O caminho mais fácil nem sempre é o mais correto, e o Fed deve se dar conta disso
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Bloomberg Opinion — Nos últimos 18 meses, a interpretação rápida e fácil dos dados sobre inflação revelou estar incorreta. Vai ser diferente no futuro? Os mercados certamente esperam que sim. As autoridades do Federal Reserve parecem mais cautelosos, e com razão. A última mudança de narrativa dos mercados não é a correta para o banco central mais poderoso do mundo.

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Quando a ameaça inflacionária fez sua primeira aparição no ano passado, o Fed e a maioria dos participantes do mercado, incluindo os analistas, encontraram razões imediatas para descartá-la.

Os fatores eram externos, minúsculos em número e historicamente inclinados a serem rapidamente reversíveis. Optar pela caracterização “transitória” foi algo rápido e fácil, principalmente porque não exigiu nenhuma mudança na abordagem. Afinal, apenas ignorávamos fenômenos transitórios.

Como a inflação persistiu e acelerou, os mercados se afastaram da visão transitória, mas o Fed se agarrou a ela até o final de novembro. Na época, a inflação tinha começado a se arraigar no sistema econômico, e seus motores estavam se alargando.

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Depois que o Fed finalmente aumentou as taxas de juros e elaborou um plano de aperto quantitativo através da contração do balanço, os formuladores de políticas monetárias e muitos analistas de mercado e participantes optaram inicialmente por um cenário de soft landing – ou seja, a redução da inflação sem grandes danos ao crescimento. Novamente, foi rápido e fácil. E também provou ser algo parcial e muito simplista.

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Não demorou muito até que os mercados começaram a fixar os preços em um risco significativo de recessão, à medida que se espalhou a percepção de que, já que o Fed ficou tão atrasado na inflação, sua necessidade de aumentar as taxas de juros rapidamente e de forma agressiva provavelmente prejudicaria a atividade econômica de maneira significativa. Tanto as ações como os títulos foram vendidos abruptamente, e a curva de juros começou a se inverter.

Era hora de as palavras de conforto do Fed sobre um soft landing saírem de cena para darem lugar a um tom mais cauteloso, juntamente com uma narrativa política mais determinada que incluísse um compromisso “incondicional” para derrotar a inflação.

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A inversão da curva de rendimento piorou, aproximando-se de menos 50 pontos base para o spread entre os títulos de dois anos e os de dez anos do Tesouro. O Fed indicou que pretendia evitar mais orientações após essa série de constrangimentos.

A recente combinação de um relatório de empregos e de números de inflação melhores que o esperado redefiniu a narrativa dominante nos mercados – novamente o que era mais rápido e fácil de se fazer.

O tom econômico decididamente muito mais construtivo tem como base a visão de que o Fed conseguirá completar seu ciclo de aperto nos próximos meses e até mesmo começar a aliviá-lo já no próximo ano, limitando assim o impacto ao crescimento, ao emprego e à renda.

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Isso coloca o Fed em uma posição complicada. Será que ele seguirá o plano e validará por meio de ações e palavras a flexibilização das condições financeiras dos mercados; ou ele permanecerá firme, correndo o risco de perturbar os mercados que recuperaram sua posição após um primeiro semestre prejudicial?

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Por mais tentador que seja escolher novamente o procedimento mais fácil, o Fed deve resistir a mais uma abordagem que arrisca manter viva a ameaça de inflação por mais tempo. Isso não só resultaria em maior erosão do poder de compra mas também prejudicaria ainda mais as perspectivas de crescimento e imporia um fardo ainda mais pesado aos segmentos mais vulneráveis da sociedade.

O Fed precisa ficar nos eixos e fazer o máximo para domar a inflação. Isso não será fácil nem é uma abordagem isenta de riscos. No entanto é melhor que a alternativa disponível para um Fed que, devido a seus erros anteriores, não tem mais a melhor abordagem política à sua disposição.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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Mohamed A. El-Erian é colunista da Bloomberg Opinion. Foi CEO da Pimco, é reitor do Queens’ College, Cambridge; consultor econômico chefe da Allianz; e presidente da Gramercy Fund Management. É autor de “The Only Game in Town”.

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