo bruto ou produtos petrolíferos sujos, como óleo combustível, caiu 25% este ano até 19 de janeiro em relação ao ano anterior, mostram os números.

Veja mais em Bloomberg.com

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