PIB brasileiro surpreende, mas cresce sem avanço estrutural, aponta BNP Paribas

Desde 2020, país acima das projeções, mas, em cada ano, fatores particulares alavancaram a atividade, aponta estudo da economista do banco francês para o Brasil, Laiz Carvalho

A economista-chefe do BNP Paribas para o Brasil, Laiz Carvalho (Foto: Divulgação)
21 de Fevereiro, 2024 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — Desde 2020, a economia brasileira cresce acima do que as projeções indicavam. O que é uma notícia positiva reflete, por outro lado, uma realidade menos favorável: nesse período, não houve avanço estrutural que tenha ampliado o chamado PIB potencial, ou seja, a capacidade de crescimento do país sem gerar pressões sobre a inflação. As conclusões fazem parte de um estudo recém-concluído por Laiz Carvalho, economista do BNP Paribas para o Brasil.

“A resposta imediata seria dizer que o mercado errou tanto porque o PIB potencial se tornou maior do que é estimado pelos economistas. Mas os cálculos que fizemos, que envolvem a produtividade do capital e a produtividade da mão-de-obra, apontaram para um PIB potencial de 1,8%, pouco acima do 1,6% estimado anteriormente”, disse Carvalho em entrevista à Bloomberg Línea.

Segundo a economista do banco francês, para explicar o crescimento consistente do PIB acima das projeções nos últimos anos, o PIB potencial em tese deveria ter subido para algo em torno de 2,5%. Mas isso está distante de acontecer com uma taxa de investimento equivalente a 16,5% do PIB e uma produtividade total dos fatores (PTF) que não cresce de forma significativa acima de 0,4%.

Diante desse diagnóstico, Carvalho identificou que, a cada ano desde 2020, determinadores fatores ajudaram a impulsionar o PIB para além do que a maioria do mercado projetava.

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Entre 2020 e 2023 - o dado oficial será divulgado pelo IBGE no dia 1° de março -, o erro médio das projeções de mercado segundo a mediana do boletim Focus ficou em 2,44 pontos percentuais (p.p.). O desvio padrão foi de 0,59% - quanto menor o número, menor a dispersão dos dados coletados.

Para efeito de comparação, nas duas décadas anteriores, entre 1999 e 2019, o erro médio das projeções ficou muito abaixo, em 0,16 p.p., enquanto o desvio-padrão foi de 1,69%.

“Em 2021, houve uma contribuição maior de investimentos, depois da queda no começo da pandemia; em 2022 e 2023, do consumo das famílias, com os programas de transferência de renda e de acesso a crédito; no ano passado, também houve uma composição do agro, com uma safra muito forte, com a balança comercial”, disse Carvalho.

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Em 2023, a expansão prevista de 3,1% teve como destaque, sob a ótica da oferta, o setor agro, com avanço de 15,7% na base anual, seguido de serviços (+2,6%) e indústria (1,4%), nas projeções do banco. E isso indica que atividades relacionadas ao agro devem ter se destacado igualmente.

Contribuição do trabalho e do capital

Por outro lado, fatores que poderiam explicar uma eventual mudança estrutural na economia brasileira não confirmaram essa hipótese quando analisados mais a fundo, segundo ela.

O mercado de trabalho tem registrado as taxas de desemprego mais baixas desde 2016, mas essa evolução reflete em boa medida a queda da taxa de participação da população na força de trabalho, de 63,7% em 2019 para 62% em novembro passado. Sem essa queda, o desemprego teria se mantido em torno de 10,2%, em vez dos 7,5% no penúltimo mês de 2023.

No mesmo contexto, a renda média do trabalhador ainda está nos níveis pré-pandemia.

Carvalho apontou que houve crescimento de 0,8% no potencial de capital no período de quatro trimestres encerrados em setembro do ano passado. Mas esse avanço foi efeito principalmente do avanço de 23,5% no setor agrícola em 2023 na base anual, puxado por maquinário.

“Nas conversas que temos com tradings e empresas do agronegócios, ouvimos que foram dois anos de muito investimento em máquinas e tecnologia”, disse a economista, que apontou que esse aumento da produtividade do setor vai ajudar a conter os impactos adversos do El Niño deste ano.

“Por mais que tenhamos efeitos climáticos como seca no Centro-Oeste e um período chuvoso na região Sul, o impacto efetivo na produtividade do campo será menor do que houve, por exemplo, nos anos de El Niño mais intenso em 2015 e 2016. O setor está mais bem preparado.”

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Mas esse avanço do agronegócio não se reflete de maneira ampla nos investimentos. “É difícil assumir que esse aumento no potencial de capital seja estrutural, dado que a taxa de investimento da economia tem caído recentemente, permanecendo em 16,5% do PIB, abaixo da média de 17,7% dos últimos 20 anos”, escreveu a economista do BNP Paribas no relatório.

Balança comercial: novo patamar?

O elemento surpresa em cima do PIB pode vir, segundo Laiz Carvalho, da contribuição dada pela balança comercial, que levou a um superávit recorde de US$ 99 bilhões em 2023. Para este ano, a projeção do banco francês é a de que o saldo chegue a US$ 85 bilhões, o que, se confirmado, estará muito acima da média anual de US$ 56 bilhões no período entre 2016 e 2022.

“Como comentei, o agronegócio contribuiu muito, com a safra recorde e preços que não caíram muito ao longo do ano, mas, por outro lado, temos visto uma certa diversificação da balança”, disse, apontando para produtos que vão além da soja - no caso, minério de ferro, carne bovina e petróleo e derivados.

Projeções para 2024

Segundo os cálculos de Carvalho e do BNP Paribas, a economia brasileira deve crescer 1,8% em 2024, em linha com o PIB potencial.

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O consumo das famílias deve ser novamente um dos motores do crescimento e pode se beneficiar tanto de fatores conjunturais como a liberação de recursos de precatórios pelo governo - que pode chegar a R$ 40 bilhões injetados na economia, segundo cálculos do BNP - como do mercado de crédito diante da continuidade do ciclo de corte nas taxas de juros pelo Banco Central.

A Selic, atualmente em 11,25% ao ano, deve chegar a dezembro em 9% ao ano, segundo o Focus.

“Em 2024, o crescimento continuará a ser dominado por fatores locais, em vez de melhorias estruturais, em nossa visão”, escreveu a economista no relatório. A surpresa, como citado, pode vir da balança comercial. “É o componente que pode continuar a contribuir com o crescimento nos próximos anos.”

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.