Como trabalhar para uma empresa estrangeira do Brasil?

Enquanto empresas de todo o mundo disputam talentos de tech, latino-americanos são opção qualificada e barata - Parte 2 de 3

Dificuldade de competir com remuneração está levando empresas a oferecer outros benefícios
06 de Março, 2022 | 03:05 PM

Bloomberg Línea — À medida que a pandemia mudou as formas de trabalho em todo o mundo, os latino-americanos buscam formas de serem contratados por empresas estrangeiras.

A Bloomberg Línea vai explorar os novos rumos que latinos vêm tomando para conseguir novos empregos em TI, principalmente trabalhando em sua cidade natal. Portanto, provavelmente não precisarão se mudar nem terão muitos benefícios, apenas o valor agregado de salários competitivos para gastar localmente.

O inglês é a habilidade mais importante que uma pessoa pode ter para ganhar um salário melhor nos dias de hoje, segundo Alexander Torrenegra, empresário e investidor colombiano-americano que escreveu “Remoter: the why-and-how guide to building remote success teams” (ou “Trabalho remoto: guia para criar empresas remotas bem-sucedidas”, em tradução livre).

“Um desenvolvedor de software que fala inglês pode ganhar de três a quatro vezes mais dinheiro do que um desenvolvedor de software que não fala inglês. Portanto, é um idioma fundamental”

Para ser contratado no exterior, o candidato pode usar o LinkedIn. Torrenegra diz que a Torre, sua startup, além de aproximar a força de trabalho dos empregadores, ajuda as empresas a resolver questões de trabalho remoto, como definir salários.

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O unicórnio de folha de pagamento e compliance Deel diz que as redes sociais, como o LinkedIn, são uma ferramenta poderosa para fazer networking e atrair recrutadores em todo o mundo. A Deel também destaca a necessidade de ser fluente em inglês, pois a maioria das oportunidades exige essa habilidade.

“Se o profissional for da área de tecnologia, as chances de conseguir a vaga dos sonhos em uma empresa estrangeira se tornam ainda maiores”, diz.

À medida que o trabalho remoto se populariza, ainda há muitas questões que essas empresas precisam resolver enquanto a modalidade toma o mundo. Elas devem definir um salário diferente por país ou definir um salário global? Quem paga os impostos? Como os funcionários obtêm um computador? A empresa tem que enviar um computador para a pessoa?

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O brasileiro Willame Figueredo, gerente de projetos de uma consultoria de TI, diz que para preencher uma vaga em uma empresa estrangeira, os profissionais latino-americanos devem ter – além do inglês – um nível de maturidade e experiência que faça valer a pena.

“As empresas estrangeiras não costumam contratar pessoas sem experiência. No entanto, o mercado se contenta em contratar pessoas da América do Sul porque, com o dinheiro que uma empresa da Califórnia paga por um bom desenvolvedor nos Estados Unidos, ela consegue contratar três desenvolvedores igualmente bons e que vão ganhar uma fortuna em seu país, já que estão trabalhando remotamente”

É ruim para as empresas locais, mas bom para esses profissionais – desde que a moeda brasileira siga desvalorizada – e Figueredo diz que nunca será possível competir com as propostas vindas do exterior. “Um salário medíocre para um desenvolvedor americano de US$ 5 mil pode oferecer a um brasileiro a oportunidade de ter um salário de mais de R$ 25 mil por mês – 20 vezes mais que o salário mínimo em 2022.”

O desenvolvedor de front-end sênior Daniel Koganas acrescenta que a desvalorização do real facilita a contratação de empresas estrangeiras porque fica quase injusto para as empresas brasileiras competir em termos de remuneração.

“Um salário de desenvolvedor abaixo da média nos EUA, Canadá ou Europa já paga mais do que a maioria das empresas no Brasil. E muitas empresas de fora estão oferecendo um ‘PJ turbinado’, com benefícios semelhantes ao que teríamos em um regime CLT, incluindo, por exemplo, seguro saúde, férias remuneradas e bolsas de estudos” ele diz.

André Gustmão é o CTO da Warren, startup de corretores e concorrente da XP. Ele afirma que a formação de profissionais internamente é uma opção para garantir que eles não debandem para empresas estrangeiras, mas essa não pode ser a única estratégia.

“Essa mudança permite que empresas estrangeiras contratem na América Latina e acredito que seja algo positivo, pois temos cada vez mais brasileiros capazes de entregar tecnologia de ponta como qualquer desenvolvedor em todo o mundo”.

Isso significa que as empresas de tecnologia da América Latina começam a disputar talentos com as empresas do Vale do Silício. Embora o CTO considere a vantagem salarial “um pouco injusta”, ele diz que as empresas regionais podem ganhar oferecendo propostas de trabalho.

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“Pessoas que trabalham com tecnologia trabalham muito. Elas devem trabalhar com algo que veem como uma proposta, um resultado. Muitas empresas estrangeiras que contratam profissionais da área de tecnologia na América Latina são terceirizadas, não possuem produto próprio, então a relação do desenvolvedor com o produto não é próxima. Então não é só treinar os desenvolvedores, mas também oferecer propostas, impacto, um sentido do trabalho que o faz valer a pena”.

Gusmão diz que as pessoas que trabalham com tecnologia estão buscando lugares alternativos para trabalhar, algumas pessoas foram até morar no interior. “Os trabalhadores estão buscando mudar seu estilo de vida e nós entendemos e abraçamos isso, acreditamos que faz sentido”.

Pedro Gil, da equipe da HRTech Intera, disse que a área de RH discutiu os processos de seleção cultural, que já estavam sendo utilizados por empresas no Brasil.

“No final, os recrutadores devem ficar um pouco sentimentais sobre como é trabalhar no Brasil, para uma empresa brasileira, e desenvolver o mercado local, que pode ser melhor explorado, e crescer junto com a empresa. Esse apelo às vezes ainda faz sentido para algumas pessoas”, explica.

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Em uma pesquisa para entender o trabalho remoto feito com sua base de clientes, a Intera disse que 66,8% dos candidatos responderam que o modelo de trabalho afeta diretamente a produtividade e 64% consideram a flexibilidade importante; 63% indicaram melhora na qualidade de vida, bem-estar físico e emocional com o trabalho remoto, 40,2% mencionaram ganhos na organização de tarefas; 39,6% gostam de adaptabilidade;22,3% valorizam o tempo com os filhos e 19,7% mencionam a importância do relacionamento com os colegas para a adoção do modelo de trabalho.

Thiago Veloso, chefe de marketing da startup Crawly, diz que a empresa adotou uma jornada semanal de quatro dias justamente para atrair desenvolvedores em um ambiente disputado.

“Um diferencial da cultura da empresa é casar uma cultura que o desenvolvedor busca com os colaboradores, entender como é o dia a dia, justamente por ser remoto. Conversamos para lidar com tudo, desde equipamentos até saúde mental. Acredito que a cultura mantém a pessoa na empresa mais do que o salário”.

Pierre Lucena, presidente do hub de inovação Porto Digital, diz que o caso de empresas brasileiras que perdem trabalhadores para empresas estrangeiras “é uma minoria”, e que ainda não se sabe se o trabalho continuará remoto.

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“O Brasil não perde mais gente no exterior por causa da legislação dos próprios países. Assim, por exemplo, a Alemanha tem 400 mil vagas para desenvolvedores, mas não pode contratar estrangeiros. O Brasil não pode contratar colombianos, porque precisa ter um vínculo de trabalhar no país, e se fizer isso como pessoa jurídica, está importando um serviço, é um problema ainda maior do ponto de vista fiscal”, disse.

Para ele, o Brasil carece de um grande projeto nacional de formação de capital humano na área de tecnologia. “Em 2019, treinamos 39 mil pessoas em tecnologia e temos 70 mil novos empregos por ano”, disse ele.

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Lucena está mais preocupado com os brasileiros que de fato saem do país para trabalhar no exterior e aqueles que desejam sair do país. “Essa busca por talentos é dramática em todo o Brasil. Precisamos melhorar a qualidade urbana. Ninguém vai a Portugal para fazer uma grande carreira lá, as pessoas estão saindo do Brasil porque buscam melhor qualidade de vida”.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups