Mulheres em cargos de liderança trazem ganhos para empresas, aponta estudo

Há ‘vínculo claro entre diversidade e performance financeira’, segundo levantamento com 700 empresas da América Latina

Dados da B3 mostram que, de 100 empresas com ações negociadas em bolsa, apenas seis têm três ou mais mulheres em cargos de direção
01 de Junho, 2022 | 08:37 AM

Bloomberg Línea — A produtora de papel e celulose Suzano (SUZB3) anunciou a nomeação de três mulheres para compor o conselho de administração da companhia no último dia 17. Com a decisão, o board passa a ser composto por 33% de mulheres. O aumento da diversidade de gênero nos conselhos destoa da realidade das empresas no Brasil, apesar dos efeitos positivos diagnosticados em estudos recentes.

No país, a cada 100 empresas com ações negociadas em bolsa de valores, apenas seis possuem três ou mais mulheres em cargos de direção, enquanto 45% não têm nenhuma participação de mulheres no seus conselhos de administração. É o que revela um levantamento inédito feito pela B3 (B3SA3), a empresa que opera a bolsa de valores do Brasil, publicado no fim do ano passado.

Ainda de acordo com o levantamento, 61% das empresas não têm uma única mulher entre seus diretores estatutários, 25% declaram ter uma apenas uma mulher nos cargos de diretoria e 32% têm apenas uma mulher no conselho de administração. E somente 6% das companhias listadas têm três ou mais mulheres no seu conselho.

Cristina Betts, CEO do Grupo Iguatemi (IGTI3), é uma das executivas que reforçam a presença feminina nos cargos de alto escalão. Ela assumiu a presidência do grupo de shoppings em 2022, depois de 13 anos ocupando o cargo de CFO. Atualmente, também faz parte do Conselho de Administração da B3, do Comitê de Finanças da Votorantim Cimentos e do Conselho Fiscal da Rumo Logística (RAIL3).

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“Meu papel, como profissional e como mulher, é colaborar para que cada vez mais colegas mulheres ocupem posições de destaque nestes espaços”, disse em entrevista à Bloomberg Línea.

Para Betts, que foi eleita uma das 50 Mulheres de Impacto da América Latina pela Bloomberg Línea em abril, os números ainda baixos de mulheres em cargos de liderança e em conselhos de empresas refletem um “problema estrutural” e mostram que ainda há um longo caminho a ser percorrido.

“De maneira geral, as empresas têm caminhado, ainda que lentamente, rumo à equidade de gênero e ampliado seus quadros de liderança feminina. Já percebemos um olhar mais profundo para essa pauta e vemos que muitas companhias estão adotando políticas claras para promover essa mudança no ambiente corporativo”, afirmou.

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A CEO do Grupo Iguatemi também faz parte do Conselho de Administração da B3, do Comitê de Finanças da Votorantim e no Conselho Fiscal da Rumodfd

Diversidade x performance

Um estudo da consultoria McKinsey & Company sobre o estado da diversidade corporativa na América Latina mostrou que companhias que adotam a diversidade de gênero tendem a superar as demais em práticas-chave de negócios, como inovação e colaboração, e seus líderes são melhores em promover a confiança e o trabalho em equipe.

Essas empresas também tendem a ter ambientes de trabalho mais felizes e uma melhor retenção de talentos, bem como uma saúde organizacional mais sólida em termos de resultados. O estudo com 700 empresas de capital aberto de diferentes setores, sediadas no Brasil, Chile, Peru, Argentina, Colômbia e Panamá, concluiu também que há “um vínculo claro entre diversidade e performance financeira”.

De acordo com a consultoria, as empresas com equipes executivas diversificadas em termos de gênero têm 14% mais probabilidade de superar a performance de seus pares na indústria na América Latina, e empresas percebidas pelos funcionários como mais diversa em termos de gênero têm 93% mais probabilidade de superar a performance financeira de seus pares na indústria.

Betts afirma que “a diversidade de gênero é positiva para a inovação, resiliência e sustentabilidade dos negócios”, e conta que o Grupo Iguatemi tem apostado em medidas para diminuir essa disparidade que as estatísticas mostram.

“Temos um Comitê de Equidade que promove muitas reflexões, aprendizados e novas ações. Um exemplo disso é o programa de mentoria, que traz conteúdos voltados exclusivamente ao desenvolvimento da liderança feminina dentro da empresa. E já vemos os resultados desses esforços refletidos na nossa equipe, que hoje é composta por aproximadamente 43% de mulheres e que representam, também, 40% dos cargos de liderança”, conta.

Por dois anos consecutivos, em 2020 e em 2021, o Grupo Iguatemi foi eleito como uma das melhores empresas para mulheres trabalharem no Brasil, segundo o ranking do Great Place to Work.

Na tentativa de driblar os números ainda escassos de mulheres em cargos de liderança, em setembro de 2021, a B3 emitiu o Sustainability-Linked Bond (SLB), um instrumento de dívida que tem como objetivo fazer com que o emissor alcance objetivos ESG, com metas exclusivamente sociais, atreladas à diversidade e inclusão.

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Entre elas, está a criação, até 2024, de um índice de mercado para medir a performance de empresas que tenham bons indicadores de diversidade, além da meta de atingir o percentual de 35% de mulheres em cargos de liderança na B3 até 2026 (gerentes, superintendentes e diretoria).

Para Chantal Pillet, diretora executiva de Compliance do grupo Carrefour desde julho de 2019, o maior desafio é “fazer uma gestão ética” diante dos mais de 100 mil colaboradores do grupo no Brasil, além da constante reafirmação da “quebra de estereótipos”.

Historicamente os cargos de liderança são desenhados, em grandes corporações, por um perfil masculino, branco e heterossexual. Nós mulheres, e ainda mais as mulheres negras, como eu, muitas vezes não nos vemos nestas posições. Acredito que precisamos começar a desconstruir esse estereótipo limitante”, diz.

Ainda assim, Pillet vê avanços na pluralidade de pessoas que ocupam cargos de liderança, e cita o “acesso à educação” como fundamental para garantir maior equidade.

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Chantal Pillet, diretora executiva de Compliance do grupo Carrefourdfd

“É preciso que a desconstrução seja feita desde cedo e que as pessoas sejam preparadas para ocuparem estes espaços, que se sintam pertencentes a eles. Mas subir posições para que sejamos vistas é também uma responsabilidade das corporações”, conclui.

Betts adiciona ainda que, embora a competência profissional “seja um conjunto de conhecimentos adquiridos por meio da experiência, qualificação e personalidade” e que “nada tem a ver com gênero”, a enorme diferença na representatividade da mulher é ainda mais evidente em ambientes corporativos. Para ela, essa realidade só será modificada através de um empenho coletivo.

“Além de implementar políticas sérias e transparentes, é preciso se associar e se aproximar de organizações que trabalhem o tema de forma responsável e coerente”.

Mudanças nos conselhos

No Brasil, há uma preocupação maior em relação à falta de diferentes pontos de vista em conselhos administrativos. A conclusão é de um estudo divulgado na segunda-feira (30) pela consultoria KPMG. De acordo com o relatório, mais de 70% dos respondentes brasileiros demonstram grande ou relativa preocupação com a falta de diversidade em conselhos, ante 57% da amostra global.

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Em geral, a percepção é de que a falta de diversidade pode prejudicar a condução de discussões estratégicas e a identificação de pontos cegos ou necessidades de melhorias com relação ao futuro da empresa. A diversidade do conselho também é vista como relevante ou muito relevante para a avaliação e a condução do papel social da empresa, tanto no Brasil (58%) como globalmente (73%).

Outro destaque para o Brasil é que a maioria dos respondentes locais (64%) diz que o conselho em que atua seria moderadamente diferente se a sua composição fosse revisada para atender às necessidades atuais e futuras da organização, incluindo diversidade de habilidades e experiências, enquanto 5% acreditam que seria completamente diferente. Para 9% dos entrevistados, o conselho não tem uma cultura que incentiva que todas as vozes sejam ouvidas igualmente.

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Os resultados do estudo foram baseados em uma pesquisa global com mais de 700 membros de conselhos e comitês em diferentes países, com grande destaque para número de respondentes do Brasil.

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Melina Flynn

Melina Flynn é jornalista naturalizada brasileira, estudou Artes Cênicas e Comunicação Social, e passou por veículos como G1, RBS TV e TC, plataforma de inteligência de mercado, onde se especializou em política e economia, e hoje coordena a operação multimídia da Bloomberg Linea no Brasil.