Kinea cresce perto de R$ 50 bi no ano e a receita é manter a cautela, diz CEO

Em entrevista à Bloomberg Línea, Marcio Verri conta os próximos passos - e produtos - da estratégia de uma das mais tradicionais gestoras do país, que chega a R$ 122 bilhões em ativos

Marcio Verri, CEO da Kinea, uma das maiores e mais tradicionais gestoras do país (Foto: Divulgação)
20 de Dezembro, 2023 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — No fim da manhã de uma sexta-feira recente na região da Faria Lima, em São Paulo, o escritório da Kinea, uma das maiores e mais tradicionais gestoras do país, estava em grande parte vazio. Um evidente contraste para uma indústria que, em muitos momentos da pandemia, não abriu mão do trabalho presencial. Mas, ali, era a representação - na forma do modelo híbrido de trabalho - de um dos pilares que têm permitido à gestora diversificar a atuação e acelerar o crescimento nos últimos anos, segundo contou o sócio e CEO, Marcio Verri, em entrevista à Bloomberg Línea.

A gestora que nasceu há 16 anos, formada por ex-executivos do BankBoston em sociedade com o Itaú, chegou ao fim de novembro com R$ 122 bilhões em ativos sob gestão, depois de ter iniciado o ano com R$ 75 bilhões. Um crescimento de quase R$ 50 bilhões em um ano em que a manutenção de juros na casa de dois dígitos continuou a castigar boa parte da indústria de fundos no país.

O resultado, segundo ele, tem sido fruto de uma combinação de fatores que mira a construção de um negócio centenário. E um deles é justamente a atração e a retenção de profissionais qualificados. A gestora conta atualmente com cerca de 150 pessoas.

“Os negócios de cada área são muito diferentes, com pessoas com perfis muito diferentes, e isso significa que eles têm que ser geridos de forma a considerar essas individualidades: qual vai ser a rotina, se vai ser presencial ou híbrido e de que forma, cada área decide como funciona melhor”, disse Verri, que chegou ao escritório nesse dia especialmente para a entrevista.

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“Parece simples fazer, mas não é, porque é como se houvesse várias empresas dentro de uma. E o que aconteceu neste ano é um pouco a consequência disso, com a maturação das diferentes áreas, cada uma ao seu tempo, mas com todas com o pensamento: ‘é importante a Kinea dar certo, mas é mais importante o meu negócio dar certo’”, disse o CEO da gestora. “E isso no fim é bom para o cotista, porque ele não tem a cota Kinea no seu portfólio, mas a cota do fundo específico que ele comprou.”

Estratégias criadas há mais tempo, com equipes estruturadas, em áreas como renda fixa e crédito privado, segundo ele, se beneficiaram do momento recente de aumento dos juros.

“Fundos isentos [de Imposto de Renda]... quanto maior a taxa de juros, maior a vantagem fiscal para o investidor. Tínhamos fundos de CRI, de imóveis, de infraestrutura. A única área que não se beneficiou foi a de equity. Mas está pronta para quando voltar o apetite com juros mais baixos.”

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Outro destaque tem sido a área de fundos de previdência, em que a gestora se destacou em anos recentes pela entrega de performance acima do que era o padrão do mercado. Um dos produtos que mais crescem é o Apolo, um multimercado que atingiu R$ 9,4 bilhões em patrimônio líquido em novembro.

‘Me contem os problemas’

Esse modelo não significa, por outro lado, perseguir o topo do ranking dos fundos que mais rendem em determinadas janelas de tempo. Ele mencionou o período recente de bull market em que alguns fundos de crédito high yield de outras casas entregaram resultados muito acima daqueles da Kinea. “Eu repetia a quem apontava a concorrência que isso não era para a gente. É mais importante buscar o primeiro quartil [pela performance] e entregar essa consistência. Por enquanto, está funcionando.”

Essa cautela reflete a postura de Verri, que disse não comemorar o volume recorde dos fundos. “Somos paranóicos aqui. As coisas mudam muito rapidamente. O que eu comemoro é performance. Entregando retorno de forma consistente, a consequência é o volume”, afirmou.

Nas reuniões, Verri pede que os gestores comecem sempre com as notícias ruins. “Não precisa me contar as boas operações, só as más. Me conte quais são os problemas. No fim, se eliminamos os eventos extremos, sabemos que o gestor vai fazer boas decisões.”

Ao falar sobre a tese de maturação de estratégias, ele deu um exemplo recente: a contratação de um profissional experiente do mercado para a área de special situations, em ativos de maior risco, como de empresas em reestruturação: Danilo Lee, que era do Bank of America Merrill Lynch.

“Logo vieram me falar: ‘vocês vão criar um fundo de special situation?’ Daí eu expliquei: ‘não. Nós trouxemos uma pessoa que entende da área, que vai trabalhar seis meses e conversar com as outras áreas para entender qual produto que se adequa à nossa base de clientes e que tem valor para extrair’.”

Dessa fase de estudo saíram produtos para áreas específicas, como agro, imobiliário e private equity, em conjunto com os respectivos profissionais especializados, com visões complementares.

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A entrada no agronegócio, que se deu há três anos, é outro exemplo, segundo Verri, da forma como a Kinea prepara a diversificação das áreas de atuação. “Estudamos muitos anos antes de decidir entrar e daí contratamos pessoas experientes.”

Uma semana no escritório

No modelo híbrido da Kinea, cada área tem trabalhado de forma presencial uma semana a cada quatro, de forma alternada. Verri contou que já se acostumou a escutar comentários de amigos gestores que questionam a viabilidade e a eficiência do trabalho sem tanta interação presencial.

O executivo disse que a adoção da jornada híbrida tem favorecido a retenção de talentos e também a promoção de diversidade, dado que o modelo permite, por exemplo, que mulheres possam estar mais perto da família e dos filhos. “Isso também nos abriu a oportunidade de contratar bons profissionais de fora de São Paulo. Temos pessoas em Salvador, Natal, Ribeirão Preto, São Carlos...”, contou.

É um modelo que já era adotado pela Kinea antes da pandemia e que se consolidou no momento em que as medidas de isolamento social desaconselhavam o trabalho presencial.

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“No fim do dia, é um negócio de pessoas. A placa ajuda, a infraestrutura ajuda, mas são as pessoas que tocam os negócios. É uma das minhas missões: reter os profissionais qualificados”, explicou Verri, contando que o racional do modelo se reflete no atendimento ao cliente como objetivo final.

“Um fundo dura oito, dez anos. Eu tenho que pensar na experiência do profissional que trabalha para que ele acompanhe essa jornada. A mesma pessoa que vendeu o fundo para o cotista vai ter que entregar o resultado, bom ou ruim - espero que bom - e prestar contas”, disse o CEO.

Pipeline aquecido

Segundo ele, o acompanhamento dos concorrentes nos diferentes mercados em que a Kinea atua revela uma transformação ao longo dos anos, o que evidencia a importância do capital humano. “Tem asset que fica pelo caminho e uma das principais razões é a perda de talentos”, disse. Neste ano, o mercado testemunhou um movimento de consolidação, com M&As (fusões e aquisições) e fechamento de gestoras.

Mas é um amadurecimento que veio com o tempo, ressaltou. “Levamos cinco anos para construir os processos e formar uma cultura. No início, nosso turnover era muito mais alto do que hoje.”

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Ao analisar as perspectivas para os negócios e as potenciais oportunidades, Verri disse esperar uma migração de recursos de fundos exclusivos com a tributação aprovada pelo Congresso, que iriam tanto para fundos multimercados com alta volatilidade como fundos de ações e também para os isentos de IR, como imobiliários e de infraestrutura. Outra avaliação é a de que produtos em dólar devem ganhar espaço na carteira do investidor, especialmente do qualificado que faz asset allocation.

“Estamos nos preparando e fazendo a gestação de produtos. Em fundos isentos já somos fortes e temos produtos no nosso pipeline para os próximos meses. E temos pensado em um produto em dólar com risco de crédito ‘comportado’, que pode ser interessante como diversificação, com yield”, disse.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.