Inspiração até no Mossad: empresas de segurança privada crescem com onda de crimes

Empresas de vigilância no Brasil têm demanda em alta por soluções de monitoramento eletrônico, guarda-costa e veículos blindados para enfrentar a insegurança

Câmera de seguraça Cosecurity
25 de Setembro, 2023 | 04:50 AM

Bloomberg Línea — Tornou-se comum nos últimos meses: vídeos que mostram roubos de criminosos em bairros de renda média mais elevada em capitais como São Paulo viralizam em grupos no WhatsApp. Tais ocorrências são confirmadas pelos números oficiais, isso sem considerar os casos de subnotificação.

Autoridades de segurança pública de São Paulo e Rio de Janeiro reportaram balanços com aumento de ocorrências como furtos e roubos nos primeiros meses do ano, notadamente em bairros como Jardins, Itaim Bibi e Pinheiros, na capital paulista, segundo dados das delegacias de cada bairro.

Na esteira do aumento da criminalidade, há um mercado de segurança privada que cresce para atender a uma demanda que o poder público é incapaz de atender - não ao menos com a presteza desejada.

São soluções de monitoramento eletrônico, serviços de guarda-costa especializado, com treinamento inspirado até no Mossad, o serviço secreto do governo de Israel, além de veículos blindados para proteção de patrimônio em bairros de moradores de alta renda.

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No Estado de São Paulo, os furtos aumentaram 3,8% entre janeiro e julho, com dados a partir dos registros de boletins de ocorrência. Esse tipo de crime costuma ter subnotificação, um problema que abre margem para questionamentos e até revisões dos números. Os furtos de celular cresceram 10,4%, somando mais de 18 mil casos no período, para citar apenas um tipo de crime.

Monitoramento de calçadas

Em bairros paulistanos de renda média mais elevada, como Itaim Bibi, Vila Olímpia e Vila Nova Conceição, Jardins, Higienópolis, Morumbi e Brooklyn, multiplicam-se nas calçadas e nos condomínios de luxo totens de vigilância eletrônica com câmeras apontadas para os lados da via.

A operação do equipamento faz parte do trabalho da startup CoSecurity, que pertence ao Grupo Haganá, uma das principais companhias do mercado de segurança e soluções tecnológicas.

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Por meio de câmeras privadas compartilhadas com o sistema City Câmeras, programa de monitoramento integrado da cidade de São Paulo, o projeto busca inibir ações criminosas: estende a vigilância para o patrimônio privado com ferramentas como reconhecimento facial, biometria sem contato, monitoramento do alarme perimetral e aplicativos para gestão de visitas e de encomendas.

Diante da constatação de que o crime reduz o movimento de clientes das lojas de rua, empresários se unem para criar “corredores comerciais seguros” e tentar reconquistar o público.

Na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, na região dos Jardins, em São Paulo, famosa por abrigar marcas de luxo de arquitetura e decoração, empresários se reuniram para instalar mais de 100 câmeras de segurança da CoSecurity e monitorar os 3 km de extensão da via.

“A proposta cria uma barreira de proteção no corredor comercial e busca atrair novamente os clientes que se sentem inseguros”, disse Luciano Caruso, co-fundador da CoSecurity, à Bloomberg Línea, revelando a existência de mais de 2.400 torres de segurança na cidade.

Além de São Paulo, o serviço de segurança é “exportado para cidades de outros estados, como Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina.

As câmeras possuem funcionalidades com uso de inteligência artificial e alertam a central de monitoramento caso identifiquem movimentações atípicas que fujam dos padrões, como um veículo parado na calçada de forma suspeita ou uma aglomeração.

São posicionadas em totens, iluminados por led e munidos de um QR Code para que qualquer pessoa possa reportar uma ocorrência à central. A startup precifica o serviço de acordo com o número de totens e de câmeras, com a cobrança de uma mensalidade. Há ainda a implementação de uma ronda de segurança na região.

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Só na região da Faria Lima, centro financeiro do país, são cerca de 50 câmeras, que registram, em média, quatro ocorrências por dia, principalmente furto de celular nas calçadas.

Por mês, a startup cobra R$ 700 pela manutenção de cada totem com três câmeras. São mais de 800 condomínios como clientes. A taxa de adesão ao sistema varia de R$ 900 a R$ 1.000, a depender do modelo de totem (há o mais simples, com duas câmeras).

Nos Jardins, o monitoramento das imagens capturadas pelos totens ajudou a desvendar e prender a chamada “gangue do Rolex”, uma quadrilha especializada em roubos de relógios de luxo, há dois anos, quando o sistema começou a ser implantado na cidade, disse Caruso.

“No Centro, há relatos de clientes de que houve redução da criminalidade após a instalação dos totens. Os síndicos têm acesso às imagens. E há conexão direta com as autoridades policiais”, disse.

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Guarda-costa por R$ 4.000

O Grupo Gocil, outra empresa entre as maiores no mercado de vigilância privada, possui mais de 1.800 guarda-costas espalhados pelo país.

Paulo Goulart, CEO da companhia, disse que parte da equipe especial acompanha deslocamentos de empresários e altos executivos nas regiões da Faria Lima, do Jardim Europa e da avenida Paulista em escalas de 12 a 24 horas, com cobrança de mensalidade de R$ 4.000 por meio período.

“A avenida Paulista é o grande problema hoje. Há uma grande incidência de pessoas vivendo na rua, que vieram da Cracolândia. Também é um lugar com muito furto de celular e bolsas, inclusive estourando vidro do carro para levar o celular preso no painel ou bolsa”, contou Goulart à Bloomberg Línea.

O fornecimento de carros blindados é outro serviço em alta no Grupo Gocil, segundo o CEO.

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O uso de motocicletas por criminosos disfarçados de entregadores de aplicativos de delivery tem assustado os moradores de bairros de alta renda como Moema, Itaim Bibi e Jardins: em alguns casos, quadrilhas usam os celulares das vítimas para efetuar transferências de recursos em aplicativos de bancos por meio do Pix (sistema instantâneo de pagamento) ou cartões.

“Temos 20.000 funcionários e 1.300 clientes. Em São Paulo, os bairros de alta renda que mais demandam nossos serviços de segurança patrimonial são a região da Faria Lima, no Itaim Bibi e na Vila Olímpia, a Vila Nova Conceição, o Largo da Batata e a avenida Paulista”, disse o CEO do Gocil.

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Invasão de condomínios

O Grupo GR, outro player relevante no setor de segurança privada, registrou um aumento de 15% no número de contratos de prestação de serviços assinados neste ano, segundo Robson Alves, gerente regional de operações de São Paulo.

“A demanda por vigilância privada é crescente em São Paulo. Estamos com mais de 1.100 clientes e cuidamos de mais de 100 condomínios no Itaim, na Vila Olímpia, em Pinheiros e na Vila Nova Conceição”, afirmou Alves à Bloomberg Línea.

Entre as ocorrências mais preocupantes, segundo o executivo do Grupo GR, está a ação de quadrilhas que invadem condomínios e arrombam residências em bairros nobres, para levar pertences de maior valor de moradores de alta renda. As estratégias para entrar nos prédios vão desde o disfarce como entregadores de comida a falsos convidados para uma festa fictícia.

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Os executivos da Haganá, Gocil e GR são unânimes em advertir moradores que ignoram as recomendações de segurança e abrem brechas no esquema de segurança, como dispensar checagem de potenciais visitas e hóspedes. São essas “falhas humanas” e os descuidos dos vigilantes, segundo eles, que acabam ampliando oportunidades de ações de criminosos.

“Treinamos nosso pessoal, mas precisamos fazer o mesmo com os clientes, que precisam estar abertos e ouvir nossos conselhos, como não facilitar o acesso de terceiros às dependências do condomínio. O crimimoso é inteligente e usa dessas distrações para ter êxito”, disse Alves.

No último dia 28 de agosto, um condomínio de luxo no Jardim Paulistano foi invadido por 17 homens na madrugada, que levaram R$ 3 milhões em joias após render o porteiro e o vigilante da central de monitoramento. Segundo o Estado de S. Paulo, moradores se mobilizavam para contratar uma empresa de vigilância externa. Um assaltante foi preso, e dois veículos, recuperados.

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Equipe treinada como o Mossad

Outro player nos bairros nobres da capital paulista é a Moked Security Consulting, especializada em gerenciamento de sistemas de segurança VIP para executivos, autoridades e seus familiares. A empresa se recusou a dar entrevista, justificando que a discrição faz parte de sua política de governança.

Uma pessoa a par do trabalho da empresa, que pediu anonimato, pois a questão é privada, disse que um dos principais diferenciais da Moked é a qualificação de sua mão-de-obra: o treinamento acontece nos moldes do Mossad, serviço secreto de Israel, famoso no setor pela execução de operações complexas de forma precisa e bem-sucedida.

A Moked é especializada na coordenação das operações de grandes eventos e também em visitas de executivos estrangeiros, o que inclui questões de segurança e logística. Seu site informa que, além de gerenciar contratos de segurança VIP, parte dos serviços prestados no campo é a execução de AOP (Ações Operacionais Preventiva), que consiste na prévia identificação de suspeitos e a frustração das suas atividades contra a pessoa protegida.

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Ministro admite poder das facções

As autoridades de segurança pública apontam a disseminação de grupos criminosos pelo país como uma questão urgente do setor. Além das principais capitais da região Sudeste, a ação de quadrilhas em grandes cidades em outras regiões compõe um cenário desafiador para as forças policiais.

No último dia 17 de agosto, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, admitiu que o país lida com uma sensação crescente de descontrole, ao apontar os temas mais urgentes da área.

“Primeiro é como lidar com mortes violentas intencionais, que ampliam a sensação de descontrole. Outro ponto de atenção é esse hiperpoder das facções. Enquanto não conseguimos enfrentar, nosso esforço fica dificultado e, por isso, temos posicionado a Polícia Federal para auxiliar nesse combate, sobretudo na asfixia financeira dessas organizações”, disse em nota após encontro com secretários de segurança.

Em julho, o Ministério da Justiça informou ter aportado R$ 100 milhões para a expansão das FICCO (Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado) e dos GISE (Grupos de Investigações Sensíveis) da Polícia Federal, com o objetivo de ampliar o combate às facções.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.