Lula enfrenta desafio para montar base de apoio no Congresso após 100 dias

Presidente da República ainda não passou por teste com votação de projeto importante na nova composição da Câmara e do Senado, iniciada em fevereiro

Rodrigo Pacheco, Luiz I. Lula da Silva y Arthur Lira
Por Daniel Carvalho
11 de Abril, 2023 | 04:44 PM

Bloomberg — Cem dias depois de assumir a presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda está lutando para construir uma base confiável de apoio no Congresso, necessária para que suas principais propostas sejam aprovadas no Legislativo.

Um punhado de líderes da oposição, e até mesmo dos que se alinharam a Lula, diz que o presidente pode contar com cerca de 200 votos leais de um total de 513 na Câmara dos Deputados, o que o deixa bem aquém da maioria de que precisa para aprovar questões simples e longe dos 308 para reformas importantes que alteram a Constituição.

A falta de uma base parlamentar sólida ameaça tudo, desde a estrutura de seu governo, incluindo a criação de novos ministérios, até a própria capacidade de governar e cumprir promessas de campanha, disseram os congressistas, que pediram anonimato para discutir a situação.

A fragmentação do Congresso, com quase duas dúzias de partidos, representa desafios significativos para a maioria dos presidentes. Mas a situação de Lula se complica porque o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, o PL, ganhou a maioria dos assentos na Câmara e prometeu transformar o Congresso em um bastião de resistência ao novo governo.

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José Guimarães, líder da coalizão governista na Câmara, minimizou as preocupações com a falta de apoio. Mas ele também não quis dar uma estimativa de quantos aliados confiáveis o presidente tem atualmente na casa.

“Vou dizer só quando tiver votação”, disse ele.

As dificuldades de Lula surpreenderam analistas e legisladores, que dizem que um líder que se mostrou hábil em navegar pelo Congresso durante seus dois primeiros mandatos, de 2003 a 2010, desta vez demorou a distribuir os fundos federais e os cargos ministeriais influentes que costumam ajudar os presidentes a construirem coalizões bem-sucedidas.

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“O governo tem represado nomeações nos segundos e terceiros escalões”, disse Júnia Gama, analista política sênior da XP. “As queixas de parlamentares têm se avolumado e os recados são de que, se não correr, o governo pode passar a enfrentar derrotas.”

Alerta de Lira

O presidente da Câmara, Arthur Lira, soou alarmes semelhantes no início de março, alertando que Lula “ainda não tem uma base consistente”.

Até agora, Lula indicou parlamentares de 8 dos 23 partidos da Câmara para liderar ministérios, embora já tenha indicado cerca de 20 membros do partido para cargos no governo. Alexandre Padilha, qu, como ministro das Relações Institucionais, supervisiona as negociações do governo com o Congresso, desde então prometeu redobrar esforços para obter apoio no Legislativo.

“Continuaremos construindo com os 17 partidos que já indicaram quadros para o governo e com os que não indicam, mas que certamente estão abertos para o diálogo”, disse Padilha em mensagem de áudio.

No final de março, Padilha disse no Twitter que o governo liberaria em breve R$ 3 bilhões em emendas parlamentares destinadas a prefeitos aliados de parlamentares, uma medida que poderia ajudar a consolidar o apoio do Congresso.

Alguns partidos, porém, já sinalizaram que os esforços de Lula para conquistá-los não necessariamente se traduzirão em votos. A União Brasil, partido de centro-direita que detém 59 cadeiras na Câmara, continua dividida mesmo depois que Lula entregou três cargos ministeriais a seus integrantes.

“Essa indicação ministerial não passou pela bancada”, disse o deputado Mendonça Filho, membro da União Brasil, em entrevista. “Não há esse compromisso partidário.”

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Medidas chave no limbo

Lula também foi forçado a administrar uma crise crescente entre Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em torno de medidas provisórias (MP) à espera de votos no Congresso. Por lei, as MPs do Executivo devem receber a aprovação do Congresso no prazo de 120 dias para permanecerem em vigor.

Entre elas está uma que criou novos órgãos de nível ministerial, como o primeiro Ministério de Assuntos Indígenas do Brasil, e restabeleceu outros que Bolsonaro havia fechado. Esta MP precisa ser aprovada até o início de maio para evitar possíveis turbulências no governo.

O Congresso em breve discutirá o novo arcabouço fiscal, que é crucial para equilibrar os planos de gastos sociais com as preocupações com o aumento dos níveis de endividamento. Uma tentativa de reforma tributária também exigirá negociações delicadas no Legislativo.

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Mesmo que essas medidas acabem sendo aprovadas sem uma coalizão governista tradicional, uma vez que elementos de ambas as propostas têm respaldo em todo o espectro político, planos mais ambiciosos podem enfrentar problemas. Isso inclui mudanças na lei de saneamento, bem como os votos necessários para proteger o governo de legisladores alinhados a Bolsonaro, que podem estar ansiosos para atacar qualquer falha.

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