Justiça manda Apple permitir pagamentos de terceiros na App Store em ação movida pela dona do Fortnite

Decisão reduz o controle da fabricante do iPhone sobre um mercado de US$ 100 bilhões de jogos para celular

Apple terá de facilitar pagamentos fora da App Store
Por Malathi Nayak, Mark Gurman e Jef Feeley
10 de Setembro, 2021 | 11:24 PM

Apple Inc. foi obrigada a fazer uma grande mudança na forma como gera receita com sua App Store, em uma decisão que reduz o controle da fabricante do iPhone sobre um mercado de US$ 100 bilhões de jogos para celular.

Uma juíza federal determinou nesta sexta-feira que a Apple permita que os desenvolvedores de aplicativos direcionem os consumidores para fazerem pagamento fora de seu arranjo tradicional de cobrança. A juíza concedeu uma liminar solicitada pela Epic Games Inc., dona do jogo Fortnite, em uma batalha que se arrasta há um ano.

As mudanças, determinadas pela juíza distrital dos EUA Yvonne Gonzalez Rogers, ocorrem no momento em que a Apple enfrenta pressão global de reguladores, além de processos judiciais para abrir a App Store à concorrência. O pedido vai além das modestas concessões que a Apple fez recentemente e ameaça tirar uma grande fatia de lucro que a App Store faz cobrando uma comissão de 30% sobre as transações. De acordo com analistas, a App Store fatura mais de US$ 20 bilhões por ano com uma margem de lucro acima de 75%.

Gonzalez Rogers concluiu que a Apple tem uma conduta anticompetitiva que prejudica os consumidores ao impedir que obtenham preços mais baratos pelos produtos. Mas a juíza não considera a App Store é um monopólio, portanto não determinou que a Apple permita que marketplaces de aplicativos de terceiros funcionem em seu sistema.

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As ações da Apple chegaram a cair 3,5% após a decisão, mas fecharam com baixa de 3,3%, a US $ 148,97, no pregão de Nova York.

A Apple considerou a decisão uma vingança. “Hoje o tribunal afirmou o que sempre soubemos: a App Store não viola a lei antitruste”, disse a empresa em um comunicado. “Como o tribunal reconheceu: ‘sucesso não é ilegal.’”

Tim Sweeney, fundador e CEO da Epic, disse em um tweet que “a decisão não é uma vitória para os desenvolvedores ou para os consumidores”. “A Epic está lutando por uma competição justa entre métodos de pagamento no aplicativo e lojas de aplicativos para um bilhão de consumidores”, disse ele.

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A conclusão da juíza é “bastante poderosa”, embora ela não tenha declarado que a App Store viola as leis antitruste federais, disse Joshua Davis, professor da Escola de Direito da Universidade de São Francisco. “Esta é uma grande decisão e acho que vai além do que a Apple estava tentando fazer unilateralmente”, disse o professor.

Para a Epic, a decisão não foi tão longe assim. A empresa queria ter seu próprio marketplace dentro da App Store para que os consumidores pudessem comprar produtos diretamente dela.

Embora a juíza tenha decidido que a Apple deve dar aos consumidores a opção de comprar produtos virtuais na App Store ou deixar seu ecossistema para comprar diretamente de desenvolvedores na web, ela concordou que a Apple pode manter o controle sobre as transações dentro da App Store, incluindo a cobrança de 30% de comissão.

A Epic havia anteriormente tentado contornar o sistema de pagamento da App Store para transações no aplicativo em seu jogo Fortnite. No entanto, Gonzalez Rogers descobriu que a empresa de jogos violou seu contrato com a Apple e ordenou que ela pagasse pelo menos US$ 4 milhões em danos.

Escrutínio Antitruste

De forma mais ampla, a decisão é um revés significativo para a empresa mais valiosa do mundo. Juntamente com Facebook Inc., Amazon.com Inc. e Google Alphabet Inc., a Apple enfrenta o escrutínio de reguladores e legisladores em todo o mundo sobre seu papel na economia digital.

A Apple recentemente fez algumas concessões em meio a críticas de seu domínio de mercado, incluindo permitir que desenvolvedores de aplicativos de mídia como a Netflix se conectem da App Store a sites externos para pagamentos de usuários, tornando mais fácil para os desenvolvedores promoverem planos com preços e formas de pagamento alternativos.

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“A Apple enfrenta uma concorrência rigorosa em todos os segmentos em que faz negócios e acreditamos que os clientes e desenvolvedores nos escolhem porque nossos produtos e serviços são os melhores do mundo”, disse a fabricante do iPhone em seu comunicado. “Continuamos comprometidos em garantir que a App Store seja um mercado seguro e confiável que apóie uma comunidade de desenvolvedores próspera com mais de 2,1 milhões de empregos nos EUA, e onde as regras se apliquem igualmente a todos.”

As evidências obtidas no julgamento da Epic em Oakland, Califórnia, lançam luz sobre o poder de mercado das empresas de tecnologia, que podem ajudar a construir argumentos para um potencial processo judicial ainda maior contra a Apple e outros gigantes do setor.

Conduta anticompetitiva

Gonzalez Rogers acredita que a Apple se envolveu em conduta anticompetitiva ao impor restrições aos desenvolvedores. “Uma medida compensatória para eliminar essas disposições é apropriado”, escreveu ela. “Esta medida aumentará a concorrência, ampliará a transparência e as opções de escolha do consumidor enquanto preserva o ecossistema iOS da Apple, que tem justificativas pró-competitivas.”

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A juíza não determinou que a Apple deixasse de cobrar sua comissão de 30%, mas expressou ceticismo sobre isso. “A Apple não justificou adequadamente sua taxa de 30%”, escreveu ela. “O mero argumento de que sua comissão paga pelo uso da plataforma da App Store pelo desenvolvedor, pela licença da propriedade intelectual da Apple e pelo acesso à base de usuários apenas justifica a comissão, não a taxa em si.”

O resultado do julgamento não será a última palavra da fabricante do jogo em sua campanha global contra a Apple. A Epic, que obteve mais de US$ 5 bilhões com Fortnite no ano passado, também entrou com processos judiciais contra a Apple na União Europeia, Reino Unido e Austrália, além de processar o Google por sua loja Google Play.

“É muito improvável que essa decisão coloque o assunto em suspensão”, disse o professor Davis. “O fato de que esta juíza não deixou ninguém totalmente feliz, tenha escolhido o meio termo, abre espaço para mais litígios.”

O julgamento contou com a participação do CEO da Apple, Tim Cook, além de vários executivos de alto escalão da Apple e de Sweeney, junto com diversos especialistas em direito antitruste.

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A Epic argumentou no julgamento que a Apple exerce controle sobre o mercado de distribuição de aplicativos móveis em iPads e iPhones para extrair lucros das comissões sobre pagamentos feitos. A Apple negou ter abusado de seu poder de mercado, sustentando que compete em um mercado de transações de jogos digitais que ocorrem em vários dispositivos, incluindo consoles de videogame.

Uma vez aliados

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As duas empresas já foram aliadas no passado. A Apple manteve uma parceria de mais de uma década com Epic, considerada uma das desenvolvedoras de aplicativos mais próximas da fabricante do iPhone. Mas a relação começou a azedar em 2017, quando a Epic lançou o Fortnite. Foi quando Sweeney começou a criticar publicamente o sistema de pagamento da Apple.

A Coreia do Sul se tornou o primeiro país a forçar a Apple e o Google a abrirem suas lojas de aplicativos para outros sistemas de pagamento, estabelecendo um precedente potencialmente radical para suas operações em outras partes do mundo. A medida proíbe as lojas de aplicativos de forçarem os desenvolvedores a usar seus sistemas de pagamento online e determina que os usuários possam pagar por uma variedade de métodos.

Enquanto isso, o Congresso dos EUA está considerando uma legislação bipartidária que restringiria a capacidade da Apple e do Google de definir as regras que regem seus mercados.

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O caso relatado é o Epic Games Inc. v. Apple Inc., 20-cv-05640, do Tribunal Distrital dos EUA, Distrito Norte da Califórnia (San Francisco).

--Com a ajuda de Olga Sharif

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