Indústria do cinema começa a dar mais espaço para o uso de inteligência de dados na definição de roteiros e filmes
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Bloomberg Opinion — Há dez anos atrás, fui coautor e vendi um roteiro de filme de comédia para a 20th Century Fox.

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Chamado The Lose, a premissa era “uma mistura de O Fugitivo com Madrugada Muito Louca no Sudeste Asiático”.

A Fox acabou arquivando o projeto, mas apreciei a experiência.

Recentemente, em maio de 2022, escrevi sobre The Lose em minha newsletter e recebi uma resposta de Yves Bergquist, o CEO de uma empresa de inteligência artificial (IA) chamada Corto AI.

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Ela desenvolveu uma ferramenta que analisa roteiros e oferece feedback sobre como o conteúdo repercutirá em diferentes públicos.

Era tarde demais para salvar meu roteiro super engraçado, mas eu precisava saber porque ele fracassou (além do fato de que a maioria dos roteiros nunca são aceitos).

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Enviei esse roteiro super engraçado para Bergquist, e a Corto o submeteu a um processo com vários passos:

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  1. Absorver e analisar: a Corto analisa e categoriza variáveis do roteiro, incluindo tipos narrativos, nuances emocionais, arcos de personagens, tópicos e muito mais. Depois de definido o “DNA narrativo” do meu roteiro, a Corto faz a comparação contra um banco de dados de mais de 700 mil programas de televisão e filmes, segundo Bergquist.
  2. Gerar lista de comparações: a Corto identifica as melhores combinações com base no “DNA narrativo” (gostei de ver a clássica comédia que se passa no sudeste asiático Se Beber, Não Case! Parte II entre as comparações do meu roteiro).
  3. Analisar redes sociais: a Corto escolhe as 10 melhores comparações que já renderam pelo menos US$ 50 milhões em bilheteria e puxa o engajamento dessas produções nas redes sociais (Instagram, Twitter, Reddit, TikTok).
  4. Extrair segmentos de público: a Corto examina o potencial comercial do meu projeto com base no apelo das comparações a diferentes grupos (separados por idade ou sexo) e a quais comunidades devo visar para ajudar o projeto a viralizar. As produções da Marvel, por exemplo, são boas em conseguir comunidades diferentes em seus projetos; será que The Lose poderia de alguma forma ter sido comercializado para esse público-alvo?

A análise mostrou que meu filme não se saiu bem em duas categorias: singularidade (qual a semelhança do “DNA narrativo” com as produções da lista de comparações?) e interesse (o roteiro tinha um grande conjunto de personagens com grande variedade de arquétipos?).

Conclusão: somente um astro (a Corto recomendou Chris Pratt) poderia fazer com que meu filme tivesse sucesso. Esse foi mais um tapa na cara em minha carreira fracassada como aspirante a roteirista.

Segundo Bergquist, vários grandes estúdios de cinema já estão utilizando esse processo de comparação por meio da plataforma da web da Corto. A relação com Hollywood vem do cargo de Bergquist como diretor de IA no Centro de Tecnologia de Entretenimento da Universidade do Sul da Califórnia (ETC@USC, na sigla em inglês).

Fundado em 1993 com a ajuda de um ex-aluno da USC, George Lucas, o ETC@USC recebe financiamento de Paramount Pictures, Sony Pictures Entertainment, 20th Century Fox, Walt Disney Studios, Universal Pictures, Warner Bros. Entertainment e outros.

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De acordo com o The Hollywood Reporter, antes de ingressar no ETC@USC em 2016, Bergquist tinha experiência com storytelling. No início dos anos 2000, ele passou a se chamar Alexis Debat e frequentemente comentava no telejornal ABC News como especialista em Guerra ao Terror.

Em 2007, ele foi “exposto por adulterar seu currículo” e “acusado de falsificar uma série de entrevistas com personalidades famosas”.

Bergquist demorou anos para reconstruir sua carreira, tendo de fazer paradas na Singularity University, de Ray Kurzweil, e na empresa de análise de pesquisas de opinião Ranker. Como o CEO do ETC@USC Ken Williams disse ao The Hollywood Reporter: “acredito que as pessoas merecem uma segunda chance e penso que [Bergquist] definitivamente a mereceu”.

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Bergquist está usando sua segunda chance para trazer uma solução de IA para um setor que há muito usa o instinto.

O lendário roteirista William Goldman escreveu sobre a indústria que “ninguém sabe nada... não há uma pessoa em todo o setor que sabe com certeza o que vai funcionar”. É sempre um palpite”.

Alguns palpites deram muito certo. Décadas antes de seu infame tapa durante a cerimônia do Oscar, Will Smith encontrou um padrão nos sucessos de bilheteria: “nove entre os dez maiores filmes de todos os tempos têm efeitos especiais; oito em cada dez têm criaturas neles; sete em cada dez têm um romance. Portanto, se você quiser um sucesso, talvez seja melhor misturar esses elementos. Eu apenas estudo padrões e tento identificar o que pode dar certo. Foi assim que conseguimos Independence Day e MIB – Homens de Preto”.

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Outro palpite seguro: desde 2000, o maior sucesso de bilheteria em 19 dos 21 anos seguintes foi uma sequência ou um filme de franquia.

Roteiros desprezados que levam o Oscar

A abordagem mais sistemática para encontrar bons conteúdos novos em Hollywood é a Black List, uma pesquisa anual com executivos de produção de filmes que votam em quais roteiros não produzidos eles mais apreciam. Lançada por Franklin Leonard em 2005, a Black List já incluiu mais de mil roteiros. Destes, 440 foram produzidos, incluindo quatro dos últimos dez filmes que levaram o Oscar de melhor filme.

O uso da tecnologia para encontrar grandes conteúdos de Hollywood tem uma história muito mais marcante. Ryan Kavanaugh lançou a Relativity Media em 2004 com um algoritmo que poderia prever os sucessos de bilheteria. A empresa abriu falência em 2016

Esforços recentes com o uso de IA não foram muito populares. A Lexus fez um a propaganda de 60 segundos baseado em um roteiro do supercomputador Watson da IBM (IBM) (ao contrário do meu roteiro super engraçado, a propaganda é pouco inspiradora), ao passo que a Fox utilizou a Google Cloud para criar um trailer de filme.

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Enquanto isso, o modelo de linguagem GPT-3 da OpenAI tem feito roteiros notáveis por seus diálogos sem sentido. Mas esse modelo deve melhorar com o tempo.

Kim Benabib, cocriador da série The Brink da HBO, é cético em relação à IA em Hollywood. “O Vale do Silício há muito sonha em remover o elemento humano do negócio do entretenimento porque é caro e organizado”, disse. “O elemento que faz um sucesso é intangível. É uma combinação de voz, acaso e magia que não pode ser identificada por uma fórmula matemática.”

Como é de se esperar de alguém que está ganhando a vida com escrita criativa, concordo amplamente com a opinião de Benabib.

Segundo Bergquist, a Corto está adotando uma nova abordagem porque combina uma compreensão profunda do conteúdo de um filme e do envolvimento do possível público.

Dizemos aos executivos o quanto o roteiro é diferente, único e moderno. Então oferecemos insights sobre o público que provavelmente será atingido pela história e pelos personagens”, disse Bergquist via e-mail. “E dizemos quais atributos do projeto (elenco, efeitos visuais, música, etc.) serão importantes para esse público”.

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Existem alguns concorrentes no setor, mas com focos diferentes. A Cinelytic utiliza um enorme banco de dados de talentos para ajudar nos testes de elenco. A Movio informa decisões de produção com base em dados de transação de 10 milhões de cinéfilos.

Em outros lugares, empresas que medem principalmente o sentimento nas redes sociais – como Talkwalker e Meltwater – possuem um banco de dados de “DNA narrativo” para mais de 700 mil produções.

O recente sucesso de Minions 2: A Origem de Gru no TikTok mostra que as redes sociais podem ser um fator determinante de um sucesso de bilheteria. E essa é uma área na qual a Corto acredita ter uma vantagem.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Trung Phan é o coapresentador do podcast Not Investment Advice e escreve o boletim SatPost. Foi o principal redator do Hustle, um boletim de tecnologia.

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