Bloomberg — A quebra do cacau em uma fazenda na Bahia é feita em uma máquina que parece um trenzinho passando pela plantação, expelindo as valiosas amêndoas por um tubo e deixando as cascas da fruta tropical pelo solo.
A cena mostra como a automação acelerou consideravelmente o processo em relação à colheita tradicional, intensiva em mão-de-obra, em que um trabalhador cortava galhos e abria os frutos de cacau com um facão.
O uso da tecnologia faz parte de um esforço do Brasil de modernizar os métodos de produção de cacau e ajudar a estimular um renascimento do setor no país. Para o mercado global, a mudança traz a perspectiva de alívio para a escassez causada por problemas nos principais países produtores da África Ocidental.
Os preços do cacau mais que dobraram este ano, atingindo um nível recorde, devido a condições climáticas extremas, doenças e problemas estruturais que prejudicaram o fornecimento da Costa do Marfim e de Gana. Os contratos futuros de cacau em Nova York fecharam a US$ 10.532 por tonelada na quarta-feira (10).
Leia também: Não é só choque de oferta. Como o mercado explica a disparada do preço do cacau
Os baixos salários têm dificultado a capacidade dos agricultores de investir em melhorias, limitando a quantidade de cacau que suas árvores podem produzir. Isso tem atraído mais atenção global para o Brasil, que tem amplo conhecimento agrícola e agricultores com recursos financeiros para investir em novas lavouras.
“O modelo de produção na África tende a se exaurir com o tempo, o que cria possibilidades para outras regiões”, disse Laerte Moraes, diretor-geral da unidade sul-americana da Cargill. “O Brasil tem todas as condições de ser um produtor de cacau com bastante eficiência e eficácia.”
A trading está entre os grupos que trabalham com novas tecnologias para cultivar cacau em áreas atípicas do Brasil. Depois de um acordo recente com agricultores do Cerrado, a Cargill negocia agora com fabricantes de chocolate, procurando formar parcerias com produtores rurais para uma próxima fase de investimentos no cacau.
“O modelo de produção na África tende a se exaurir com o tempo, o que cria possibilidades para outras regiões. O Brasil tem todas as condições de ser um produtor de cacau com bastante eficiência e eficácia.”
Laerte Moraes, diretor-geral da unidade sul-americana da Cargill
O Brasil, que perdeu seu status de grande produtor mundial por causa da praga da “vassoura de bruxa” que assolou as lavouras do país há mais de três décadas, atualmente produz menos de 5% da oferta global de cacau e é importador líquido.
A comissão do cacau do país, a Ceplac, quer duplicar a produção para mais de 440.000 toneladas por ano até 2030. Embora ainda esteja longe do volume da Costa do Marfim, a meta transformaria o Brasil em um dos principais produtores novamente, possivelmente ultrapassando Nigéria e Camarões.
Antes, o Brasil utilizava métodos de produção que confinavam a produção de cacau a algumas áreas pequenas e mais úmidas, sob a sombra de árvores nativas mais altas. Agora, as novas máquinas podem operar sob luz solar intensa e em terrenos planos.
Com irrigação melhor, uso de fertilizantes e pesticidas, e seleção de mudas que resistem à exposição à luz solar, os produtores apostam que podem tornar as lavouras de cacau mais produtivas e mais resistentes a doenças e condições climáticas extremas.
Vários agricultores que trabalham com as novas técnicas afirmam que a produtividade pode atingir cerca de 3.000 quilos por hectare, muito superior à média nacional de 491 quilos por hectare.
A irrigação permite o plantio de cacau em zonas mais secas — semelhante à expansão da soja e do milho nas mesmas regiões que levaram o Brasil a se tornar um grande exportador dessas commodities.
“Tem muita gente nova no setor de cacau começando”, disse o agrônomo Silvino Kruschewsky Neto, que presta consultoria para diversas fazendas do país. “Eles têm uma visão de negócio muito bem formada e uma cultura que dita que a lavoura tem que ser produtiva e adotar tecnologia.”
O grupo agrícola DM4, no sul da Bahia, usa a colheitadeira tipo trem para reduzir custos. Em uma fazenda que também cultiva pimenta-do-reino e café, o cacau se expande mais rapidamente do que o inicialmente previsto, com uma alta de preços torna o cultivo mais rentável, segundo Fernando De Martins, CEO do grupo.
“Os produtores estão motivados a plantar ainda mais”, disse De Martins. “O nível de preços do cacau mudou e não acredito que veremos preços baixos nos próximos anos.”
Até a PepsiCo (PEP) está otimista em relação ao cacau no Brasil. A empresa — dona da marca Toddy — obteve bons resultados depois de experimentar plantações de cacau combinadas com coqueiros em algumas das regiões mais secas do Brasil.
“A vitalidade das plantas de cacau surpreende até os especialistas”, disse Ricardo Tinoco, engenheiro agrônomo da empresa. A Pepsi cogita expandir a plantação nos 450 hectares de uma fazenda de sua propriedade, e também pode levar cacau para algumas fazendas que fornecem água de coco.
Resultados semelhantes foram observados pela Schmidt Agrícola, empresa que fez parceria com a Cargill há dois anos para promover novas técnicas para o cacau. O desenvolvimento da cultura tem sido encorajador, com uma quantidade “acima do normal” de frutos nas árvores, disse Moraes, da Cargill.
Embora leve algum tempo até que algumas das áreas plantadas mais recentemente comecem a dar frutos, os novos métodos agrícolas estão começando a chamar a atenção do mundo, à medida que os mercados globais procuram fornecedores alternativos de cacau.
“O Brasil virou a bola da vez”, disse De Martins.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
Gigante de chocolates consegue vender mais apesar de preço recorde do cacau
© 2024 Bloomberg L.P.