Do clube do bilhão a small cap: os desafios do TC após queda de 80% das ações

Plataforma antes voltada ao investidor de varejo diversifica receitas, mas queima caixa e sofre desconfiança do mercado; CEO Pedro Albuquerque rebate críticas em entrevista

TC enfrenta redução da base de assinantes e queda de receitas enquanto busca virada com novas avenidas de crescimento
27 de Novembro, 2022 | 10:10 AM

Bloomberg Línea — Há pouco mais de um ano, o ministro Paulo Guedes ganhou uma estátua no coração do centro financeiro do país, a Faria Lima, em São Paulo. A obra foi uma homenagem de uma das empresas novatas que mais se beneficiaram dos anos de euforia do mercado de capitais do país, o TC (TRAD3), que se popularizou entre investidores como Traders Club, ao mesmo tempo em que atraiu críticos e seguidores.

Não se sabe se a estátua de Guedes ainda permanece na sede do TC, próxima aos grandes bancos de investimentos e assets da Faria Lima, mas os tempos de efervescência ficaram para trás com o fim do ciclo de juros baixos. Milhares de investidores migraram boa parte de seus recursos para o porto seguro das aplicações de renda fixa, em busca de maior rentabilidade e de proteção dos ativos.

Fundado em 2016 por Pedro Albuquerque, Israel Massa e Rafael Ferri, o TC experimentou ascensão meteórica como plataforma de conteúdo e educação financeira até abrir o capital na B3 (B3SA3) em julho do ano passado, dias antes da “inauguração” da estátua.

No auge, pouco depois desse momento, chegou a valer quase R$ 4 bilhões. De lá para cá, no entanto, TC já encolheu perto de R$ 3,5 bilhões: vale hoje cerca de R$ 530 milhões, o que representa queda de 79% de valor de mercado em pouco mais de um ano como companhia aberta.

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“Como empreendedor, meu foco é sempre no longo prazo. Como investidor, estou absolutamente acostumado à volatilidade e às oscilações negativas no curto prazo - muitas vezes é aí que estão as maiores oportunidades”, disse o CEO Pedro Albuquerque em entrevista à Bloomberg Línea (leia a íntegra abaixo) sobre a desvalorização das ações e de seu próprio patrimônio e do momento da empresa.

Clube dos ex-bilionários

No auge do TC na bolsa brasileira, Albuquerque chegou a integrar a lista de bilionários brasileiros da Forbes de 2021. Então com 35 anos, o investidor e empreendedor aparecia na 294ª posição no ranking, com um patrimônio estimado à época, em agosto do ano passado, em R$ 1,19 bilhão.

Albuquerque tem uma posição acionária de 26,74% do capital, enquanto a StarUps BR Holding, de Rafael Ferri e de Luiz Filipe Costa Garcia, possui outra fatia de mesmo tamanho, segundo dados públicos da B3, com base em informações recebidas no último dia 7 de outubro.

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Omar Ajame Zanatto Miranda (6,63%) e Israel Calebe Massa (5,94%) são outros acionistas com posição relevante. Segundo dados da B3, a empresa tem free float (ações em circulação no mercado) equivalente a 30,39% do capital: são 7.439 pessoas físicas, 80 jurídicas e 69 investidores institucionais.

São investidores que estão sendo diretamente impactados pela trajetória de queda acentuada das ações desde o ano passado, em razão, segundo especialistas, não só do efeito da alta dos juros sobre os resultados.

Segundo um gestor de fundos voltados para ações de small caps, que pediu anonimato, a situação negativa de TC não seria resultado apenas da piora das condições do mercado mas refletiria também escolhas consideradas equivocadas de estratégias, erros de gestão e crise de reputação em razão do envolvimento de sua marca em escândalos. Albuquerque discordou dessa avaliação.

Na última sexta-feira (25), a ação TRAD3 fechou cotada a R$ 1,90, com desvalorização de 68% em 2022. A queda é de 87% em relação à cotação máxima histórica de R$ 14,15 no segundo pregão de sua curta história.

Aposta no B2B

Nesse período, diante das novas condições de mercado, o TC passou a executar uma estratégia de diversificação de receitas, para reduzir o peso do investidor de varejo em renda variável e passar a vender produtos e serviços para investidores profissionais e empresas no mercado de capitais. Receitas na frente B2B passaram a responder por mais de 40% do total, versus 5% um ano atrás.

O plano é ampliar as receitas com a venda direta e cruzada de serviços de consultoria e também na frente transacional, em cima de taxas e comissões de corretagem e gestão de ativos, por exemplo.

Essa diversificação, cujo plano ainda está em execução, no entanto, só se tornou possível após uma série de aquisições e investimentos, considerada agressiva no mercado e que teve um preço alto: a queima de boa parte dos R$ 545 milhões movimentados no IPO (oferta inicial de ações).

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A lista é ampla: de empresas de informações financeiras (Economatica) e soluções e consultoria tributárias (Sfoggia) a gestoras (Pandhora Investimentos e DXA), entre muitas outras.

A posição de caixa proforma, que já considera a recente aquisição da Pandhora, concluída em 19 de outubro, totalizava R$ 209,5 milhões ao fim do terceiro trimestre. Um ano antes, estava em R$ 526 milhões graças à entrada de recursos da oferta inicial de ações, que foi totalmente primária (os recursos levantados foram destinados ao caixa da companhia).

A companhia disse já ter pago o valor da primeira parcela da aquisição da Pandhora.

“O pagamento das três parcelas subsequentes ao fechamento da operação, no montante total de R$ 9,7 milhões, poderá ser realizado por meio dos recursos disponíveis ou via transferência de ações, a critério da companhia”, explicou. Albuquerque disse que essa modalidade de pagamento deverá ser adotada em futuras aquisições para preservar o caixa da companhia.

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Para o TC e os investidores, a questão é saber quanto tempo mais vai levar para que a aposta na frente B2B traga resultados não apenas na diversificação de receitas como em rentabilidade e crescimento. Os números mais recentes não apontam uma virada iminente.

A plataforma de serviços e produtos ao investidor já acumula quase R$ 42 milhões em prejuízo, com um passivo de R$ 36 milhões, segundo os dados do balanço divulgados no último dia 10 de novembro. Neste ano, já cortou 26% de seu pessoal e busca uma renegociação com fornecedores.

Eram 704 funcionários no fim de 2021. Encerrou o terceiro trimestre com 517 - uma redução de 187 vagas em nove meses. “Esses números são reflexo da continuidade do processo de gestão de custos e despesas iniciado pelo TC no começo de 2022″, apontou o comunicado de resultados da companhia.

Gastos com rescisões e advogados

O balanço mais recente apontou o terceiro prejuízo trimestral da companhia desde que abriu capital. O TC reportou um prejuízo líquido ajustado de R$ 7,579 milhões. Há um ano, lucrava R$ 17,855 milhões.

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No segundo trimestre, o lucro tinha caído para R$ 1,871 milhão, depois de registrar uma perda de R$ 16,092 milhões de janeiro a março deste ano e de R$ 2,319 milhões no quarto trimestre de 2021.

Esse resultado do terceiro trimestre deste ano exclui itens não recorrentes, como gastos com rescisões de funcionários e serviços de consultoria e advogados.

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As despesas operacionais de TC totalizaram R$ 33,747 milhões entre julho e setembro, acima dos R$ 28,375 milhões no segundo trimestre e dos R$ 32,836 milhões no primeiro.

Desse total, R$ 8,904 milhões foram contabilizados como despesas não recorrentes.

Segundo o balanço de TC, isso se deve aos “custos extraordinários com assessoria jurídica como parte das medidas judiciais adotadas após veiculação de vídeo difamatório e calunioso a respeito do TC, que circulou em redes sociais e aplicativos de mensagens em junho de 2022″. Um inquérito foi aberto pela Polícia Federal em agosto para investigar o caso.

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No último dia 9, o conselho de administração aceitou a renúncia do CEO ao cargo de membro do Comitê de Ética. Em sua carta de renúncia, ele justificou que pretende dedicar maior tempo às atividades estratégicas da empresa. A reunião também autorizou a criação de duas subsidiárias.

Menos assinantes pagantes

Os indicadores financeiros mais recentes expõem o tamanho do desafio do TC.

A geração de caixa operacional, medida pelo Ebitda, ficou negativa em R$ 12,1 milhões no trimestre encerrado em setembro, com margem Ebitda ajustada negativa de 69,8%.

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O número de usuários pagantes atingiu no terceiro trimestre o menor patamar desde a abertura do capital. A companhia reportou que conta com 69 mil usuários, com queda de 17% em três meses, que atribuiu à “redução de assinaturas individuais do B2C (plataforma e Sencon)”.

A receita líquida caiu 27,2% em três meses, para R$ 17,3 milhões, em razão “principalmente da variação no número de usuários pagantes”, segundo a empresa. Foi o menor valor desde o IPO.

O resultado financeiro líquido de TC ficou em R$ 14 mil no terceiro trimestre, sofrendo uma redução de 99,9% em três meses. Segundo o TC, o valor foi efeito dos “rendimentos de aplicações financeiras com o caixa disponível contra as despesas de operações com derivativos”.

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Foco na rentabilidade

“O foco do TC para os próximos meses e ano é melhorar sua rentabilidade operacional e, por isso, segue comprometido com a disciplina de custos, cujas principais medidas incluem a manutenção e o acompanhamento de headcount; a revisão de todos os gastos com ferramentas e infraestrutura; e a renegociação com fornecedores”, apontou a empresa em documento de resultados.

A margem bruta ajustada caiu de 55,7% para 48,4% em 12 meses. Também recuou em relação ao segundo trimestre (66,3%). A plataforma tem apostado na evolução das receitas advindas de clientes institucionais, que, por ora, cresceram apenas 2% em três meses.

“Estamos também focados em aumentar a participação do segmento de clientes institucionais, o qual abrange companhias listadas/fechadas, fundos e assets, a partir do aprimoramento de produtos e do cross-selling de clientes entre as diferentes unidades de negócios do TC”, disse o CEO.

Segundo ele, isso permitirá extrair “um potencial de receita extraordinário que começa a ser materializado nos próximos trimestres, ativando a próxima onda de crescimento de receita do TC.”

“A companhia tem trabalhado para expandir o market share das suas subsidiárias; anunciou a sua entrada em novas áreas de atuação; e, recentemente, adquiriu a Pandhora, uma gestora de fundos multiestratégia quantitativos com um AuM [ativos sob gestão na sigla em inglês] de aproximadamente R$ 350 milhões”, disse o TC.

Entrevista com Pedro Albuquerque

Leia a seguir a entrevista com Pedro Albuquerque, CEO e cofundador do TC, por e-mail, editada para fins de clareza:

O TC perdeu mais de 85% de valor de mercado desde sua cotação máxima na B3, pouco depois do IPO. A que fatores o senhor atribui esse desempenho?

A queda é de cerca de 79% levando em conta o preço da ação no IPO, de R$ 9,50. A grande maioria das companhias que fizeram IPO no ano passado teve perdas substancias em suas cotações, sobretudo as small caps, em razão da deterioração de condições de mercado, problemas geopolíticos, inflação e taxa de juros em alta mundo afora. Essa queda de cotações afeta inclusive grandes empresas de tecnologia americanas e em outros países desenvolvidos.

Além disso, como se sabe, o TC foi vítima de uma criminosa campanha difamatória, sem precedentes em nosso mercado, com o objetivo de afetar negativamente o preço de nossas ações. O TC está atuando em todas as frentes jurídicas possíveis para que esse crime seja esclarecido, e os responsáveis, punidos. Temos muita confiança no trabalho da Polícia Federal e da CVM [Comissão de Valores Mobiliários].

O senhor chegou a ser mencionado em lista de bilionários da Forbes por sua participação no capital do TC, que hoje se enquadra como small cap. Essa queda do valor de mercado tão acentuada afeta seus investimentos pessoais?

Como empreendedor, meu foco é sempre no longo prazo. Como investidor, estou absolutamente acostumado à volatilidade e às oscilações negativas no curto prazo - muitas vezes é aí que estão as maiores oportunidades.

O TC reduziu em quase 26% o seu quadro de funcionários neste ano, tem prejuízos acumulados de R$ 42 milhões e passivo de R$ 36 milhões. As novas avenidas de crescimento vão permitir reverter esse quadro negativo em quanto tempo?

Não podemos comentar sobre resultados futuros, mas nunca estive tão otimista com o nosso negócio quanto estou agora. O B2B, por exemplo, já representa mais de 40% do faturamento da companhia. E acabamos de começar a explorar as sinergias possíveis nas empresas que adquirimos e nas novas frentes em que já estamos atuando.

A empresa analisa renegociar com fornecedores e pagar aquisição com ações? Haverá mudança na estrutura do capital?

Como qualquer companhia em momentos de cenário macro e local mais desafiadores, buscamos sempre as melhores condições com todos os fornecedores e reduzir nossa estrutura de custo.

Eventuais aquisições futuras, caso ocorram, como foi o caso da recém-anunciada Pandhora, devem ser feitas principalmente com pagamento em ações, para manter a forte posição de caixa da companhia.

Por regulação (RCVM 44), a companhia só deve comunicar ao mercado acionistas que possuam posições acima de 5%.

Um gestor avaliou que a situação do TC não é fruto apenas da piora das condições do mercado mas que refletiria também escolhas equivocadas de estratégia, erros de gestão e crise de reputação por envolvimento da marca em escândalos. O senhor concorda?

Como não sabemos quem é o gestor em questão, temos dificuldade em avaliar suas motivações e seu conhecimento sobre a companhia. A estratégia da companhia foi o que permitiu se tornar a empresa brasileira a mais rapidamente ir de sua fundação ao seu IPO, em cerca de cinco anos. Naturalmente, a companhia revisa e otimiza suas estratégias continuamente e estamos extremamente otimistas com o futuro das nossas diversas linhas de negócio.

O TC nunca se envolveu em escândalos. Na verdade, a Empiricus, concorrente do TC, e alguns de seus fundadores, notadamente Felipe Miranda, tentaram criminosamente arrastar a companhia para uma crise de confiança. Todas as falsas acusações, uma por uma, já foram derrubadas. O verdadeiro escândalo está do lado da Empiricus e da omissão de seu controlador [Nota da redação: Felipe Miranda e Empiricus negam as acusações].

Entendemos que a crise reputacional na qual tentaram nos colocar foi totalmente superada e saímos muito mais fortes deste episódio.

O TC procura um novo sócio? A venda da companhia é uma opção na mesa?

A companhia rotineiramente avalia oportunidades que possam gerar mais valor para seus acionistas, mas não dependemos de nada nesse sentido para executarmos com sucesso nosso planejamento para os próximos anos.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.