Supremo precisa ter direito de não decidir sobre todos os temas, diz Fux

Presidente do STF afirma em almoço tradicional da advocacia paulista que corte precisa desenvolver formas de devolver pautas da política ao Congresso

Constituição precisa de mecanismo que permite ao Supremo não decidir sobre assuntos em que não tenha 'preparo institucional' para se pronunciar, diz Fux
08 de Agosto, 2022 | 05:51 PM

Bloomberg Línea — Para o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, a corte precisa de algum mecanismo que a permita não decidir sobre assuntos que entenda que cabem ao Congresso. Segundo ele, “é preciso desenvolver uma novel idea no plano constitucional, que é a virtude passiva: decidir não decidir. É preciso decidir que o tribunal não tem preparo institucional para decidir certos assuntos”.

Fux fez discurso em São Paulo nesta segunda-feira (8) em almoço do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). O evento, tradicional encontro da advocacia paulista, não acontecia havia três anos por causa da pandemia.

Fux procurou se defender da acusação de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) de que o STF é um obstáculo ao governo federal. “O Supremo deixa todo mundo trabalhar, mas ele é provocado. A Constituição diz que o jurisdicionado não pode ficar sem resposta. É o princípio da inafastabilidade da jurisdição”, disse.

Na sexta-feira (5), o ministro Luís Roberto Barroso, também do STF, fez queixa parecida. Durante palestra em um congresso de jornalismo, ele disse já ter sido interpelado em restaurantes e eventos que perguntam por que o Supremo, na visão dessas pessoas, não deixaria o presidente trabalhar.

PUBLICIDADE

Em seu discurso nesta segunda, Fux foi mais claro: “O Supremo Tribunal Federal só age quando provocado. Isso não quer dizer que recebemos uma provocação e vamos lá decidir, mas que só podemos tomar uma decisão quando alguém entra com uma ação. Quando se fala em judicialização da política, é a política que aciona o Judiciário”.

Foi nesse contexto que o ministro defendeu o “direito de não decidir”. Segundo ele, existem assuntos que não cabe ao Supremo definir, “mas às vezes o Congresso provoca”.

Ele citou dois exemplos: uma ação contra uma lei que mudou a idade de as crianças entrarem na escola e a reforma do Código Florestal.

PUBLICIDADE

“Nós não temos formação em pedagogia, como é que vamos escolher a idade da criança para entrar no colégio?”, disse.

Sobre o Código Florestal, disse que a lei, no Congresso, passou por mais de 70 audiências e ouviu centenas de especialistas no assunto e de pessoas que lidam com o meio ambiente na prática, em seus cotidianos.

“Homens com cabeças privilegiadas”, segundo Fux. O ministro contou ter aprendido uma série de coisas sobre a realidade ambiental do Brasil, como a existência de rios voadores (volumes de água que evaporam dos rios e são transportadas pelo ar até outras regiões). “Ali eu perguntei: quem somos nós?”, contou o presidente do STF, para se mostrar perplexo diante da complexidade do tema.

O papel contramajoritário [o poder de decidir contra as decisões da maioria do Congresso] por vezes se choca com o sentimento constitucional do povo”, argumentou o ministro. Por isso, disse, “é preciso desenvolver a virtude passiva de decidir não decidir”.

*Texto atualizado às 14h45 do dia 9/8/2022 para correção de informação: o almoço foi organizado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), e não pelo Instituto dos Advogados do Brasil (IAB).

Leia também:

‘O teto é retrátil e não é dogma’, diz Guedes a uma plateia de investidores

Quem são e o que fazem os generais de confiança de Bolsonaro na campanha

Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.