Moradia ‘senior living’ cresce no Brasil e expõe desafios de atender idosos

Expansão de redes de residências com cuidados para o público mais velho, na esteira da tendência de envelhecimento da população, ilustra oportunidades para o segmento, que ainda sofre o estigma de tratamento inadequado

Jubilaciones en el mundo
01 de Junho, 2025 | 09:09 AM

Bloomberg Línea — Assim como muitos países, o Brasil passa por uma transformação demográfica significativa, com o envelhecimento da população.

A proporção de idosos (60 anos ou mais) quase dobrou de 2000 a 2023, de 8,7% para 15,6%. Projeções do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que em 2070 uma fatia de 37,8% da população será idosa.

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Isso levanta questões sobre a escolha de moradias adequadas para essa faixa etária, com suas necessidades específicas de saúde e mobilidade.

O conceito de senior living e especificamente as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) podem ser uma fração da resposta a esse desafio por parte de mercado, depois, principalmente de políticas públicas que pensem no envelhecimento com saúde por parte do estado em termos de assistência e orientação.

São casas dedicadas a esse público que oferecem opções de moradia e cuidado que atendam às necessidades dos idosos, além de serviços como refeições preparadas, atividades sociais e recreativas, cuidado pessoal, medicamentos e cuidados médicos, e acesso a profissionais especializados.

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Algumas fazem questão de ressaltar a preocupação com a humanização na relação com seus clientes, o que foge ao estigma que existe no Brasil para o setor.

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A Bloomberg Línea ouviu empreendedores e especialistas, que apontaram um quadro de demanda aquecida que corrobora a mudança demográfica em curso, além do potencial de crescimento do segmento - mercado - no país.

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Há hoje no Brasil cerca de 7.000 Instituições de ILPIs, segundo dados da Frente Nacional de Fortalecimento à ILPI.

A Frente nasceu em abril de 2020 como uma iniciativa de centenas de profissionais de diversas especialidades com experiência na área da Geriatria e Gerontologia, preocupados com os efeitos da pandemia de covid-19 nesse público.

Enquanto as ILPIs buscam proporcionar cuidados e serviços para idosos que necessitam de assistência e supervisão, o chamado senior living é mais focado em oferecer alternativas de moradia e estilo de vida para idosos que desejam viver de forma independente ou com algum nível de assistência.

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Recorrer a um senior living vai depender da capacidade das famílias de arcar com mensalidades, que chegam a superar a casa dos R$ 10.000 no Brasil.

Gestores desses estabelecimentos, como parte interessada, citam como benefícios do senior living a disponibilidade de companhia e socialização, segurança, acesso a cuidados médicos, redução de responsabilidades domésticas, oportunidades de lazer e entretenimento e apoio emocional e psicológico.

Segundo esses profissionais, ao escolherem o melhor tipo de senior living para seus pais, avós ou outros familiares, as famílias devem, além do custo financeiro, considerar aspectos como localização e acessibilidade, reputação do local, qualidade dos serviços oferecidos e opções de lazer e atividades disponíveis.

Em muitos casos, além da mensalidade, a família tem de arcar com taxas de entrada, cuidado médico adicional e serviços opcionais, como transporte e terapias.

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No Brasil, o segmento de senior living ainda é considerado pouco desenvolvido na comparação com países como os Estados Unidos.

Por aqui, o mercado historicamente foi - e continua a ser em certa medida - associado a asilos e instituições filantrópicas com deficiências de atendimento e até denúncias de maus tratos contra os idosos, que não raro são retratadas na TV.

O surgimento de empreendimentos imobiliários especializados é algo recente.

A Bloomberg Línea entrevistou algumas dessas instituições para contar sobre o crescimento desse mercado e qual o seu público médio.

A man with a cane walks on a pavement in Sydney, Australia, on Tuesday, Nov. 28, 2023. Australia plans to enshrine an objective of superannuation in legislation as part of its agenda to maximize the benefits of the nations pension system, Treasurer Jim Chalmers said in a statement on Nov. 16. Photographer: Brent Lewin/Bloomberg

Necessidade da família

Um dos players nacionais entrevistados é a Terça da Serra, fundada em 2014, no interior do estado de São Paulo: totaliza mais de 2.500 leitos espalhados em 150 casas, segundo um dos fundadores, o contador Pedro Moraes.

Em entrevista à Bloomberg Línea, o executivo disse que a empresa está em ritmo de expansão e já tem presença em outras regiões do Brasil. Segundo ele, trata-se de um reflexo da demanda crescente de famílias em prover seus idosos com acolhimento que possa ser considerado seguro e com qualidade de vida.

“A Terça da Serra começou em Jaguariúna [interior de São Paulo]. Eu e minha esposa, Joyce Duarte, que é médica, estávamos procurando uma casa para cuidar do avô dela, que estava com Alzheimer. Procuramos e não achamos nada na região. Saí tivemos a ideia de fazer uma pequena casa de repouso”, conta Moraes.

Como sua esposa trabalhava em hospitais, em contato com famílias de idosos, logo a primeira casa da Terça da Serra, com 14 leitos, esgotou a lotação.

“Surgiu a ideia de fazer uma expansão. Fizemos a segunda, a terceira e a quarta unidades, passamos a pesquisar sobre senior living e descobríamos que não existia nenhuma rede nacional disso na época”, lembrou o empresário.

Modelo de franquias

A 3i Residencial Sênior, por sua vez, atua com o modelo de senior living segmentado para idosos lúcidos e não lúcidos.

No ano passado, a empresa começou a apostar em franquias com quatro unidades em fase de implantação, sendo três em Campinas, no interior paulista, e uma em Recife. Cada uma tem capacidade superior a 25 idosos por casa.

“Nossa meta é chegar até o fim deste ano com cerca de 20 unidades vendidas. Contratamos um serviço de aceleradora de franquias, a 300 Franchising, para ajudar a alavancar nossa expansão nacional”, disse Fábio Thomé Alves, fundador e CEO da 3i Residencial Sênior.

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Inicialmente, a empresa utilizou apenas capital próprio - e também empréstimos bancários. “No momento, para crescermos de maneira exponencial, estamos em fase de atração de investidores para o projeto”, afirmou o executivo.

A 3i Residencial Sênior possui serviços de hotelaria e assistência divididos entre contratação standard e prime.

Na categoria standard, o hóspede irá aderir a serviços de hotelaria e assistência e contará com outros serviços adicionais, como banho, alimentação e translado, deverão ser adquiridos à parte.

Já na modalidade prime, o cliente conta com serviços que seriam comercializados de maneira adicional, incorporados ao contrato de maneira recorrente.

As mensalidades variam de R$ 6.000 (leito triplo) a R$ 11.000 (individual), a depender da unidade em Campinas.

Segundo o CEO, o modelo standard geralmente está direcionado ao público de classe média.

Preocupação com humanização

A Terça da Serra começou a sua fase de expansão em 2021, quando recebeu um aporte de um fundo de investimento de José Carlos Semenzato, conhecido empreendedor no segmento de franquias do varejo.

Esse investimento permitiu à empresa ganhar escala e executar seu plano de expansão.

“Na época, já tínhamos quase 60 unidades. Já não éramos mais pequenos. Isso trouxe novos desafios de gestão. O fundo do Semenzato era minoritário, entrou com 20%. Foi um divisor de água para nossa trajetória de crescimento”, avaliou Pedro Moraes, sem abrir o valor do aporte e do valuation.

A rede de senior living está hoje presente em 24 estados.

Moraes defendeu uma mudança na chamada “cultura de asilo” no Brasil, que se refere às práticas desenvolvidas historicamente dentro de instituições de cuidado a idosos, como asilos, casas de repouso e residências para idosos no Brasil. O objetivo da mudança é melhorar a qualidade de vida dos residentes.

“Desde o nosso primeiro dia trabalhamos para mudar a cultura asilar no Brasil. O que fizemos, por exemplo, foi liberar visita 24h, pois outras casas de repouso limitavam visitas de 14h às 16h. É um absurdo pensar que isso é uma inovação do ponto de vista de uma nova prática do setor no Brasil”.

O fundador da Terça da Serra também destacou a criação de áreas comuns de convivência com as visitas, como sala de TV e cinema, a fim de permitir a participação das famílias nas atividades em conjunto com os idosos.

“Não é aquele monte de gente fechada em um quarto de hotel ou parecido a um hospital. Com certeza o fato de a Terça da Serra ter sido criado para cuidar do avô da Joyce e para manter a família dela por perto foi um diferencial de humanização e realmente fizemos disso uma prioridade”, afirmou Moraes.

No senior living Terça da Serra, idosos podem ter quartos individuais ou compartilhados

Rede investida pelo Pátria

Uma das principais referências desse mercado foi a BSL (Brasil Senior Living), uma rede de cuidados com atuação com residenciais para idosos, clínicas de transição, home care e cuidadores particulares.

Por trás da BSL esteve o Pátria Investimentos, que apostou na tese de investimento da rede, que era oferecer tratamento domiciliar, assistência e reabilitação de pacientes em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.

Em 2019, o grupo francês Orpea fechou acordo com o Pátria para a compra da BSL.

A BSL atua com as marcas Cora Residencial Senior, Cora Residencial Senior Premium, Repouso Bem Viver, Sainte Marie, Sainte Marie Premium, Vivace Residencial para Idosos e Gaia Cuidadores.

A demanda crescente está por trás de planos de expansão dos que atuam no setor.

“Começamos a estudar como faríamos nossa expansão, o que demandaria um capital alto. Passamos a olhar para o mercado de franquias. Os amigos da Joyce nos hospitais começaram a se interessar pelo nosso negócios”, disse Moraes.

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A consultoria Goakira foi procurada pelo casal de empreendedores após a decisão em 2016 de buscar a formatação do seu modelo de franquias.

“Pegamos benchmarks de redes de franquias nos EUA como a BeeHive. Era um mercado muito novo, não tinha nenhuma rede de franquias no setor na época por aqui. E o mercado americano era o mais evoluído”, disse o empreendedor.

‘Eu sou você amanhã`

Apesar do crescimento consistente da demanda, há diferentes desafios para expandir o mercado de forma sustentável, segundo especialistas.

Entre eles estão qualificar a mão de obra, fornecer suporte e informação para familiares que estão diante de um processo de dor e incertezas quanto à decisão e, sobretudo, atrair o público de idosos lúcidos para um processo de moradia sênior assistida.

“Temos como premissa a visão de que nossos futuros clientes são os filhos dos idosos que hoje acolhemos, em meio a uma quebra de paradigmas”, disse o CEO da 3i Residencial Sênior.

Fábio Thomé Alves explicou que o conceito de senior living envolve um ecossistema de serviços, produtos e tecnologia, o que inclui atendimentos à saúde com médicos especializados em áreas como geriatria e psicologia, enfermeiros, cuidadores, fisioterapeutas, entre outros.

O portfólio pode incluir ainda hospedagem temporária e definitiva, atendimentos de home care, acompanhantes hospitalares e centro dia.

“Nos nossos residenciais, por exemplo, buscamos oferecer atividades individuais e coletivas, que visam manter a mente ativa, a socialização e promover autonomia dos idosos”, disse Alves.

Mais recentemente, o segmento também passou a atrair players do setor imobiliário na capital paulista.

A Housi, proptech de moradia do assinatura, tem planos de lançar projetos de moradia pensados e dedicados para idosos, como revelou o CEO da companhia, Alexandre Frankel, em entrevista à Bloomberg Línea no mês de maio.

‘Localização é fundamental’

Apesar da maior oferta por lançamentos de senior living, o Brasil de modo geral não está preparado para atender à demanda crescente de idosos por moradias, segundo especialistas no tema ouvidos pela Bloomberg Línea.

“O principal desafio enfrentado por incorporadoras é agregar equipes com conhecimento técnico adequado para conceituar e estruturar esses empreendimentos”, disse o engenheiro Norton Mello, autor de Senior Living: Conceito, Mercado Global e Empreendimentos de Sucesso (2021).

A demanda por moradias para idosos é crescente no Brasil, com mais de 250 mil unidades necessárias, segundo ele, que é PhD em Projetos de Vida Idosa e CEO da Bioeng Projetos.

“Os projetos de senior living devem ser pensados para promover a independência e a autonomia dos idosos, com ambientes bem projetados e serviços adequados", disse Mello.

Segundo ele, a localização é um ponto fundamental, com empreendimentos perto de shoppings, universidades e outros serviços, para que os idosos possam manter sua relações com a cidade e participar da comunidade.

Ele apontou, a partir de seus estudos, que “produtos” imobiliários muitas vezes têm dimensões inadequadas e não oferecem acessibilidade. E ressaltou a questão da “escuta ativa”: incorporadoras precisam entender melhor as demandas dos idosos e atender de fato às suas expectativas, e não apenas as de filhos ou familiares.

Diante da crescente pressão demográfica no Brasil, é necessário também profissionalizar os cuidadores para atender à demanda.

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O autor disse estimar que, de modo geral, apenas entre 1% e 4% da população idosa de uma determinada região possui condições financeiras e psicológicas para migrar de sua residência habitual para uma moradia assistida. E isso evidencia a relevância imperativa de melhores políticas públicas para essa parcela da população.

Segundo ele, a América Latina possui a maior velocidade do mundo de crescimento percentual global no número de pessoas idosas (71%), contra 23% de crescimento no continente europeu (menor índice global).

Mello apontou a Holanda, com foco na integração social da população idosa, como uma referência mundial em projetos de senior living.

“Na Holanda, há um senso de comunidade muito forte a ponto de as instituições de senior living terem até supermercados. As pessoas da comunidade vão ao supermercado e convivem com pessoas idosas", exemplificou.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.