Com quase R$ 600 mi no caixa, Bemobi mira novas aquisições dois anos após o IPO

CEO Pedro Ripper diz que posição ajuda a atravessar cenário de turbulência, mas continua em busca de M&As; empresa dobrou o faturamento desde a abertura de capital em 2021

Bemobi se especializou no mercado de telecom de países emergentes
21 de Março, 2023 | 04:02 PM

Bloomberg Línea — O aumento das taxas de juros nos últimos anos prejudicou as ações de companhias de tecnologia mundo afora. Com a brasileira Bemobi (BMBO3), não foi diferente. Desde a abertura de capital, em fevereiro de 2021, o papel da empresa focada em soluções de pagamento e serviços digitais acumula desvalorização de 41% e tem sofrido com o ambiente desfavorável para ativos de maior risco. No entanto, o CEO Pedro Ripper diz que tem uma posição de caixa confortável de R$ 589 milhões e deve seguir os planos de fazer novas aquisições para continuar a expansão da companhia, que dobrou de tamanho em receita líquida desde o IPO.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Ripper afirma que a empresa praticamente recompôs a posição de caixa que tinha pós-IPO antes de realizar duas grandes aquisições em 2021, e que o objetivo é seguir a lógica de comprar empresas que gerem caixa e que possam complementar os negócios atuais da Bemobi.

Não faz sentido ter uma posição de caixa de quase R$ 600 milhões. Em princípio, 100% desse capital pode ser alocado de maneira disciplinada e responsável em M&A [fusão e aquisição, na sigla em inglês]. A única coisa que a gente fala para os nossos investidores é que isso vai tomar o tempo que for”, afirma.

“À medida que a gente achar empresas com a precificação correta, justa, e principalmente com sinergias – o famoso um mais um é igual a quatro –, a gente vai colocar esse capital para trabalhar e, no limite, vai colocar inteiro.”

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O executivo diz não ter uma previsão de quantas aquisições podem ser realizadas este ano, mas afirma que está sempre olhando simultaneamente de seis a oito empresas.

Segundo ele, o cenário de aperto dos juros pode fazer com que algumas empresas fiquem com preços atraentes para serem adquiridas, mas também faz subir o crivo de avaliação antes de fechar um negócio, inclusive, por uma pressão do mercado e de acionistas.

“A gente sabe que esse dinheiro no bolso dos acionistas vale mais e, consequentemente, tenho que estar muito seguro. É diferente de um cenário de juros a 2%, em que você pode ser muito mais arrojado, pagar mais caro, e eventualmente ter menos convicção”, afirma.

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“Num mercado de capital mais caro, estar capitalizado deixa a empresa numa posição boa, à medida que tiverem boas oportunidades de preço que começam a aparecer. Se precisar alavancar um pouco o preço para fazer um cheque maior a gente teria condição”, diz.

Diversificação

Em 2021, a Bemobi adquiriu a empresa de soluções de pagamentos M4U, que pertencia à Cielo (CIEL3), e a chilena Tiaxa, que tem um serviço de microfinanciamento para recargas de celular e também desenvolveu um produto de score de crédito com base em dados de telefonia móvel.

As aquisições ajudaram a Bemobi a expandir os negócios. A receita líquida ajustada atingiu R$ 556,3 milhões em 2022, uma alta de 70% no ano, de acordo com o balanço do quarto trimestre divulgado no dia 16 de março. O lucro líquido ajustado no ano foi de R$ 97,3 milhões (alta de 25% no ano).

O negócio da Bemobi também ficou mais diversificado. Antes da abertura de capital, 75% das receitas da empresa tinham origem em sua plataforma para assinaturas de aplicativos e games – o principal negócio na época. Hoje são 34%.

O restante vêm dos serviços de pagamentos digitais, como os serviços de recarga para celular (32,3%), soluções de plataforma como serviços (21,8%) e microfinanças (11,6%).

A Bemobi é conhecida por fornecer serviços de pagamento para operadoras de celular em países emergentes, para que os clientes possam fazer recargas de crédito em planos pré-pago ou controle. Atualmente, a empresa atua em 49 países e tem parceria com 97 operadoras, incluindo empresas na Ásia, no Leste Europeu, na África e na América Latina.

Com base na análise de dados, ela também oferece a possibilidade de fazer uma espécie de microfinanciamento para os clientes das operadoras, para que eles possam ter um crédito extra, mesmo se o saldo expirar, para completar ligações ou usar dados ou adiantar uma recarga.

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A Bemobi também passou a oferecer, depois da compra da Tiaxa, um serviço de score de crédito que com base nos dados dos clientes de telefonia móvel, incluindo históricos de localização, contatos das pessoa, etc. A maior parte dos clientes desse serviço são instituições financeiras e bancos digitais na América Latina.

O plano da empresa agora é levar esses serviços de pagamentos para as empresas de utilidade pública – especificamente de distribuição de energia elétrica. Na visão da Bemobi, essas companhias ainda passam por uma fase de digitalização dos seus canais de atendimento e enfrentam um grande problema de inadimplência dos clientes.

Hoje, duas empresas já são atendidas (Energisa e Equatorial Energia) e a Bemobi espera aumentar esse número principalmente com uma possível mudança nas regras do chamado mercado livre de energia, permitindo aos consumidores escolherem a empresa da qual querem contratar a eletricidade.

“Quando a gente viu essa conjunção de fatores – custo de arrecadação alto, inadimplência altíssima, e o desejo de digitalizar –, a gente avaliou que esse negócio nasceu para a Bemobi e a gente fez uma segunda aposta”, afirma Ripper.

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O plano da Bemobi é expandir seus negócios oferecendo serviços para os setores de utilidades públicas no Brasil e no exterior, mas outros segmentos também estão no radar e podem ser explorados no futuro.

A gente pode mais que triplicar a Bemobi só no setor de utilities. Mas é óbvio que a gente está olhando o que mais podemos fazer em outros setores. É sempre aquele desafio do empreendedor de oportunidade e foco. Tem muita oportunidade, mas a sua capacidade de execução é finita. Tem que achar aquele equilíbrio. Nesse momento, a oportunidade maior em pagamentos é em cima das duas verticais que a gente já está: a indústria de telecom e a indústria de utilities”, completa

Efeitos no setor de tecnologia

Sobre o desempenho ruim das ações de empresas de tecnologia na bolsa, Ripper avalia que o cenário de juros elevados não prejudica necessariamente as empresas desse segmento específico, mas, sim, as companhias com potencial de crescimento alto que hoje têm um custo de capital elevado e resultado operacional negativo.

O executivo diz que a Bemobi, apesar de atuar no setor de tecnologia, não tem essas características, por ser uma empresa geradora de caixa e com ciclo de investimento de retorno de curto prazo. “A gente tem um histórico de mais de 10 anos de crescer gerando caixa”, afirma.

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O maior problema é a queda do valor das ações, que acumula desvalorização de 41% desde a abertura de capital e de 4,8% em 2023 até 20 de março. Nesse ambiente, o uso das ações para uma operação de fusão e aquisição fica menos atraente.

No momento, Ripper diz que não vê necessidade de redução de quadro de funcionários ou outros reajustes de custos assim como têm feito outras empresas de tecnologia. Segundo o CEO, a empresa já vem fazendo uma otimização da equipe desde as aquisições da M4U e da Tiaxa.

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“O mercado não percebe. Mas, se somar o head count das 3 empresas juntas pré-aquisições [M4U, Tiaxa e Bemobi], hoje ele é menor. A gente já vem fazendo essa otimização de qualquer forma. O que a gente não precisou fazer é uma otimização de ajuste de percurso. Porque a gente não estava muito alavancado”, afirma.

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Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.