Acordo sobre mudanças no Carf enfrenta resistência de empresas e do Congresso

Negociação entre a OAB e o governo deixou de fora o fim da exigência de garantias em processos tributários, algo considerado inegociável por grandes empresas

Discussão ainda precisa precisa passar pelo Congresso, onde contribuintes ainda esperam ver mecanismo de desempate derrubado
15 de Fevereiro, 2023 | 02:30 PM

Bloomberg Línea — A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que empresas e o governo chegaram a um acordo a respeito do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Só que o acerto deixa de fora questões consideradas inegociáveis por grandes contribuintes não envolvidos nas discussões.

A principal delas é a exigência de apresentação de garantia aos créditos para dar início a discussões tributárias na Justiça, conforme pessoa próxima ao assunto disse à Bloomberg Línea sob a condição de não ser identificada por não ter autorização para falar em nome das empresas.

Para essas companhias, que são grandes contribuintes, a exigência de garantia afeta o caixa e tem implicações na liquidez de suas operações, o que pode comprometer o acesso a linhas de crédito.

O governo, no entanto, aposta na volta do voto de qualidade para arrecadar R$ 50 bilhões por ano, conforme disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante o anúncio da medida provisória.

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O problema, para essas empresas, é que o voto de qualidade no Carf, mecanismo de desempate por meio do qual o presidente da turma julgadora vota de novo se a discussão terminar empatada, havia sido derrubado pelo Congresso em 2020 - e substituído por um mecanismo pelo qual o empate resultava sempre em decisão favorável ao contribuinte. A volta agora, por meio de medida provisória, é encarada como prejudicial para os contribuintes, que preferem ver a MP rejeitada pelo Congresso.

Por isso eles não se sentem contempladas pelo acordo e dizem não ter sido envolvidos nas discussões, segundo essa fonte, o que indica que a batalha no Congresso pela aprovação da MP será dura.

“Atropelo”

O acordo levado pela OAB ao Supremo foi costurado pelo Grupo Esfera e pela Associação Brasileira de Companhias Abertas (Abrasca). Ele prevê que o voto de qualidade a favor da Fazenda mantenha apenas o valor principal do tributo devido, sem juros e sem multa. Se o contribuinte desejar pagar, pode fazê-lo à vista, ou parcelado em 12 vezes, com correção pela Selic. Se for para a Justiça, voltam os juros de mora, mas nunca a multa.

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Quanto às garantias, apenas diz que sua apresentação “suspenderá todos os atos de cobrança da dívida”. Ou seja, mantém a exigência de garantia para início de processo judicial.

Os termos foram levados a Toffoli porque a OAB é autora de uma ação de inconstitucionalidade contra o voto de qualidade e o ministro é o relator. Tecnicamente, a Ordem precisa informá-lo sobre a nova situação, para indicar ao tribunal que governo e contribuintes chegaram a termo em relação à “regulamentação do empate”, que é como o caso tem sido tratado.

Entretanto, o fato de o acordo ter sido levado diretamente ao Supremo sem passar pelo Congresso incomodou, já que a primeira discussão sobre a MP ocorre no Legislativo. A palavra “atropelo” foi usada para definir a movimentação da OAB, segundo a fonte ouvida pela reportagem. Na petição, a OAB cita apenas “representantes de grandes contribuintes e advogados tributaristas”, sem especificar quais.

Dissonância

Há ainda, no entanto, outra ação contra o voto de qualidade no Supremo. E o autor é o PP, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem centralizado as discussões sobre o assunto na Casa.

A ação partiu da ala ligada ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro (PL), e não há petição de acordo informada nesse caso, também de relatoria de Toffoli.

O que há, na verdade, é um pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para que o Supremo suspenda o trecho da medida provisória que trata do voto de qualidade.

A entidade afirma que a volta do mecanismo de desempate trouxe a “confirmação do temor das empresas do setor industrial”: a reversão de decisões que o Carf havia tomado a favor do contribuinte para dar razão à Fazenda por meio do voto de qualidade.

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Por exemplo, a condenação da Petrobras a pagar R$ 5,7 bilhões de CSLL de suas controladas no exterior. Ou a imposição da chamada “trava de 30%” para abatimento de prejuízos da base de cálculo de IRPJ e CSLL. Eram teses que haviam sido definidas pelo critério “pró contribuinte” de desempate, criado em 2020 pelo Congresso.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.