Por que a cidade de São Paulo, centro financeiro do país, deu a liderança a Lula

Ex-presidente e líder do PT ganhou no maior colégio eleitoral do país com 47,54% dos votos válidos, revertendo vitória de Bolsonaro em 2018

O ex-presidente Lula faz discurso depois do resultado do primeiro turno das eleições no Brasil neste domingo (2)
03 de Outubro, 2022 | 02:53 PM

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Bloomberg Línea — No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro obteve uma de suas vitórias mais expressivas no maior colégio eleitoral do país, a cidade de São Paulo. Foram 60,38% dos votos válidos contra Fernando Haddad (PT), ex-prefeito da cidade de 2013 a 2016. E uma liderança em 52 das 58 zonas eleitorais da capital paulista.

Quatro anos mais tarde, o atual presidente da República viu a preferência do eleitorado paulistano passar para o outro lado: o petista Luiz Inácio Lula da Silva venceu com 47,54% dos votos válidos, o equivalente a pouco mais de 3,276 milhões de votos. Bolsonaro teve cerca de 650 mil votos a menos, com 37,99% do total (cerca de 2,620 milhões).

Simone Tebet (MDB) ficou em terceiro, com 8,11% dos votos válidos, seguida de Ciro Gomes (PDT), com 4,32%.

Desta vez, Bolsonaro ganhou em apenas 17 das 58 zonas eleitorais de São Paulo, enquanto Lula foi o mais votado nas demais 41.

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O atual presidente ganhou em zonas eleitorais de bairros de maior nível socioeconômico, como a do Jardim Paulista, que abriga boa parte dos Jardins, a Vila Nova Conceição e o Itaim - incluindo a região da Faria Lima, identificada como centro financeiro do país, com sedes de bancos de investimento e gestoras e prédios residenciais de alto padrão: teve 41,95% dos votos, contra 35,79% de Lula.

Bolsonaro também esteve à frente de redutos tradicionalmente conservadores, como a Vila Maria, conhecido por décadas como um reduto malufista, em alusão ao ex-prefeito e ex-governador Paulo Maluf (veja mais abaixo). Obteve nessa zona eleitoral um de seus melhores desempenhos, com 47,71% dos votos, quase 10 pontos à frente do candidato do PT, com 38,92%.

O comandante da República venceu também em bairros de renda mais alta da zona leste, como a Mooca (com 48,84% dos votos) e o Tatuapé (48,98%). Mas foi na Vila Formosa que conseguiu sua maior votação em termos percentuais, com quase a metade dos votos (49,32%).

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Lula vence do Grajaú a Pinheiros

Mas o presidente perdeu para Lula em bairros de renda média mais baixa e também naqueles identificados com níveis socioeconômicos elevados. No primeiro caso estão zonas eleitorais em que obteve suas votações - em termos percentuais - mais expressivas, como em Piraporinha (Vila Ângela) e no Grajaú, ambos nas extremidades da zona sul, e na Cidade Tiradentes, na ponta extrema do zona leste.

Em Piraporinha, o petista obteve o equivalente a 62,16% dos votos, contra 26,94% de Bolsonaro.

Mas Lula liderou também em bairros considerados de classes sociais mais altas. Na zona eleitoral de Pinheiros, obteve 46,75% dos votos, muito à frente de Bolsonaro, com 32,72%.

Na zona eleitoral da Bela Vista, que abrange parte da região da Avenida Paulista, o ex-presidente alcançou 56,46% dos votos, quase o dobro dos 29,60% de Bolsonaro. Em Perdizes, a vantagem a favor de Lula foi de 46,39% a 35,33%, um pouco mais apertada.

O que aconteceu na maior cidade do país para a virada do Partido dos Trabalhadores?

Segundo analistas, uma das razões é que, a exemplo do que aconteceu em outras partes do país, a figura do ex-presidente Lula se sobrepôs à do PT, e isso inclui passar por cima de uma eventual rejeição ao partido ou à esquerda.

Outra possível razão é que a cidade concentra não apenas boa parte da elite financeira do país como também a intelectual e da academia, historicamente identificados com causas da esquerda, como o combate à desigualdade social e a adoção de políticas inclusivas como prioridades.

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Analistas políticos lembram também que, apesar da vitória local de Bolsonaro no segundo turno em 2018, São Paulo é historicamente uma das cidades que mais deram voto ao PT e a partidos de esquerda em geral há mais de três décadas, desde a redemocratização pós-regime militar.

Os eleitores de São Paulo elegeram Luiza Erundina, então do PT, como prefeita em 1988, a primeira mulher a ocupar o cargo, concedido também de forma inédita a um partido de esquerda. Pouco mais de uma década depois, foi a vez da vitória nas urnas de Marta Suplicy, outra candidata mulher pelo PT.

A tradição dos paulistanos e imigrantes que votam na cidade de eleger candidatos de esquerda teve continuidade com Fernando Haddad, um professor universitário que havia sido ministro da Educação nos governos de Lula e Dilma Rousseff: ele conseguiu uma rara virada no segundo turno contra José Serra, do PSDB, em 2012, o que o levou a comandar a maior cidade do país entre 2013 e 2016.

Na última eleição municipal, há dois anos, Guilherme Boulos, do PSOL, foi ao segundo turno contra Bruno Covas (PSDB) e chegou a 40% dos votos válidos. No domingo (2), saiu coroado das urnas como o deputado federal mais votado do estado de São Paulo, com 1 milhão de votos.

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Mas a análise da história mostra também que a cidade de São Paulo costuma prezar - a julgar pelos resultados das urnas - pela alternância de poder e de espectro ideológico dos candidatos.

Se por um lado os eleitores elegeram Erundina, Marta e Haddad, por outro, também o fizeram com expoentes da direita ou do centro-direita que comandaram a prefeitura. O mais notório deles talvez tenha sido Paulo Maluf, que comandou a cidade em duas ocasiões, de 1993 a 1996 e de 1969 a 1971, na primeira passagem por indicação do então presidente Costa e Silva, no regime militar.

Desde que a reeleição passou a ser permitida na disputa eleitoral a partir de 2000, jamais um prefeito conseguiu ser conduzido duas vezes seguidas por voto popular na cidade de São Paulo. Gilberto Kassab, em 2008, e Bruno Covas, em 2020, conseguiram a reeleição, mas só haviam chegado ao poder depois da renúncia dos prefeitos titulares José Serra e João Doria Jr., respectivamente.

E é esse pêndulo nas preferências do eleitorado que pode ajudar a explicar por que Bolsonaro tomou a virada no maior colégio eleitoral do país apenas quatro anos depois de uma vitória avassaladora.

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