Empreendedorismo cria nova classe de CEO, o Chief Entrepreneurship Officer

Especialistas contam à Bloomberg Línea como as empresas estão aproveitando os talentos de sua própria equipe para inovar e diversificar

Cada vez mais as empresas criam projetos para o empreendedorismo dentro de suas próprias estruturas (Foto: FreePik)
28 de Fevereiro, 2023 | 05:00 AM

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Barcelona, Espanha — Fomentar o espírito empreendedor entre os funcionários, assim como criar um ambiente criativo e de confiança, pode ser uma prática muito vantajosa para as corporações. Cada vez mais as grandes empresas criam projetos para empreender dentro de suas próprias estruturas. Algumas vão mais longe: estabeleceram seus próprios departamentos de empreendedorismo ou até mesmo empresas independentes.

Na Europa, a aplicação de técnicas de empreendedorismo dentro da esfera corporativa cresce rapidamente. Como assinalou Joan Riera, presidente da Active Development, “agora há um cargo de novos CEOs, os Chief Entrepreneurship Officers”. Riera explicou que o intraempreendedorismo está se movendo de duas maneiras: lançando as bases para que qualquer funcionário contribua com suas ideias e se torne um empreendedor ou por meio da colaboração com startups.

”O problema é que não é fácil conseguir que boas startups venham trabalhar com você em vez de desenvolver seus projetos sozinhas”, observou Riera. O consultor ajudou a criar cerca de 60 projetos de empreendimento dentro de companhias, que englobam desde a criação de um vinho sem álcool pela vinícola espanhola Torres até a eliminação de sacolas plásticas pelo supermercado alemão Lidl - a primeira iniciativa dessa natureza na Espanha.

”Montamos o motor do empreendedorismo e ajudamos a implementá-lo e mantê-lo em funcionamento: como será a comunicação dentro da empresa, como se aplicarão os filtros, se vale a pena investir em alguma proposta e quais seriam os mecanismos deste investimento”, explicou.

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Inovar para diversificar: o caso da Enagás

Um projeto emblemático impulsionado por Riera e que se tornou um estudo de caso na escola de negócios Esade é o de Enagás Emprende. Para compensar a queda das receitas reguladas, Enagás se viu obrigada a avançar sobre outros territórios, incluindo México, Chile e Peru, e a fomentar uma cultura de empreendedorismo entre seus funcionários.

A empresa espanhola de infraestrutura de gás natural criou em 2016 um programa de empreendedorismo interno que deu origem, em 2017, a uma nova holding do grupo dedicada a incubar projetos inovadores.

“Percebemos que a visão e a maneira de agir dos empreendedores era a mais adequada para explorar novas tecnologias, mercados e negócios e diversificar”, disse Emilio Martínez Gavira, diretor de Empreendedorismo e Inovação da Enagás.

Desde o nascimento da Enagás Emprende, 81 milhões de euros foram investidos na propulsão das ideias de seus colaboradores e na criação de 18 startups, o equivalente a 4% de todos os investimentos do grupo Enagás durante o período. Três dessas novas empresas foram assumidas pela empresa matriz.

Aena: empresários dentro e fora da corporação

A Aena, líder global em gestão de infraestrutura aeroportuária por volume de passageiros e que tem operações no Brasil, é outra entusiasta do intraempreendedorismo. “Há quatro anos incentivamos a inovação dentro da empresa para captar o conhecimento dos próprios funcionários, recompensando-os e oferecendo-lhes a oportunidade de desenvolver seus projetos”, disse Amparo Brea, diretor de Inovação, Sustentabilidade e Experiência do Cliente da Aena, à Bloomberg Línea.

O uso da biometria para facilitar o acesso dos passageiros aos terminais surgiu de uma iniciativa de intraempreendedorismo da Aena. Outra contribuição foi o uso de drones para inspeção e manutenção das instalações e até para controle da fauna - para evitar o risco de colisão, considerando que existem aeroportos que ainda usam falcões (o drone da Aena tem o aspecto de um falcão).

Além de ter um departamento de inovação para fomentar a participação interna, a Aena criou sua própria aceleradora de startups, a Aena Ventures, com sede em Barcelona, Espanha. Em sua primeira convocatória, realizada em 2020, premiou cinco projetos com 50 mil euros cada um. Quatro deles foram selecionados para passar para a fase de implementação de seus pilotos, o que significou um desembolso total de 8 milhões de euros em dois anos pela Aena.

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Os projetos que já estão sendo implementados no aeroporto de Madri consistem no desenvolvimento de um chatbot e de um serviço que permite aos passageiros fazer o check-in de suas bagagens em diferentes pontos fora do aeroporto (inclusive em casa, evitando a necessidade de se deslocar com muita antecedência para o aeroporto).

Neste trimestre, a empresa lançará sua segunda convocatória, também aberta a empreendedores de todo o mundo, para atrair projetos inovadores relacionados sobretudo com a eficiência, a sustentabilidade e a segurança.

Agora, as dificuldades

Embora o intraempreendedorismo possa representar uma maneira eficaz para os funcionários inovarem, também traz consigo alguns desafios.

O primeiro, vivenciado em primeira pessoa por Enagás Emprende, é o ciúme que ele pode despertar na sede. Isso porque, ao menos no começo, “o departamento de intraempreendedorismo não deixa de ser um corpo estranho na corporação”, explicou o diretor de Empreendedorismo e Inovação da Enagás. Em alguns casos, ele pode até ser visto como um concorrente.

A outra dificuldade é manter viva a motivação e o desejo de participar. “É preciso ter um processo muito bem definido e transparente, incentivar os funcionários a serem proativos, motivá-los com outras coisas além de dinheiro, como visibilidade com a alta administração, um caminho de carreira diferente do clássico, que é muito lento e hierárquico”, disse Joan Riera.

Frank Moreno, presidente do International Institute of Intrapreneurship e especialista em Liderança em Inovação, mencionou que o empreendedorismo interno implica uma grande mudança cultural, especialmente em países que seguem o ditado “se funciona, não toque”, como pode ser o caso da Espanha, ou “em time que está ganhando não se mexe”.

Entretanto, disse Moreno, esse é “um esforço que traz resultados poderosos, gera valor para a empresa, cria motivação e exporta talentos”. E a prática não precisa ser restrita às grandes empresas - em tempos de crise e ruptura tecnológica, o intraempreendedorismo também pode ser valioso para as empresas médias e até mesmo as de pequeno porte.

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Michelly Teixeira

Jornalista com mais de 20 anos como editora e repórter. Em seus 13 anos de Espanha, trabalhou na Radio Nacional de España/RNE e colaborou com a agência REDD Intelligence. No Brasil, passou pelas redações do Valor, Agência Estado e Gazeta Mercantil. Tem um MBA em Finanças, é pós-graduada em Marketing e fez um mestrado em Digital Business na ESADE.