Ataques em Brasília: a visão da Faria Lima sobre a invasão aos três poderes

Analistas avaliam que, embora os riscos mais imediatos tenham sido contidos após a reação dos governos e da Justiça, há ameaças de longo prazo da divisão do país

A ação dos manifestantes exacerbou o clima polarização e a instabilidade política, o que aumenta os riscos para os ativos brasileiros no médio e longo prazo
10 de Janeiro, 2023 | 04:35 AM

Bloomberg Línea — Os ataques em Brasília às sedes dos três Poderes no domingo (8) geraram uma reação mista entre analistas do mercado financeiro consultados pela Bloomberg Línea nesta segunda-feira (9).

A avaliação é a de que a ação dos manifestantes que defendem a anulação dos resultados das eleições em que votaram 124,1 milhões de brasileiros - no segundo turno - exacerbou o clima de polarização e a instabilidade política, o que aumenta os riscos para os ativos brasileiros no médio e longo prazo.

“O ambiente político instável e profundamente dividido e a alta tensão social relacionada mantêm os prêmios de risco altos e podem afetar a governabilidade geral”, disse Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs.

No entanto, apesar da gravidade da situação, os protestos foram controlados no próprio domingo e os riscos mais imediatos para as ações de empresas brasileiras se arrefeceram.

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Entre as duas visões - de maior ou menos preocupação -, prevaleceu a percepção de que o impacto econômico deve ser limitado e de curta duração e que o agravamento da situação de risco político foi contido, ao menos em um primeiro momento, após a ação coordenada dos governos e da Justiça para desmobilizar manifestantes e chegar aos responsáveis pelos ataques.

Depois de abrir em queda no pregão desta segunda, o Ibovespa (IBOV) passou a subir à tarde e encerrou a sessão em leve alta de 0,15%, influenciado pelo bom humor nas bolsas internacionais e a visão de que o Federal Reserve, o banco central americano, pode ter que subir menos os juros. O dólar, que chegou a bater R$ 5,30, fechou em R$ 5,26, com alta de 0,62%.

“A mudança do sentimento do mercado é reflexo do alívio dos investidores com a resposta dura do governo aos atos golpistas, depois da coletiva do ministro da Justiça, Flávio Dino, garantindo o restabelecimento da ordem pública prontamente”, disse Mariane Vas, analista sênior da plataforma de investimentos Gorila.

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Para além da reação da bolsa, uma das avaliações é a de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode acabar sendo beneficiado devido à ampla reação negativa nos meios políticos e econômicos, dentro e fora do Brasil, aos ataques em Brasília, com a possibilidade de conquistar apoio para a sua agenda econômica de reformas. Houve sinalizações de distanciamento de políticos de oposição ao governo dos atos de violência praticados no domingo.

“Há uma oposição cada vez mais enfraquecida. E isso pode acelerar algumas ideias e planos do governo Lula que podem trazer impacto para a economia do Brasil”, disse Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research, uma casa de análises.

A dificuldade para os ativos brasileiros daqui para frente, no entanto, será o ambiente de incerteza no longo prazo, em meio a uma sociedade polarizada, com grupos radicais que têm como bandeira a anulação das eleições e das instituições, segundo especialistas.

“O atual governo terá um enorme desafio em caminhar por quatro anos diante de uma sociedade totalmente dividida. Isso irá manter um cenário de enorme volatilidade e incerteza no país”, disse Dan Kawa, CIO da TAG Investimentos, em comentário.

Leia a seguir as opiniões de analistas consultados pela Bloomberg Línea:

Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs

“Analistas políticos locais e atores políticos são de opinião de que, no curto prazo, o presidente Lula sai politicamente fortalecido, dada a natureza violenta dos eventos de domingo.

A eleição de 30 de outubro foi uma das mais divisivas da memória recente. As manifestações violentas atestam a profunda polarização social e política pré e pós-eleitoral.

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O ambiente político instável e profundamente dividido e a alta tensão social relacionada mantêm os prêmios de risco altos e podem afetar a governabilidade geral.

Isso implica que o novo governo, a oposição e a classe política em geral terão que trabalhar para sanar as profundas brechas políticas e sociais abertas durante a campanha.”

Dan Kawa, CIO da TAG Investimentos

“Os atos de vandalismo, terror e ações não democráticas assistidos ontem em Brasília trarão consequências negativas de curto e longo prazo para o Brasil e para os mercados locais.

Minha visão preliminar é a de que os eventos não favorecem nenhum dos lados antagônicos na política. Primeiro, força o STF a tomar medidas ainda mais duras. Como as medidas recentes da Corte já vinham sendo criticadas e, muitas delas, eram vistas como juridicamente questionáveis, medidas mais duras manterão um clima de animosidade com o Judiciário.

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A esquerda, que conta com apoio de ‘apenas’ 50% da população, seguirá com enorme desafio de se equilibrar neste ‘equilíbrio instável’. A direita, vista como instigadora desses movimentos (por parte da população e do Judiciário), irá sofrer as consequências jurídicas, criminais e políticas do evento.

A curto prazo, o impacto deveria tender a ser limitado por ser mais um ruído em meio a um ambiente sabidamente instável.

A longo prazo, mostra um país ainda dividido, elevada insatisfação de parte da população com o Executivo, Legislativo e Judiciário.

O atual governo terá um enorme desafio em caminhar por quatro anos diante de uma sociedade totalmente dividida. Isso irá manter um cenário de enorme volatilidade e incerteza no país.

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Os eventos adicionam mais um vetor negativo a um cenário já desafiador para o país e tende a manter os prêmios de risco nos ativos locais mais elevados por mais tempo.

Os Três Poderes têm o dever de punir os responsáveis pelos bárbaros atos. O que se viu foram atos de vandalismo e “bandidagem”. O país não pode, de forma alguma, abrir este tipo de brecha.

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Os Três Poderes também têm o dever de seguir a Constituição e, passada a eleição presidencial, buscar unir o país, com um olhar não enviesado.”

Mariane Vas, analista sênior da Gorila

“A bolsa brasileira teve um pregão bastante volátil nesta segunda-feira. Pela manhã o Ibovespa chegou a cair 0,8%, quase perdendo os 108 mil pontos, e a curva de juros apresentava alta nítida, em meio à aversão a risco do investidor local depois dos ataques em Brasília neste domingo (8).

Já pela tarde o Ibovespa passou a subir 0,8%, buscando os 110 mil pontos, e as taxas dos juros futuros viraram para queda.

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A mudança do sentimento do mercado é reflexo do alívio dos investidores com a resposta dura do governo aos atos golpistas, depois da coletiva do ministro da Justiça, Flávio Dino, garantindo o restabelecimento da ordem pública prontamente.”

Gabriel Gracia, analista da Guide Investimento

“As manifestações de 8 de janeiro devem ter pouco impacto no mercado em nossa visão. Os atos de vandalismo não foram estimulados por nenhuma frente política e não representam risco institucional significativo.

Aparentemente, a insatisfação com o resultado das eleições de 2022 (e com todo processo eleitoral) levou à manifestação, inclusive com ajuda financeira de alguns de seus apoiadores.

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O maior impacto político da manifestação foi a intervenção no DF. Segundo a imprensa e o próprio presidente Lula, houve conivência ou inação das autoridades do Distrito Federal, o que facilitou a manifestação e a depredação do patrimônio público.

O ex-presidente Bolsonaro foi citado diversas vezes por Lula e pode ficar mais isolado após este movimento, mas aparentemente não está diretamente ligado aos eventos.

Na economia, o maior impacto poderia ser com algum tipo de bloqueio às refinarias da Petrobras. Contudo, esses bloqueios foram evitados até agora.

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Esses eventos devem tomar conta do mundo político no curto prazo mas sem impacto na agenda do governo em nossa visão: dado o recesso do Congresso, nenhuma medida relevante estava em discussão ou processo de votação. Em resumo, os atos do último domingo devem ter impacto político e econômico marginais.”

Ilan Arbetman, analista de research da Ativa Investimentos

“Na contramão das bolsas globais, as ações brasileiras iniciaram o pregão em queda, refletindo os eventos de domingo. Conforme o esperado, dólar e juros também apresentaram dinâmica negativa neste início de pregão.

Como auferimos, os acontecimentos acabaram por exacerbar a percepção do nível de risco de nossos ativos perante o mercado, e a existência real de uma maior instabilidade política contribui para piorar nossa reputação perante o mundo. No entanto não interfere na capacidade de geração de recursos por parte das empresas da bolsa e, assim, devemos ter um efeito negativo, porém de durabilidade limitada.

Destacamos que, com as particularidades atualmente existentes em mercados emergentes como o chinês, o russo e o turco, acontecimentos como o de ontem impedem que o país se reafirme como opção a esses mercados e canalize uma maior gama de recursos estrangeiros.

Cabe aguardar quanto tempo esse sentimento de maior risco perdurará. Até lá, é possível vermos papéis de algumas exportadoras se destacando, como vimos no pregão de hoje.”

Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research

“Os atos da direita devem trazer um efeito mais negativo do ponto de vista político. E, do negativo, também fortalece a esquerda e pode fortalecer toda a agenda que o presidente Lula e os seus ministros já colocaram em pauta.

O mercado fica mais receoso com as consequências no longo prazo, dado que a agenda pode ser fortalecida. Tem uma oposição cada vez mais enfraquecida. E isso pode acelerar algumas ideias e planos do governo Lula que podem trazer impacto para a economia do Brasil.

Imaginamos um maior receio quanto às pautas que podem ser aprovadas ao longo desta semana, principalmente.

Não achamos que é um ato de um único dia, que isso vai cessar hoje. Acho que isso vai repercutir ao longo da semana. E vamos ficar de olho nos juros futuros, que dão a noção de como o Brasil pode ficar como consequência dos planos a serem feitos enquanto os atos acontecem.”

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Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.