Adiamento em regra ambiental da UE afeta tradings e favorece a soja do Brasil

Mudança na aplicação das regras contra a importação de produtos de áreas desmatadas muda os planos de comerciantes e incentiva a compra de grãos do país

plantação de soja
Por Michael Hirtzer - Dayanne Sousa - Bernadette Toh
17 de Outubro, 2024 | 10:35 AM

Bloomberg — O movimento da União Europeia para adiar as regras que proíbem a importação de produtos agrícolas ligados ao desmatamento provocou uma reviravolta nos planos de longo prazo de tradings que estavam se preparando para atender à nova demanda.

Comerciantes de todos os tipos de produtos, desde soja até café e borracha, têm trabalhado durante meses para alinhar a cadeia de suprimentos para atender às novas regras — pagando prêmios aos agricultores que cultivam safras qualificadas.

O regulamento da UE sobre desmatamento (EUDR na sigla em inglês), que entraria em vigor no final do ano, deverá ser adiado por mais 12 meses após o bloco votar sobre o assunto.

O adiamento cria incerteza para tradings incluindo o gigante Archer-Daniels-Midland (ADM), que pode perder vendas e fazendeiros fornecedores, que já enfrentam dificuldades em razão de preços baixos em meio a grandes ofertas globais de safra.

PUBLICIDADE

Leia também: Novo terminal em Santos ilustra tese de parcerias e longo prazo, diz CEO da Rumo

Ao mesmo tempo, o adiamento tende a mudar o fluxo de grãos e cargas de oleaginosas, à medida que a pressão regulatória diminui e países fornecedores de menor custo, como o Brasil, são favorecidos em relação a países como os Estados Unidos.

Os importadores na UE poderiam desistir de comprar carregamentos mais caros de café ou soja com certificação de que não foram colhidos em áreas desmatadas e, em vez disso, escolher remessas mais baratas, sem os documentos necessários.

Os preços do café caíram 9% em relação à máxima de 13 anos em 26 de setembro, em meio a preocupações com a redução da oferta, enquanto os futuros do farelo de soja caíram cerca de 5% neste mês.

“Os riscos são altos quando se desenvolve um mercado com base em políticas, independentemente da mercadoria”, disse Susan Stroud, um analista e ex-operadora baseada perto de St. Louis, nos EUA. “O risco é real porque pode criar vencedores e perdedores num piscar de olhos, bem como uma longa lista de consequências não intencionais com implicações de longo alcance.”

A ADM, bem como alguns dos maiores operadores de café do mundo, como Sucafina e Ecom Agroindustrial, estavam se posicionando para atender o novo mercado da UE. Mas as regras enfrentaram duras críticas de países como os EUA, Brasil e Alemanha em meio à preocupação de que prejudicariam pequenos agricultores e restringiriam exportações importantes.

Veja aqui algumas das principais commodities afetadas pelo adiamento:

PUBLICIDADE

Soja

A ADM ofereceu para pagar prêmios de até 20 centavos de dólar por bushel (em torno de 27kg) para fazendeiros que pudessem provar que a soja era proveniente de terras que não foram desmatadas recentemente. Mais de 5.000 fazendeiros se inscreveram e a empresa estava se preparando para manter esses grãos separados dos outros em mais de 20 de suas unidades.

A empresa sediada em Chicago disse que continua comprometida com o programa. “Estamos monitorando os desenvolvimentos e continuaremos a trabalhar com nossos parceiros e stakeholders conforme novas informações se tornem disponíveis”, disse um porta-voz da ADM.

Entre as tradings globais de safras chamadas de ABCD, a ADM, ou A, tinha acumulado os maiores estoques de suprimentos livres de desmatamento para a UE. A Bunge (BG) e a Cargill não tinham programas dedicados nos EUA. A Louis Dreyfus, a D, não respondeu a pedidos de comentário

A UE é o segundo maior mercado para a soja americana e representa cerca de 7% das exportações de farelo de soja, de acordo com a US Soybean Export Council.

O adiamento das regras tende a beneficiar o Brasil, onde é mais difícil e caro provar que os suprimentos são de áreas que não foram desmatadas, de acordo com operadores.

Agora que as regras foram adiadas, comerciantes de soja que estavam favorecendo os embarques americanos estão se voltando para cargas mais baratas do Brasil, eles disseram.

Café

Comerciantes de café têm pago de 3 a 5 centavos de dólar acima dos futuros em Nova York para atender às regras da UE. Os operadores agora acreditam que o apetite por esses contratos provavelmente diminuirá, o que acabaria fazendo com que o prêmio caísse significativamente ou até desaparecesse até o ano que vem.

Para os contratos existentes, no entanto, os prêmios devem permanecer em vigor, disse Dave Behrends, chefe de negociação da Sucafina, em uma publicação em rede social. Ele também espera que os torrefadores continuem solicitando dados completos da EUDR dos fornecedores para que possam realizar testes.

Um adiamento na implementação de novas regras significa que a indústria não precisa mais se preocupar com o risco de multas caso surjam problemas durante tais testes.

Uma das principais preocupações do comércio de café era a possibilidade de exportadores e importadores chegarem a conclusões diferentes ao analisar dados.

O grupo exportador brasileiro Cecafé, por exemplo, disse que alertas falsos de desmatamento foram percebidos devido a problemas tecnológicos no sistema usado pelos europeus.

Borracha

A borracha adequada às regras da UE obteve um prêmio de cerca de 3 a 5 bahts (9 a 15 centavos de dólar) por quilo em leilões na Tailândia, o maior produtor e exportador mundial de borracha natural.

Mas a incerteza atual em torno do adiamento causa repercussões significativas no mercado e pode reduzir os prêmios no curto prazo, disse Farah Miller, chefe de commodities da Smartkarma.

Ainda assim, a Tailândia disse esta semana que continuará os leilões de borracha, apesar do potencial adiamento. Eles foram um dos mais preparados para a EUDR por causa do apoio do governo, disse Miller. Preocupações com o mau tempo na Tailândia também mantiveram preços elevados.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Furacão Milton afeta produtores de laranja da Flórida no pior momento do ano

Empresas de açúcar da Europa enfrentam pressão sobre preços e queda nos lucros