Vacinação infantil coloca em evidência a hesitação recém-descoberta

Pesquisa do Datafolha divulgada esta semana mostrou que 17% dos brasileiros não apoiam a vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra a covid

Desconfiança nas vacinas por parte das autoridades e percepção de que a covid não é mais fatal preocupam médicos
Por Martha Viotti Beck
18 de Janeiro, 2022 | 06:18 PM

Bloomberg — O início das imunizações infantis contra a covid no Brasil esta semana deu origem a uma crescente hesitação em relação a vacinas em um país conhecido por se destacar em vacinações em massa.

Uma pesquisa do Datafolha divulgada esta semana mostrou que 17% dos brasileiros não apoiam a vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra a covid. Esse número sobe para 21% entre os que concluíram o ensino médio e 28% entre os mais ricos.

Embora ainda seja uma pequena minoria, é uma novidade em um país onde vacinar crianças sempre foi um hábito. Todos os anos, os pais levam recém-nascidos para tomar vacinas contra tudo, desde sarampo a meningite, com poucas perguntas.

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O sucesso nas imunizações em massa é creditado por especialistas parcialmente a um sistema de saúde público de longo alcance, que se mostrou eficaz mesmo com a covid, apesar de anos de investimentos insuficientes. O SUS (Sistema Único de Saúde), ajudou o Brasil a se gabar de um nível de imunização de 95% em 2015. Mas esse número começou a cair antes mesmo da pandemia, girando em torno de 85% à medida que os pais ficaram menos preocupados com doenças como a poliomielite, disse Renato Kfouri, pediatra que também é presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Ele está preocupado que a desconfiança nas vacinas por parte das autoridades e a percepção de que a covid-19 não é mais fatal faça com que os níveis gerais caiam ainda mais.

Embora o Brasil tenha começado a imunizar seus 212 milhões de pessoas há um ano, apenas disponibilizou doses para crianças com mais de 5 anos após um acalorado debate liderado por Jair Bolsonaro. O presidente, que não foi vacinado, questionou a segurança e eficácia das vacinas desde o início, criticando a decisão da Anvisa de aprovar vacinas da Pfizer para crianças e dizendo que não vacinará sua filha de 11 anos.

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“O Brasil parecia imune ao movimento antivacina. Mas um presidente que critica as vacinas e a ciência acabou encontrando uma audiência”, disse Kfouri.

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O ressurgimento do vírus à medida que a ômicron se torna predominante reacendeu a discussão sobre as vacinas, que é ainda mais polêmica quando se trata de crianças, que devem retornar à escola em fevereiro, após o período de férias de verão.

Oito em cada 10 pais em São Paulo, o estado mais populoso do Brasil, disseram que vão imunizar seus filhos, de acordo com uma pesquisa do Sistema de Análise de Dados do estado, conhecido como Seade. O apoio é maior entre os pais cujos filhos estão matriculados em escolas públicas: 91%. Entre os responsáveis por crianças em instituições privadas, a taxa é de 78%.

A divisão se manifestou na semana passada, quando pais de alunos da Escola Americana do Rio de Janeiro, uma das escolas particulares mais caras do país, fizeram uma petição online contra a exigência de vacina para crianças participarem de atividades presenciais. O incidente ganhou as manchetes da mídia local e a petição já coletou mais de 700 assinaturas. Representantes da escola se recusaram a comentar sobre suas regras de vacina.

“Os mais ricos são menos vulneráveis”, disse Maria Paula Ferreira, chefe de pesquisa social em Seade. “A carga da doença para eles é menor e eles têm acesso a outras formas de tratamento caso sejam infectados.”

--Com assistência de Luana Reis, Andrew Rosati e Drew Armstrong

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