Os acordos de livre comércio dos Estados Unidos podem ser vantajosos para o país quando seus parceiros são países latino-americanos (Foto: Bloomberg)
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Bloomberg Opinion — A Estrutura Econômica do Indo-Pacífico para Prosperidade (IPEF), um esforço de 14 países para aprofundar os laços econômicos com a Ásia, tornou-se a iniciativa comercial carro-chefe do governo Biden. No entanto, no que diz respeito aos acordos regionais, a Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica (APEP), seu complemento latino-americano, tem maior potencial.

Se o governo dos Estados Unidos realmente quiser mudar o comércio e proteger as cadeias de suprimentos, ele deve se concentrar nas economias mais próximas de casa.

Lançadas com duas semanas de diferença uma da outra, as duas estruturas de comércio e investimento são respostas ao jogo da China pela influência global. Ambas reúnem um bom número de países: a IPEF conta com 14, incluindo Austrália, Índia, Indonésia, Japão, Coreia do Sul, Cingapura e Vietnã, e a APEP conta com 11, entre eles Canadá, Chile, Colômbia, México, Panamá e Peru.

As negociações giram em torno de questões semelhantes: segurança das cadeias de suprimentos, descarbonização das economias, definição de regras digitais e outras metas importantes. Cada uma delas permite que os participantes escolham seus compromissos, muitos dos quais são voluntários, estabelecendo normas em vez de políticas aplicáveis.

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Ambos são flexíveis em relação aos elementos mais tradicionais dos acordos comerciais, como tarifas e acesso ao mercado, impedindo assim a interferência do Congresso americano – outro exemplo do que a acadêmica Kathleen Claussen chama de “acordos comerciais executivos”.

Mas, sem dúvida, há diferenças. A APEP busca expandir o financiamento para a infraestrutura regional e outros projetos, algo que, presumivelmente, os países da IPEF têm mais facilidade para fazê-lo por conta própria. A estrutura se inclina explicitamente para migração, educação e outras questões sociais, incorporando um elemento de administração pública ausente no outro lado do Pacífico.

A energia e o esforço que estão sendo dedicados a eles também divergem. Nos últimos 12 meses, o governo dos EUA realizou quatro rodadas formais de negociações e dezenas de outras reuniões de nível sênior para impulsionar a IPEF. Por outro lado, foi necessário esperar até janeiro de 2023 para descobrir quem participaria da APEP, e as negociações formais ainda não começaram.

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No entanto a APEP tem mais chances de fortalecer alianças geoestratégicas por meio de laços econômicos mais profundos. O principal motivo é o ponto de partida. Poucos dos parceiros do Indo-Pacífico têm acordos de livre comércio ou de investimentos sólidos com os Estados Unidos, enquanto todos os participantes do Hemisfério Ocidental, exceto um, têm. Isso é importante.

Embora o conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan argumente que esses esforços são “um acordo econômico do século XXI projetado para enfrentar os desafios econômicos do século XXI”, é difícil imaginar como isso funcionará com tarifas e outras barreiras ainda em vigor e sem as proteções de investimento e outras regras básicas claras que nivelam o campo de jogo.

Sem esses pontos básicos – os itens principais dos acordos tradicionais de livre comércio –, é difícil abordar questões mais delicadas de padrões trabalhistas mais altos, avanços ambientais, iniciativas de combate à corrupção, grupos de cadeia de suprimentos e muito mais.

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Além disso, a China se antecipou aos EUA, elaborando sua própria agenda de comércio e cadeia de suprimentos no Indo-Pacífico.

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Doze dos 14 países da IPEF fazem parte do Acordo Regional de Parceria Econômica Abrangente, que, ao zerar a maioria das tarifas, simplificar a alfândega e agregar regras de requisitos de origem, incentiva a produção regional de uma forma que os anunciados “Conselho da Cadeia de Suprimentos da IPEF” e “Rede de Resposta da Cadeia de Suprimentos ds IPEF” dificilmente conseguirão superar.

A China fez menos progresso no Hemisfério Ocidental. Mesmo assinando acordos de livre comércio com quatro membros da APEP – Chile, Costa Rica, Peru e, mais recentemente, Equador – esses acordos são pouco substanciais, focando na redução de tarifas e no reforço da atual dinâmica de comércio de commodities e produtos manufaturados.

Os EUA mantêm a vantagem em termos de regras básicas mais abrangentes, um histórico mais longo de investimentos e um comércio mais equilibrado e de maior valor agregado.

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No momento, a região está disposta a se envolver com o governo Biden. Líderes de todo o espectro político se uniram em janeiro passado, mas eles precisam de algo para negociar.

A agenda deve incluir diretrizes trabalhistas, ambientais e de transparência, financiamento para digitalizar e tornar as economias mais verdes (utilizando o Banco Interamericano de Desenvolvimento e outras instituições financeiras internacionais para atrair investimentos privados) e apoio à criação de grupos regionais industriais e comerciais.

No final das contas, uma questão real é se as estruturas de comércio voluntário de múltipla escolha serão eficazes. Como o senador americano Ben Cardin advertiu a Representante de Comércio dos EUA (USTr), Catherine Tai, durante uma reunião do Comitê de Finanças do Senado: “é possível obter todos os compromissos de um país que promete fazer todas as coisas boas para combater a corrupção, mas não cumpre. E não há fiscalização, pois não há sanções comerciais que possam ser impostas, que é a forma como fazemos valer esses acordos”.

Se as ambições dos EUA para sua política externa econômica vão além da sinalização de virtude, o país deve focar em países onde já existem regras e ferramentas de aplicação. O Hemisfério Ocidental é o caminho.

Mas os EUA precisam fechar o acordo antes que o atual grupo de líderes latino-americanos perca a disposição, seja porque as eleições trazem novos líderes ou porque a falta de foco e priorização de Washington frustra os outros.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Shannon O’Neil é pesquisadora sênior de Estudos da América Latina no Conselho de Relações Exteriores de Nova York e autora de “The Globalization Myth: Why Regions Matter”.

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