‘É muito difícil ficar comprado em ações no Brasil’, diz Guerra, da Legacy

Em entrevista à Bloomberg Línea, gestor afirmou que cenário favorável para a China favorece o mercado, mas que recessão iminente deve pressionar ativos

Gestora tem posição neutra em juros e câmbio e vendida (aposta na queda) na bolsa brasileira
18 de Janeiro, 2023 | 04:35 AM

Bloomberg Línea — O cenário favorável para commodities, em razão da reabertura da economia na China com o fim da política de covid zero, que tende a beneficiar países exportadores como o Brasil, pode não ser suficiente para garantir o desempenho positivo dos ativos de risco no país.

Isso porque um ambiente mais sombrio à frente, de recessão e revisões para baixo no lucro das companhias, deve seguir pesando sobre as ações brasileiras, já pressionadas em um cenário de inflação e juros elevados. A avaliação é de Felipe Guerra, sócio fundador e CIO (head de investimentos) da Legacy Capital.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Guerra comentou sobre o sentimento mais favorável com relação à China, que tende a ser um efeito tranquilizador no curto prazo, até que o tema da contração da atividade global tome conta e pese sobre os mercados.

Com cerca de R$ 29 bilhões em ativos sob gestão, distribuídos entre as estratégias de multimercados, previdência e crédito privado, a Legacy tem posição neutra em juros e câmbio e posição vendida (aposta na queda) na bolsa brasileira.

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A gestora fundada em 2018 obteve retorno na casa de 23% em 12 meses até 16 de janeiro, acima do CDI no mesmo período, que ficou em 12,61%, segundo dados do site da casa.

A avaliação é a de que o mercado está muito otimista com o cenário doméstico e com as ações. Segundo ele, é “muito difícil ficar comprado em ações no Brasil” e “ainda tem muita correção de projeção a ser feita, principalmente nas empresas domésticas”.

A principal aposta da Legacy recai hoje sobre o investimento em commodities, em especial o petróleo, que possui uma assimetria positiva, segundo Guerra, dada a expectativa de que a reabertura da economia chinesa deverá ampliar a demanda em um adicional de 2 milhões a 2,5 milhões de barris por dia.

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Confira a seguir os principais destaques da entrevista, editada para fins de maior clareza:

Bloomberg Línea: Por que a Legacy tem posição vendida na bolsa brasileira?

Felipe Guerra: No curto prazo, temos um contexto de melhora da economia na China, o que ajuda as commodities e, consequentemente, o Brasil. Mas, no médio prazo, vamos nos deparar com uma recessão. É um ambiente super desafiador para países emergentes, principalmente para aqueles desorganizados ou com políticas econômicas equivocadas.

Quando olhamos o que está acontecendo no Brasil, quem é a equipe econômica, as propostas e o modelo econômico, esperamos um aumento de gastos e provavelmente dos impostos. Com mais gastos, teremos mais inflação e um crescimento mais baixo, porque será preciso tributar e onerar o setor privado para poder financiar essas despesas.

Nesse contexto, é muito difícil ficar comprado em ações no Brasil, principalmente porque você tem que lutar contra uma taxa de juros bastante elevada.

Nós, da Legacy, não temos a menor ideia de qual será o próximo movimento do Banco Central, se será de alta ou de queda dos juros. Não temos nenhuma posição em juros por achar que não faz sentido, dada a falta de visibilidade.

Olhando os preços de tela, o mercado está extremamente otimista, colocando muitos cortes, enquanto a bolsa está relativamente cara, principalmente as ações domésticas.

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Por que o mercado está tão otimista em sua visão?

O prêmio de risco do Brasil está baixo porque a foto, ou uma análise estática, do país é positiva, principalmente sob a visão dos estrangeiros.

De forma geral, o Brasil tem uma conta corrente pouco negativa, o fiscal está em um patamar aceitável e as estatais funcionam bem, o que dá uma foto relativamente melhor em relação a outros emergentes.

Mas, se você fizer uma análise dinâmica, na qual teremos um governo que vai gastar mais, colocando mais inflação no jogo e um juro mais alto, isso faz com que os ativos financeiros tenham um valuation menor.

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Vejo que o mercado está nessa briga, entre uma análise estática e aquela mais dinâmica. À medida que as estatais forem adotando medidas ruins e o Banco Central se ver pressionado pelo governo por causa de mais gastos e impostos, acho que esse filme vai correndo e o cenário que estamos esperando pela frente - um cenário mais negativo - vai se materializando.

E como fica a economia brasileira neste cenário?

O Brasil está caminhando para uma contração cíclica da economia. O endividamento da população está em níveis muito altos e a inadimplência vai acabar atingindo os mercados, as empresas e os bancos que concedem crédito. Esse negócio é um problema que está adormecido e que vai se transformar em perdas, menos apetite ao consumo e menos confiança.

Sabemos que, quando o país entra em contração, há uma queda da popularidade do presidente – que, no caso, já entrou em meio a um país dividido. Por isso, a probabilidade de vermos um ajuste fiscal verdadeiro é muito baixa.

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Na Legacy temos projeção de 5,80% para o IPCA neste ano – isso sem colocar na conta a volta dos impostos, que elevaria a taxa para cerca de 6,5% ou 7%. Neste cenário, o mercado vai pressionar o Banco Central para subir os juros, de forma a controlar as expectativas de inflação, enquanto o governo deverá pressionar o BC para cortar. A vida da autoridade monetária não será fácil daqui em diante.

Podemos esperar novas revisões para baixo no preço-alvo das ações por bancos e corretoras?

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Eu acho que o mercado está muito otimista para o resultado das empresas no Brasil. Extremamente otimista, na verdade. Com o juro real a 8% e a economia contraindo, eu esperaria que o mercado estivesse colocando uma expectativa de lucro mais para baixo. Ainda tem muita correção de projeção a ser feita, principalmente nas empresas domésticas.

Uma recessão faz parte do cenário-base da Legacy?

Achamos que vai ter uma recessão nos EUA no segundo trimestre do ano. Os dados mais recentes de inflação dos salários e do ISM de serviços vieram muito baixos, mostrando que o mercado de trabalho está esfriando.

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Diferentemente das últimas recessões, a inflação desta vez está bastante alta, e a taxa de desemprego, bem baixa. Por isso, o Federal Reserve pode fazer muito pouco neste momento para estimular a economia, dada uma taxa de desemprego entre 3,5% e 4% e uma inflação acima da meta.

Achamos que não vai ter muita bóia para o mercado quando a recessão chegar. Pode ser uma recessão que dure mais tempo, embora seja difícil dizer hoje qual será a intensidade dela e quão resiliente será a economia americana.

Esse é um ambiente negativo para ações e países cíclicos, ligados à economia real, que tendem a sofrer. Os ativos mais ligados a juros, que abriram e tiveram posições importantes em 2022, já estão muito amassados, mas aqueles mais ligados à economia real, essa parte mais cíclica, vai sofrer quando chegar a recessão.

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Você acha que esse cenário de recessão ainda não está precificado na bolsa?

De forma alguma. A bolsa está bastante cara, inclusive. O mercado ainda enxerga aumento de lucros para este ano, enquanto nós achamos que veremos uma contração de lucro nos próximos trimestres.

A temporada de resultados do quarto trimestre nos EUA deverá trazer esse tom mais pessimista pela frente?

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Nas próximas semanas, o mercado ainda vai dar um foco maior para essa questão de reabertura da economia chinesa e suas consequências. Mas quando esse tema se acalmar e estiver amplamente precificado, achamos que o foco vai recair sobre a recessão no Ocidente. Por isso, o investidor tem que aproveitar essa onda de melhora dos mercados para construir posições e preparar o portfólio para o período mais difícil que vem à frente.

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.

Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.