CEO do Rappi chama entregador de ‘herói’, mas diz que não pode subir preços

Exclusivo: Simón Borrero afirma que alta de preços ao consumidor derrubaria demanda. Segundo ele, na América Latina há “lutas políticas idiotas”

Simón Borrero, cofundador do Rappi
22 de Setembro, 2021 | 05:04 PM

Quando o Rappi anunciou, na terceira semana de julho, que havia concluído uma nova rodada de financiamento de US$ 500 milhões, a notícia não passou despercebida. Além da importante injeção de capital para dar continuidade a um processo de expansão que a levará a mais alguns países latino-americanos – chegando a 11 – a empresa obteve sócios de primeira linha e atingiu um valuation próximo a US$ 5,25 bilhões.

É assim que continua o progresso de uma empresa fundada em 2015 por Simón Borrero, Sebastián Mejía e Felipe Villamarín, que cresceu rapidamente durante a pandemia e cujo portfólio de serviços é cada vez mais amplo. A sua notória incursão no setor financeiro confirma isso e faz parte de um processo de inovação com base na opinião dos usuários do serviço.

Confira trechos da entrevista de Borrero com a Bloomberg Línea sobre este e outros assuntos.

O que significou a pandemia

Foi um momento difícil para muitos. O Rappi conta com todo um ecossistema de parceiros, e infelizmente vimos muitos restaurantes fechando as portas. Houve um momento no início da pandemia em que houve muito caos, e acredito que a empresa respondeu muito bem. A empresa trabalhou por mais de um mês e meio sem descansar aos fins de semana tentando dimensionar a operação para melhor atender a sociedade. Fizemos uma reunião no início da pandemia e decidimos melhorar o Rappi o máximo possível para que as pessoas pudessem ficar tranquilas durante seu confinamento. Eu diria que os entregadores foram heróis reconhecidos pela sociedade, que os aplaudia à noite. Foram meses de operação muito difíceis, pois era impossível prever a demanda, que chegava a alguns picos muito altos, então o serviço não pôde fazer seu melhor, mas acredito que aos poucos melhoramos, e as coisas foram bem feitas.

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Mudanças nos hábitos de consumo

Sem dúvidas, a pandemia acelerou as mudanças nos hábitos de consumo. Muitas pessoas que iam ao supermercado agora sabem que podem fazer compras on-line pelo mesmo preço e receber os produtos em casa por um valor inferior ao que gastariam na locomoção. Graças a esses serviços, houve um crescimento significativo para a empresa.

Simón Borrero, cofundador do Rappidfd

Futuro do Rappi e reabertura

Hoje vemos que na maioria dos mercados latino-americanos a abertura já aconteceu. Observamos também que os hábitos foram mantidos. É um momento esquisito, porque a economia está aberta, mas as pessoas ainda não vão aos escritórios. Então as compras em restaurantes são um pouco diferentes. Contudo, em geral, a demanda foi mantida, e estamos no ponto mais alto de nossa história.

Novos produtos no portfólio

Estávamos planejando, mas acabamos acelerando-os. Os dois que mais crescem são – de um lado – os serviços financeiros, como o Rappicard. No mês massado, no México, fomos a segunda entidade a colocar mais cartões de crédito em circulação; na Colômbia, também estamos começando a crescer muito, obviamente com um produto 100% digital que possui facilidades e uma experiência de usuário, com um nível muito diferente do que existe no mercado hoje. Do outro lato, temos o outro serviço que estamos explorando, o Rappi Turbo, para o qual começamos a construir, no início do ano, alguns microarmazéns próximos das casas dos usuários – a uma distância máxima de 1,5 km – e que, graças a um software de estoques em tempo real, destinado a parceiros do segmento de supermercados, nos permite chegar à casa dos usuários em menos de 10 minutos. Essa será uma grande revolução porque agora você pode comprar produtos frescos e de alta qualidade. O tempo médio de entrega é de 8,3 minutos. A ideia é que sejamos uma extensão da geladeira de nossos usuários. No final do ano teremos mais de 500 darkstores (microarmazéns) em funcionamento.

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“O tempo médio de entrega é de 8,3 minutos. A ideia é que sejamos uma extensão da geladeira de nossos usuários. No final do ano teremos mais de 500 darkstores (microarmazéns) em funcionamento”

Segmento de viagens

Estamos começando a ver uma reativação do setor. E não sabemos se será tão rápido quanto vemos nas áreas impulsionadas pelo cashback de 5% concedido com o uso de nosso cartão de crédito, o Rappicard. Qualquer passagem ou hotel barateia a compra em 5%. Esta não é uma oferta, mas um benefício permanente, já que obviamente a demanda por passagens começou a crescer.

Veja mais: Mais que delivery: Como as ‘foodtechs’ reinventam as entregas rápidas na AL

Rodada de financiamento de US$ 500 mi

O principal objetivo foi ter investidores que nos acompanharão nos próximos 20 anos, que pensem no longo prazo e que estejam alinhados conosco quanto aos valores e à nossa missão, que consiste em apoiar o progresso da América Latina por meio da tecnologia, e fazemos isso diariamente, devolvendo tempo às pessoas, aumentando a renda dos estabelecimentos parceiros e dos entregadores. No entanto, a missão vai muito mais além, e gostaríamos de ser referência, como foi a Samsung na Coreia do Sul e a Sony no Japão – esta, juntamente com a Toyota, mostrou ao mundo que o país podia fazer coisas de qualidade global.

“Penso que falta acreditarmos na América Latina, pois podemos construir empresas de nível mundial. Graças a empresas como Nubank e MercadoLivre – e agora o Rappi – as pessoas estão acreditando em nós, bilhões de dólares estão vindo para a região”

Transformação em referência

Penso que precisamos acreditar na América Latina, pois podemos construir empresas de nível mundial. Graças a empresas como Nubank e MercadoLivre – e agora o Rappi – as pessoas estão acreditando em nós, bilhões de dólares estão vindo para a região. Nós levamos a empresa muito a sério. Queremos continuar trazendo investimentos e crescimento, retornos e aumentos na nossa valuation para os investidores e ajudar muitos outros empreendedores a seguir esses passos. Também queremos mostrar ao resto da América Latina que construímos o bem-estar por meio do crescimento e do progresso. Não é por meio da política, nem por meio de embates e queixas. É por meio do trabalho, da construção, da inovação e da concorrência. Nosso talento e nossa resiliência são iguais ou até melhores que os de nossos concorrentes. Portanto, estamos felizes por ter investidores tão comprometidos com o progresso regional, como o Softbank que investiu novamente, a Baillie Gifford, a Third Point, o fundo soberano de Singapura e outros. Então esse foi o motivo principal. Além, obviamente, dos recursos para continuarmos investindo na região.

Fotógrafo: Alejandro Cegarra/Bloombergdfd

Planos de expansão

Estamos em nove países e em breve iniciaremos operações em mais dois. Temos uma visão de longo prazo em nossos planos e esperamos que nos próximos 40 anos possamos continuar a trazer progresso para todas as cidades da América Latina. Seria algo como se fala na economia: construa uma rodovia entre duas cidades e o poder aquisitivo dos habitantes de ambas aumentará. Aqui, a tecnologia aumenta as transações e conexões entre as pessoas e isso traz crescimento. Claro que gostaríamos de estar presentes em outros países, mas não há condições para isso. Contudo acreditamos que, aos poucos, essas condições irão surgir. Não temos uma meta de países ou de ampliar para além da América Latina, pelo menos não nos próximos oito anos. Nossa missão é criar progresso aqui e investir o dinheiro aqui. Então, permaneceremos por aqui, por ora.

“Gostaríamos de estar presentes em outros países, mas não há condições para isso, contudo acreditamos que aos poucos essas condições irão surgir. Não temos uma meta de países ou de ampliar para além da América Latina, pelo menos não nos próximos oito anos. Nossa missão é criar progresso aqui e investir o dinheiro aqui. Então, permaneceremos por aqui, por ora”

Controvérsia sobre os entregadores do Rappi

É preciso diferenciar os modelos em cada parte do mundo. Na Europa, alguns o estão utilizando para poder pagar uma hora inferior à equivalente do salário mínimo e isso é questionável. Muito diferente do exemplo que o Rappi está dando na América Latina, onde em cada mercado, em média, os entregadores estão ganhando o equivalente a mais de dois salários mínimos. Em um país como a Colômbia, onde 70% da população ganha menos do que o equivalente a dois salários mínimos, acabamos entrando nessa cultura de criticar por meio de memes, sem ter a informação real ou ir atrás dos fatos. Nós, do Rappi, temos um enorme orgulho em dar oportunidades às pessoas de ganhar esse tipo de renda. Gostaríamos que fosse muito mais, mas não podemos aumentar os preços ao consumidor porque obviamente impactaria a demanda. Preferimos manter os níveis num ponto em que se criam oportunidades para alcançar resultados muito melhores e poder continuar crescendo para que haja ainda mais oportunidades para mais pessoas. E é exatamente isso que estamos vendo. E vai continuar aumentando, como se espera: por meio da tecnologia e da produtividade. Está aí algo que aprimoramos no Rappi diariamente: a produtividade dos entregadores para que possam atender a mais pedidos por hora e assim ganhar mais por hora. Esse é o nosso compromisso.

Veja mais: SoftBank eleva aposta em empresas de tecnologia da América Latina para US$ 8 bi

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“Muito diferente do exemplo que o Rappi está dando na América Latina, onde em cada mercado, em média, os Rappitenderos estão ganhando o equivalente a mais de dois salários mínimos. Em um país como a Colômbia, onde 70% da população ganha menos do que o equivalente a dois salários mínimos, acabamos entrando nessa cultura de criticar por meio de memes, sem ter a informação real ou ir atrás dos fatos”

Expansão da oferta de produtos

Para ser sincero, este aspecto não está muito claro para nós, mas a verdade é que nunca esteve. O que tem funcionado é ouvir os usuários e entender como estão usando o Rappi para economizar tempo, acima de tudo. E, em última análise, é este o serviço que prestamos às pessoas. Se você perguntar a um usuário muito fiel o que é o Rappi, ele vai responder que é um aplicativo para economizar tempo: para evitar ir ao mercado, mas também não precisar sair para comprar uma cartolina para o dever de casa de um filho, ou ir à farmácia comprar um remédio, ou receber em casa verduras frescas em menos de 10 minutos, não ter que ir ao banco, poder transferir dinheiro de forma totalmente gratuita, poder comprar online etc. Então é essa comodidade que oferecemos porque já conhecemos nossos usuários, que não precisam inserir seus dados novamente para comprar uma passagem, organizar viagens, administrar o dinheiro ou usar produtos financeiros, que vão começar a sair para investir mais de forma inteligente e lidar com a vida com mais facilidade.

Ser o fundador de uma empresa avaliada em US$ 5,5 bilhões

Não olhamos muito para trás. Acreditamos que existem centenas de outras coisas para criar e fazer na região, e sentimos que estamos apenas começando. Isso é muito maior do que o conjunto de fundadores. Não estamos fazendo isso por dinheiro. Já recebemos várias propostas para vender a empresa e poderíamos passar o resto da vida na praia. Mas não é isso que nos move. O que nos move é ter uma ferramenta que realmente gere impacto. E o que espero é poder mostrar que essa nova geração de empreendedores não mede seu sucesso como se fazia antigamente. Sucesso era medido por um bom salário na conta, por um patrimônio. Medimos o nosso pelo número de vidas que estamos melhorando. Isso não é para ficar rico. É para gerar valor para retribuir à sociedade e é a fórmula necessária para progredir e fazer nossa economia crescer. Temos que mostrar à sociedade que o empreendedorismo é um motor de bem-estar. É insano que existam sociedades no mundo que não apoiam o empreendedorismo e não valorizam os empreendedores. São eles quem realmente alimentam a população.

“Não estamos fazendo isso por dinheiro. Já recebemos várias propostas para vender a empresa e poderíamos passar o resto da vida na praia”

Dicas para novos empreendedores

Que saibam onde estão se metendo, porque não é fácil. Eu imagino que tem gente que olha de fora e pensa que essa empresa cresceu do nada. Não. Não é fácil crescer. Já faz seis anos que todas as semanas revisamos projeto a projeto, iniciativa a iniciativa, o que temos que fazer para gerar crescimento e isso não vai parar. Portanto, é muito mais difícil do que parece e devemos ter bons motivos para fazer isso. Do contrário, não é suficiente. Então, espero que aqueles que estão começando a empreender o façam porque essa é a sua vocação e não para ganhar dinheiro rápido.

Riscos na América Latina

A China tomou todas as decisões acertadas nas últimas décadas e tirou 800 milhões de pessoas da pobreza. Mas já se tem observado que estão começando a tomar decisões que não são tão boas e que estão gerando incertezas. Portanto, há bilhões de dólares que seriam investidos lá, mas agora não têm para onde ir. E nós, na América Latina, em vez de nos arrumar, pentear os cabelos, ficar bonitos e nos organizar, oferecendo certezas ao mundo e a confiança de que acreditamos no progresso, estamos lutando entre nós enquanto ainda há crianças descalças que precisam de nós como líderes criativos. Há lutas políticas tolas porque, objetivamente, não se sai da pobreza sem jogar as regras do mercado: ser competitivo, criar indústrias, trazer investimentos, oferecer garantias para esses investimentos. Portanto, os políticos de esquerda ou de direita deveriam se matar para atrair investimentos e dar oportunidades a essas crianças no futuro. Deveríamos estar discutindo isso. Precisamos crescer. A sociedade deve eleger governantes que criem oportunidades para nós. Ponto final. Está evidente quais nações estão no caminho certo e quais não estão. Esperamos nos aproximar daquelas que estão trilhando um bom caminho.

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“E nós, na América Latina, em vez de nos arrumar, pentear os cabelos, ficar bonitos e nos organizar, oferecendo certezas ao mundo a certeza de que acreditamos no progresso, estamos lutando entre nós enquanto ainda há crianças descalças que precisam de nós como líderes criativos”

Oportunidades da região

Somos 650 milhões e esta é a nossa oportunidade. Como região, temos que nos tornar competitivos. Um país não é muito diferente de uma empresa no sentido de crescimento. É preciso ouvir o mercado. Foi isto o que fizemos. Temos que ser espertos e orientar nossos jovens para o que o mundo realmente precisa: aprender a programar, mesmo que eu tenha um preconceito sobre isso. Devemos aprender inglês não apenas para nos comunicar com o resto do mundo, mas para entender o que acontece com a tecnologia. Em resumo, ter uma boa formação.

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Ricardo Ávila

Colaborador de Bloomberg Línea. Fue director del diario económico Portafolio, en Colombia, y es analista senior del diario El Tiempo, de Bogotá.