De agressivo a cauteloso: como o SoftBank mudou sua estratégia de investimento

Grupo japonês, um dos maiores investidores em tecnologia do mundo, ‘olha com muito cuidado’ para empresas de IA generativa, diz Sumer Juneja, chefe para EMEA, à Bloomberg News

Masayoshi Son habla en el Evento Mundial de SoftBank
Por Mark Bergen e Aggi Cantrill
17 de Fevereiro, 2024 | 06:46 AM

Bloomberg — Em janeiro, a startup espanhola TravelPerk fechou uma rodada considerada adequada aos tempos atuais mais desafiadores. A empresa levantou menos do que havia conseguido dois anos antes, com um valuation pouco maior do que US$ 1,4 bilhão.

O que surpreendeu o mercado foi que o principal investidor foi o SoftBank, grupo japonês cujo Vision Fund ficou célebre por atribuir valuations considerados exagerados às startups até que passou a acumular perdas imensas em uma onda de investimentos sob o fundador Masayoshi Son.

Agora, um ano depois, o Vision Fund está de volta à ativa no mundo dos investimentos, mas tem evitado grandes startups que antes defendia, como a WeWork e a Zume, de entrega de pizzas.

Enquanto outros investidores de tecnologia têm despejado dinheiro em novas empresas de inteligência artificial, o Vision Fund se mantém fora da briga.

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Em vez disso, tem preferido investir de forma mais ponderada em empresas como a TravelPerk, que vende software para viagens corporativas, e espera incorporar ferramentas de inteligência artificial já existentes em vez de criar novas.

O fundo está “olhando com muito cuidado” para empresas de IA generativa, disse Alex Clavel, seu co-CEO. Ele ressaltou, contudo, que fará apostas “com sabedoria”.

“Se vamos ser um pouco mais cautelosos e sensíveis em relação aos valuations?”, indagou Sumer Juneja, chefe do SoftBank para EMEA (Europa, Oriente Médio e África, na sigla em inglês) e Índia, em uma entrevista à Bloomberg News no escritório da empresa em Londres. “Com certeza.”

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A abordagem cautelosa do SoftBank vem na esteira de uma queda no mercado, exacerbada por taxas de juros mais altas e um mercado de IPOs (ofertas públicas iniciais) que praticamente secou, além das próprias dificuldades financeiras da empresa.

O Vision Fund I, um veículo enorme investido pelos fundos soberanos da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, em grande parte parou de procurar novas startups — mesmo enquanto obtém retornos amplos de participações em empresas como a DoorDash e a ByteDance, controladora do TikTok.

O Vision Fund II, lançado em 2019, conta exclusivamente com o dinheiro do SoftBank, um pool de capital que se expandiu fortemente na semana passada graças à fatia majoritária na Arm Holdings, de chips.

Ainda assim, o segundo fundo estava com um déficit de US$ 19 bilhões até o último trimestre.

Enquanto isso, Son aumentou a atividade de negociação em outros lugares, investindo diretamente por meio do SoftBank em negócios como caminhões autônomos, armazéns e outros empreendimentos de IA que a empresa considera “estratégicos”.

Em um trimestre recente, o SoftBank investiu quase três vezes mais dinheiro por meio de seu próprio balanço do que por meio do Vision Fund.

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Clavel contestou a ideia de que o SoftBank e o Vision Fund estavam competindo de alguma forma. “Não são pessoas do Vision Fund indo nessa direção, e o Masa indo naquela direção”, disse ele, referindo-se a Son pelo apelido. “É uma abordagem integrada de equipe.”

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Nova estratégia

Com o setor de tecnologia da Europa ficando para trás dos Estados Unidos e da Ásia, a região pode estar emergindo como um campo de testes para a nova estratégia do Vision Fund.

Juneja, que se juntou ao SoftBank em 2018, instruiu sua equipe a evitar negócios que atribuam às startups valuations acima de US$ 1 bilhão - os unicórnios - e a não liderar rodadas sozinha.

Eles também foram instruídos a não comprar mais do que um quinto do patrimônio líquido de uma startup e a mirar saídas de até US$ 4 bilhões.

O SoftBank investia “timidamente”, segundo afirmou o diretor financeiro da empresa no ano passado, “com medo em nossos corações”.

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O movimento representa uma mudança notável em relação ao entusiasmo inicial da empresa. Lançado em Londres em 2017, com um tamanho de US$ 100 bilhões e uma ampla equipe, o Vision Fund I fez uma entrada de “choque e pavor” em venture capital, lembrou o investidor britânico Keith Wallington.

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O Vision Fund II era menor e não tinha investidores externos, mas também fazia grandes aportes, levando à criação de unicórnios em mercados como a Índia.

No entanto, quando Juneja chegou ao escritório do Vision Fund em Londres em setembro de 2022, o mercado de tecnologia havia esfriado e o fundo estava repleto de questões de compliance.

No ano anterior, o SoftBank sofreu um de seus piores golpes na Europa depois de apostar pesadamente no banco quebrado Greensill Capital. Também injetou enormes montantes em startups como Klarna e Revolut, que agora estão muito abaixo de seus valuations máximos.

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Controle de perdas

O SoftBank está atualmente focado em gerir seu atual portfólio e conter perdas. Depois que o Vision Fund II investiu mais de US$ 40 bilhões em startups durante o ano fiscal de 2021, esse apetite caiu para US$ 3,8 bilhões em 2023 — e apenas US$ 90 milhões no último trimestre.

O fim das baixas taxas de juros custou ao escritório do grupo em Londres vários sócios relevantes: Rajeev Misra deixou seu papel de gestão na empresa, embora mantenha a supervisão do Vision Fund I, e os investidores Yanni Pipilis e Munish Varma o seguiram para sua nova empresa.

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No ano passado, o Vision Fund reduziu em cerca de 13% a equipe em ambos os fundos. Um porta-voz disse à Bloomberg News que não há planos para mais cortes neste ano.

A estratégia de investimento reduzida significou mais envolvimento com empresas que já trabalham com o Vision Fund. Juan Urdiales, co-CEO da empresa espanhola Jobandtalent, disse que os sócios do SoftBank o ajudaram ativamente a contratar conforme sua startup se expandia para os EUA.

Wallington, um investidor do Reino Unido, compartilha assentos no conselho e de observador com o SoftBank na Peak AI, uma empresa britânica de software.

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Ele descreveu os diretores do SoftBank como presentes e prestativos, embora discretos, em reuniões. “Eles eram bastante discretos”, disse ele. “Provavelmente queriam ter certeza de que não eram vistos como um grande livro de cheques.”

O Vision Fund II ainda tem cerca de US$ 6,4 bilhões para gastar, embora o SoftBank, como único investidor, possa aumentá-lo.

As ações do SoftBank e a riqueza pessoal de Son receberam um impulso com o aumento do preço das ações da Arm nos últimos meses.

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O SoftBank detém cerca de 90% do capital da fabricante de chips, cujas ações subiram mais de 60% desde que disse que os gastos em IA estão impulsionando as vendas em seu balanço trimestral divulgado na semana passada.

As ações, que foram precificadas a US$ 51 na estreia na Nasdaq em setembro passado, fecharam negociadas a US$ 128,34 na sexta-feira (16). E chegaram a atingir US$ 148,97 no início da semana.

Ainda assim, a cautela do fundo japonês tem preocupado analistas, que temem que ele perca o “bonde do dinheiro” da IA generativa.

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“O sentimento do investidor permanece muito forte para os nomes de IA globalmente, mas não para o SoftBank”, escreveram analistas da CLSA em uma nota na semana passada.

Combustível no fogo? Não

Clavel contestou a ideia de que o Vision Fund tenha abandonado o mercado. “Não estamos em um ambiente de investimento em que faça sentido ficar jogando combustível no fogo”, disse ele. “Mas estamos muito ativos e engajados.”

Mate Rimac, diretor executivo da Rimac Automobili, uma fabricante de carros esportivos elétricos investida pelo Vision Fund na Croácia, encontrou uma nova estratégia no início do ano passado.

Na época, ele queria expandir sua startup para várias linhas de produção de baterias. Juneja, que está em seu conselho, se opôs ao movimento.

Eles chegaram a um acordo: Rimac poderia abrir novos negócios, mas tinha que atingir determinados marcos para receber mais dinheiro do SoftBank.

“Em vez de ser movido por ficção científica”, disse Juneja, o acordo foi baseado no retorno sobre o patrimônio líquido. “Há um momento no ciclo em que você tem que ser muito prudente com o capital que tem.”

Vindo de um investidor famoso por indulgir os impulsos de seus CEOs escolhidos, isso foi marcante.

“Agora, o tema é ‘mais conservador’”, disse Rimac. “Eles até são avessos ao risco.”

Banqueiros voltaram

Privadamente, a nova equipe do Vision Fund tentou se livrar da reputação de impulsionar as startups para “muito perto do sol”.

Um fundador de startup em Londres lembrou de uma reunião recente com representantes do SoftBank que começaram pedindo ao empreendedor para ignorar o que tinham ouvido anteriormente sobre o fundo (o fundador pediu para não ser identificado discutindo reuniões privadas).

Juneja caracterizou isso como parte do processo. “É sobre quebrar o gelo”, disse ele. “Há muito do tipo, ‘quaisquer que sejam suas reservas, vamos resolver isso.’”

Em relação à IA, o Vision Fund adotou uma abordagem diferente de muitos fundos de VCs (venture capital). O fundo recuou dos investimentos exatamente quando a IA generativa explodiu e se absteve de apoiar startups que constroem grandes modelos de linguagem, os LLMs.

Em vez disso, o Vision Fund está mirando empresas com canais de vendas já estabelecidos e que visem incorporar a IA em vez de construí-la do zero.

Juneja citou vários investimentos europeus recentes do Softbank, incluindo a Jobandtalent, de recrutamento; a ContractPodAi, de gerenciamento de software; e a TravelPerk, como empresas que têm os “dados, a distribuição e o acesso ao cliente” para aproveitar os avanços mais recentes em IA.

Mas, dada a obsessão de longa data de Son pela IA, é fácil se perguntar quanto tempo isso vai durar.

Fundadores que buscam investimentos do Vision Fund ainda seguem a tradição de se reunir com Son antes de qualquer cheque ser assinado.

Após sua conversa, Rimac observou a fixação de Son pela IA, embora tenha dito que os investidores estavam mais interessados na trajetória de vendas existente da fabricante de carros do que em seu potencial de IA. “No nosso caso, já existe um negócio sólido”, disse Rimac.

Embora Clavel tenha dito que Son segue trabalhando de perto com sua divisão, não está claro se a aposta mais ousada do magnata na IA — uma iniciativa entre o fundador e CEO da OpenAI, Sam Altman, e Jony Ive, célebre designer dos anos áureos da Apple — será conectada ao Vision Fund ou não.

Son não respondeu a um pedido de entrevista da Bloomberg News, mas o SoftBank disse que a nova estratégia do fundo era “consistente” com seus objetivos de investimento.

Enquanto o SoftBank segue sua nova estratégia, um de seus principais objetivos será colher retornos de seu enorme portfólio em vez de preparar startups não lucrativas para o crescimento.

Em uma pesquisa recente com suas startups, o Vision Fund descobriu que a maioria estava otimista sobre o retorno das oportunidades de IPO no final de 2024. “Os banqueiros estão nos procurando”, confirmou Clavel. “Mas não da mesma forma como já foi um dia.”

Questionado sobre se o Vision Fund fará mais negócios neste ano do que no ano passado, Clavel foi cauteloso: “Acho que faremos. Espero que sim. Somos uma empresa otimista˜, completou.

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