BTG tenta anular na Justiça proteção da Americanas e acusa empresa de má-fé

Banco entra com agravo de instrumento, chama caso de ‘maior fraude do mercado acionário brasileiro’ e diz que empresa tentou resgatar R$ 800 milhões antes de fato relevante

Sede do BTG Pactual em São Paulo
15 de Janeiro, 2023 | 02:00 PM

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Bloomberg Línea — Esquentou a temperatura na crise da Americanas (AMER3). O BTG Pactual (BPAC11) entrou no sábado (14) com um agravo de instrumento na segunda instância do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em que pediu o efeito suspensivo da liminar obtida na sexta-feira (13) pela empresa varejista, em que esta obteve aval para se proteger de bloqueio, sequestro ou penhora de valores pelo prazo de 30 dias.

O BTG Pactual tenta se proteger da tutela cautelar que pede a reversão de um resgate de R$ 1,2 bilhão que fez referente a uma dívida da Americanas com o banco de investimento.

Na petição, o banco alega que a empresa teria confessado fraude contábil ao revelar as “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões e que, portanto, essa prática não deve ser entendida como “função social legítima” que justifique a proteção da Justiça.

Sustenta ainda que credores não devem ser prejudicados diante do patrimônio de R$ 180 bilhões dos principais acionistas, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, e do valor de R$ 14 bilhões que a empresa tem somando caixa mais recebíveis.

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A cópia do agravo de instrumento direcionado ao desembargador de plantão foi obtida pela Bloomberg Línea. A petição foi apresentada pelos escritórios Galdino & Coelho e FCDG - Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados.

O desembargador de plantão, Luiz Roldão de Freitas Gomes Filho, não atendeu neste domingo (15) ao pedido do BTG Pactual, sem entrar no mérito da solicitação.

“A medida aqui pleiteada pode ser perfeitamente realizada no horário normal de expediente forense, já que, ao menos no âmbito deste plantão judiciário, inexiste situação de demora que possa resultar risco de grave prejuízo ou de difícil reparação ao recorrente”, disse o desembargador ao explicar a sua decisão.

“Portanto, a questão deve ser apreciada pelo relator natural, após a livre distribuição deste recurso, que, repita-se, ocorrerá em data breve, provavelmente no dia de amanhã [segunda-feira, dia 16].”

Na exposição de motivos para o pedido de agravo (veja sequência inicial abaixo), o BTG elenca uma série de motivos do caso da Americanas, que divulgou na noite da última quarta-feira (11) “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões, por meio de fato relevante ao mercado.

E critica o que enxerga como leniência com o trio de acionistas principais formado por Lemann, Telles e Sicupira, que controlaram a companhia por 40 anos, até o ano passado.

As dívidas somam cerca de R$ 40 bilhões, segundo a ação apresentada pela Americanas na quinta-feira (12) em que pede a tutelar cautelar de proteção contra credores.

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A notícia sobre a ação judicial do BTG foi publicada inicialmente pelo Valor Econômico.

Americanas: tentativa de resgate antes do fato relevante

O banco de investimento diz ainda na petição que a Americanas tentou resgatar cerca de R$ 800 milhões em investimentos na quarta-feira (11) à tarde, menos de três horas antes do fato relevante em que revelou inconsistências contábeis da ordem de R$ 20 bilhões, o que seria uma prova de má-fé.

Na alegação de motivos da petição, o BTG Pactual classifica o caso como “maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país”. Cita a suspeita de uma operação de venda de R$ 210 milhões em ações pela diretoria meses antes do anúncio das “inconsistências contábeis.”

Veja abaixo parte da exposição de motivos do BTG Pactual na petição:

“O caso em questão é a triste epítome de um país. Os três homens mais ricos do Brasil (com patrimônio avaliado em R$ 180 bilhões), ungidos como uma espécie de semideuses do capitalismo mundial ‘do bem’, são pegos com a mão no caixa daquela que, desde 1982, é uma das principais companhias do trio.”

“Dois dias depois, têm a pachorra de vir em Juízo pedir uma tutela cautelar, preparatória de uma recuperação judicial, para impedir os credores de legitimamente protegerem o seu patrimônio à luz da maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país.”

“É o fraudador pedindo às barras da Justiça proteção ‘contra’ a sua própria fraude. É o fraudador cumprindo a sua própria profecia, dando verdadeiramente ‘uma de maluco para esses caras saberem que é pra valer’. É o fraudador travestindo-se como o menino da antiga anedota forense, que, após matar o pai e a mãe, pede clemência aos jurados por ser órfão.”

“Mas a pirotecnia fica pior: o fraudador pediu à Justiça não apenas a suspensão da exigibilidade de obrigações e o congelamento de vencimentos antecipados, pediu que vencimentos antecipados que já tivessem sido assim declarados e compensações que já tivessem sido feitas fossem liminarmente desfeitos (?!), com a consequente “devolução” a ele, fraudador, do valor de mais de R$ 1,2 bilhão — apenas uma fração do crédito total do agravante, que permanece como um credor relevante das agravadas.”

O trecho acima se refere justamente ao R$ 1,2 bilhão que o BTG Pactual havia conseguido reter para quitação antecipada de uma dívida da Americanas com o banco.

Posicionamento da Americanas

A Americanas divulgou uma nota na noite de domingo em que diz que ainda busca entendimento com os credores, sem citar a possibilidade de um pedido de recuperação judicial, como fez na petição enviada à Justiça que garantiu a tutela cautelar de proteção concedida na sexta. Veja a seguir a nota:

“A Americanas S.A. informa que a medida cautelar visa somente a sustentação jurídica necessária para que tanto a Americanas como os credores possam chegar a um possível acordo. A Americanas reitera a importância da manutenção da liminar, apesar da tentativa de suspensão, o que poderia gerar assimetria entre os seus credores, inclusive bancos, e não ajudaria no processo.

A Americanas trabalha para, dado o seu peso social em todo o Brasil gerando mais de 100 mil empregos diretos e indiretos,  encontrar uma solução com os seus credores e, assim, a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores [...]

A companhia segue acreditando na proteção da medida cautelar e no compromisso dos credores de retornarem com uma proposta. A Americanas apontará em breve a sua equipe de negociação com os credores.”

- Matéria originalmente publicada às 14h de domingo (dia 15) e atualizada com informações adicionais da petição do BTG Pactual e, depois, com o posicionamento da Americanas.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.