Bloomberg Línea — Para o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, a corte precisa de algum mecanismo que a permita não decidir sobre assuntos que entenda que cabem ao Congresso. Segundo ele, “é preciso desenvolver uma novel idea no plano constitucional, que é a virtude passiva: decidir não decidir. É preciso decidir que o tribunal não tem preparo institucional para decidir certos assuntos”.
Fux fez discurso em São Paulo nesta segunda-feira (8) em almoço do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). O evento, tradicional encontro da advocacia paulista, não acontecia havia três anos por causa da pandemia.
Fux procurou se defender da acusação de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) de que o STF é um obstáculo ao governo federal. “O Supremo deixa todo mundo trabalhar, mas ele é provocado. A Constituição diz que o jurisdicionado não pode ficar sem resposta. É o princípio da inafastabilidade da jurisdição”, disse.
Na sexta-feira (5), o ministro Luís Roberto Barroso, também do STF, fez queixa parecida. Durante palestra em um congresso de jornalismo, ele disse já ter sido interpelado em restaurantes e eventos que perguntam por que o Supremo, na visão dessas pessoas, não deixaria o presidente trabalhar.
Em seu discurso nesta segunda, Fux foi mais claro: “O Supremo Tribunal Federal só age quando provocado. Isso não quer dizer que recebemos uma provocação e vamos lá decidir, mas que só podemos tomar uma decisão quando alguém entra com uma ação. Quando se fala em judicialização da política, é a política que aciona o Judiciário”.
Foi nesse contexto que o ministro defendeu o “direito de não decidir”. Segundo ele, existem assuntos que não cabe ao Supremo definir, “mas às vezes o Congresso provoca”.
Ele citou dois exemplos: uma ação contra uma lei que mudou a idade de as crianças entrarem na escola e a reforma do Código Florestal.
“Nós não temos formação em pedagogia, como é que vamos escolher a idade da criança para entrar no colégio?”, disse.
Sobre o Código Florestal, disse que a lei, no Congresso, passou por mais de 70 audiências e ouviu centenas de especialistas no assunto e de pessoas que lidam com o meio ambiente na prática, em seus cotidianos.
“Homens com cabeças privilegiadas”, segundo Fux. O ministro contou ter aprendido uma série de coisas sobre a realidade ambiental do Brasil, como a existência de rios voadores (volumes de água que evaporam dos rios e são transportadas pelo ar até outras regiões). “Ali eu perguntei: quem somos nós?”, contou o presidente do STF, para se mostrar perplexo diante da complexidade do tema.
“O papel contramajoritário [o poder de decidir contra as decisões da maioria do Congresso] por vezes se choca com o sentimento constitucional do povo”, argumentou o ministro. Por isso, disse, “é preciso desenvolver a virtude passiva de decidir não decidir”.
*Texto atualizado às 14h45 do dia 9/8/2022 para correção de informação: o almoço foi organizado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), e não pelo Instituto dos Advogados do Brasil (IAB).
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