Bolsonaro agrava tensão com reivindicações de fraude após rejeição de voto impresso

Conforme especialista, o projeto ainda não será abandonado pelo presidente, já que a derrota na Câmara não foi tão grande

Foco de Bolsonaro na questão do voto impresso tem desviado a atenção do tratamento errático de seu governo para a pandemia
Por Simone Preissler Iglesias e Daniel Carvalho
11 de Agosto, 2021 | 02:34 PM

Bloomberg — O presidente Jair Bolsonaro insiste que o resultado das eleições do próximo ano não terá credibilidade depois que os parlamentares rejeitaram sua proposta de instituir o sistema de voto impresso, aumentando as tensões políticas 14 meses antes da eleição presidencial.

Um projeto de lei exigindo a impressão de cada cédula lançada eletronicamente foi arquivado na noite de terça-feira (10), após ser apoiado por 229 dos 513 deputados, menos que os 308 necessários para aprovar.

“Estamos sinalizando uma eleição em que não confiaremos na contagem dos votos”, disse o presidente de extrema direita a apoiadores em frente à residência oficial hoje (11). Ele acrescentou que estava feliz em ver quase metade dos legisladores apoiando a mudança proposta. “Tenho certeza de que teremos cada vez mais pessoas do nosso lado.”

Sem desanimar, os aliados de Bolsonaro tentarão convencer o Senado a aprovar uma legislação comparável, embora o prazo esteja se aproximando rapidamente - as regras constitucionais não podem ser alteradas no período de 12 meses que antecede uma eleição.

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“Este tópico não será enterrado”, disse Creomar de Souza, diretor executivo da Dharma Political Risk, uma consultoria com sede em Brasília. “O projeto não foi aprovado, mas não foi uma derrota tão grande; isso dá ao presidente e seus aliados a possibilidade de manter sua narrativa. "

Alarmes estão soando em Brasília depois que o ex-capitão do Exército sugeriu que, sem recibos de papel que pudessem ser contados manualmente, ele não aceitaria o resultado da eleição ou talvez nem o fizesse no ano que vem, conforme determina a constituição. Um desfile incomum de tanques militares rolando pelas ruas da capital aumentou a sensação de desconforto, com muitos políticos descrevendo-o como uma tentativa do presidente de intimidá-los.

Veículos de guerra e tanques fizeram um desfile em frente ao Palácio do Planalto na terça-feira (10)dfd

O desfile foi organizado pela Marinha para convidar Bolsonaro e seu ministro da Defesa a participarem de um tradicional evento militar que acontecerá na próxima semana. Foi a primeira vez, porém, que o convite foi entregue com demonstração de força militar em Brasília. A Marinha disse em um comunicado que há muito planejava o evento e que ele não tinha nenhuma relação com as votações realizadas no Congresso.

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Ainda assim, o evento irritou parlamentares s de ambos os lados do espectro político. “É uma cena patética, um ataque à democracia”, disse o senador Omar Aziz, que preside a CPI da Covid no Senado.

Até o presidente da Câmara, Arthur Lira, um aliado fundamental do Bolsonaro, desaprovou. Em um país polarizado como o Brasil, disse ele, o incidente cria especulações de que o Congresso pode estar sob algum tipo de pressão.

Ataque implacável

As urnas eletrônicas do Brasil ganharam destaque nas últimas semanas, quando Bolsonaro, enfrentando uma queda acentuada na popularidade em meio a um escândalo de compra de vacinas, lançou um ataque implacável à credibilidade do sistema. Ele tem afirmado repetidamente, sem apresentar provas, que o formato que está em uso no país nas últimas duas décadas - e pelo qual foi eleito - é vulnerável a trapaças e hackers.

Em relatório divulgado terça-feira, o Tribunal de Contas da União afirmou que já existem diversos mecanismos de segurança no sistema atual que permitem a auditoria do processo de votação e apuração dos votos.

Seguindo os passos do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, Bolsonaro tem semeado dúvidas sobre a integridade do sistema de votação do país e da autoridade eleitoral. A estratégia gerou temores de que ele possa estar lançando as bases para desafiar o resultado da eleição do próximo ano, caso perca.

Sua retórica levou o país à beira de uma crise institucional. Na semana passada, o presidente da Suprema Corte cancelou os planos de uma reunião com Bolsonaro e os chefes do Congresso, dizendo que o presidente pretende “complicar, frustrar ou impedir o processo eleitoral”.

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O foco de Bolsonaro na questão do voto impresso também desviou a atenção do tratamento errático de seu governo para a pandemia. Um inquérito em andamento no Senado está investigando as alegações de um esquema de propina na compra de vacinas pelo governo, do qual o presidente negou ter qualquer conhecimento.

Em votação separada, o Senado revogou na terça-feira uma lei de segurança nacional criada durante a ditadura militar e que havia sido recentemente evocada para censurar as críticas às instituições governamentais, a maioria delas contra o Bolsonaro.

“Devemos reconhecer os resultados quando eles são favoráveis e quando são contrários - isso é da democracia”, disse Lira depois que o projeto foi derrotado na Câmara. “Seria melhor se o presidente Bolsonaro olhasse dessa maneira.”

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